Imagine um sistema no qual o motorista entra no carro e insere seu destino em um dispositivo que transmite os dados a um computador central. O trabalho deste computador é analisar o tráfego em diferentes pontos da rodovia. O rádio do carro indica as direções que o motorista deve tomar. Se ele não tomar nenhuma, o próprio carro assume o controle. O carro entra em condução automática, e o computador o insere em uma faixa de carros automatizados. O motorista então pode conversar com a família, redigir relatórios, assistir vídeos. O carro o levará até seu destino.
Imaginou? Parece um sonho atual, não é? Pois este parágrafo é uma tradução quase literal de um trecho do artigo “O Maravilhoso Mundo dos anos 1990”, publicado na revista U.S. News & World Report em… 1967!
Sim. Qualquer pessoa com mais de 30 anos irá lembrar como o mundo imaginava o futuro antes de o futuro chegar. Mesmo no início dos anos 1990 imaginávamos que no ano 2000 os carros seriam capazes de dirigir sozinhos — e aposto que vocês também ficaram decepcionados quando descobriram que o “piloto automático” dos carros da época não virava o volante nem freava sozinho.
Pois é… os anos 2000 chegaram e nada muito especial aconteceu. Os carros continuaram com as rodas no chão e os motoristas com o volante nas mãos. Mas isso não significa que o sonho futurista dos anos 1950 (e dos anos 1960, 1970, 1980 e 1990) estava errado. Nós só erramos o prazo. Se não estivéssemos tão fascinados pela ideia de chegar ao ano 2000″, o ano em que o futuro começaria, talvez pudéssemos ter feito previsões mais precisas. Porque é nesta próxima década, que começa em menos de dois anos, que este sonho do passado começará a se tornar realidade. Carros autônomos. Carros que dirigem sozinhos, igualzinho imaginávamos o “piloto automático” em 1994.
Fiz esta viagem no tempo para mostrar como essa ideia não é algo novo, como se os engenheiros da indústria automobilística tivessem, de repente, ficado fascinados com as tecnologias de seus smartphones de última geração e simplesmente tivessem resolvido em meia dúzia de reuniões de cúpula que o carro do futuro irá andar sozinho.
O carro dos anos 2000 nos anos 1990
O sonho é bem mais antigo, mas da mesma forma que James Cameron sonhou com o azulado “Avatar” antes de ter a tecnologia necessária para concretizá-lo da melhor forma possível, a indústria automobilística também precisou esperar a evolução tecnológica para colocar suas projeções futuristas em prática.
Para se ter uma ideia, um dos conceitos de condução autônoma propostos nos anos 1980-90 previa o uso de eletroímãs no asfalto para mover os carros por levitação e propulsão magnética, como os trens Maglev. Não era ingenuidade ou falta de competência: o sistema de posicionamento global por satélite, que eu e você chamamos de GPS, só foi liberado para civis no final dos anos 1980 nos EUA, e só começou a funcionar perfeitamente como o usamos hoje a partir de 1995. O mesmo vale para o LIDAR, que é um aparelho como o RADAR, mas em vez de ser baseado em ondas de rádio é baseado em ondas luminosas. Ele é essencial para o reconhecimento tridimensional do ambiente ao redor do carro, porém só se tornou viável neste século.
Além disso, existe a questão do custo. Toda tecnologia inovadora começa cara (pois seu desenvolvimento é caro) e vai barateando à medida em que se populariza pelo aumento da demanda. É por isso que hoje temos controle de tração em um carro como o Volkswagen up! e o Ford Ka. E também é por isso que o cruise control adaptativo já está em carros bem mais mundanos que os Mercedes, Lexus e BMW de 10 anos atrás.
Essa transferência gradual das tecnologias autônomas resultou em vários níveis diferentes de automação dos carros, de forma que a Sociedade dos Engenheiros Automobilísticos (SAE) decidiu criar um sistema de níveis de automação para identificar o quanto um carro é autônomo. São seis níveis, que vão do zero ao 5, sendo zero um carro sem nenhum tipo de automação, e cinco um veículo totalmente autônomo como um robô sobre rodas. O sistema não é baseado na quantidade de tecnologia autônoma, mas na necessidade de intervenção humana na condução. Veja só:
Nível 0 – zero automação
Patent Motorwagen: nível 0 igual ao…
Inclui veículos comuns desde o Patent Motorwagen, até veículos equipados com controles de tração e estabilidade, EBD, ABS e cruise control, ou ainda alerta de ponto cego e detecção de objetos em movimento, desde que se limitem a alertas sensoriais.
… McLaren F1
Neste nível o motorista é responsável poro todos os comandos do carro. Mesmo que o carro freie uma roda automaticamente para impedir uma saída de traseira (ESP), ou alivie a pressão do freio para que as rodas não sejam travadas (ABS), ou pisque uma luz ou emita um bipe para avisar que um motociclista entrou em um ponto cego.
Nível 1 – Assistência do motorista necessária
São sistemas capazes de esterçar e/ou acelerar/frear usando informações externas sobre o ambiente ao redor do carro. Esse nível começou a ser introduzido em 2007 com o lançamento de cruise control adaptativo, que regula a velocidade de acordo com a distância do carro à frente, e dos sistemas de permanência em faixa, que controlam o volante para manter o carro entre as linhas pintadas no chão.
Neste nível, o carro mantém a direção e a velocidade, e impede colisões mesmo que o motorista não esteja comandando o volante e os pedais ao mesmo tempo. Porém para mudar de direção, parar o carro e aumentar a velocidade é preciso do comando do motorista.
Nível 2 – Automação parcial
São sistemas capazes de controlar velocidade, frenagem e direção em certas condições, como em rodovias ou congestionamentos. Neste nível estão o Tesla Autopilot, o Mercedes-Benz Drive Pilot, o Cadillac Super Cruise e o Volvo Pilot Assist, todos lançados a partir de 2013.
Eles ajustam sua velocidade de acordo com o tráfego adiante e até fazem curvas em condições ideais, porém o motorista precisa estar alerta para assumir o comando sempre que as condições excederem a capacidade do sistema — como aconteceu no trágico acidente fatal com um Tesla nos EUA em 2016, no qual as câmeras do Model S não conseguiram “ver” um caminhão e o carro acabou colidindo, matando seu motorista desatento. Por isso é equivocado chamá-los de “semi-autônomos”: eles têm sistemas avançados de assistência ao motorista, mas são incapazes de comandar o carro sem intervenção humana.
Nível 3 – Automação condicional
É o atual nível de automação, iniciado comercialmente pelo Audi A8 2018. Neste nível os sistemas do carro podem controlá-lo completamente sem intervenção durante um período pré-determinado pelo fabricante, e abaixo de uma velocidade também pré-determinada pelo modo de condução.
Este também é o primeiro nível em que os sistemas do carro são capazes de monitorar completamente o ambiente ao redor do carro, usando sensores LIDAR, por exemplo. Porém neste nível espera-se que o motorista atenda prontamente os alertas sobre condições que excedem as capacidades do sistema. O Audi A8, por exemplo, tem um modo chamado Traffic Jam Pilot, que conduz o carro em velocidades de até 60 km/h. Acima disso o sistema emite o alerta e o motorista precisa assumir o controle do carro em até dez segundos.
Nível 4 – Alta Automação
Neste nível os sistemas são (serão) capazes de conduzir o carro mesmo se o motorista não responder às solicitações de intervenção. Isso pode acontecer quando o carro está em um percurso fora-de-estrada, ou em uma rodovia não mapeada, ou ainda em condições climáticas adversas, como nevoeiro denso, chuva forte, nevascas e pistas com a superfície congelada. Caso o motorista não atenda o alerta, os sistemas podem reduzir a velocidade, encostar ou estacionar sozinho em um local seguro.
Atualmente não há carros comercializados com este nível de automação. A indústria automobilística espera que eles cheguem ao mercado por volta de 2021.
Nível 5 – Automação total
Neste nível o sistema atua como o carro sonhado em 1967, citado no primeiro parágrafo deste texto. O motorista não é mais motorista e sim um passageiro. O único envolvimento humano necessário é a inserção do comando de destino. O carro dispensa pedais, volante e qualquer tipo de comando, tornando-se um “módulo de transporte” que poderá ser conduzido em qualquer situação.
Os fabricantes esperam que esse nível de automação chegue ao mercado até o final da década de 2020, uma vez que estes sistemas já estão sendo testados.