Disputado há quase quatro décadas, o Rali Dakar é uma das corridas mais desafiadoras do planeta — e uma das que mais têm histórias que merecem ser contadas, como a do Rolls-Royce “Jules”, que disputou a corrida em 1981.
Hoje vamos avançar algumas décadas e contar a história de um dos carros mais legais a correr no Dakar: o VW Tarek, um buggy com motor a diesel e cara de supercarro que colocou a Volkswagen de volta no Dakar depois de 24 anos.
A última vez havia sido em 1980: naquele ano, a VW inscreveu no Dakar uma versão de competição do utilitário Iltis, ou Type 183. Desenvolvido para uso militar, o Iltis substituiu em 1978 nada menos que o Type 181, conhecido como VW Thing.
Ou como o carro do Sr. Barriga em Acapulco!
O desempenho do Iltis surpreendeu os adversários e a própria VW: o desajeitado utilitário — cujo sistema de tração integral serviu como base para o desenvolvimento do sistema quattro da Audi — venceu com direito a dobradinha o Paris-Dakar de 1980.
Desde então a VW jamais abandono os ralis ou a tração integral — dos anos 80, com o Golf Syncro, até hoje, com o Polo WRC e o Beetle WRC. Contudo, um retorno ao Dakar ainda levaria quase um quarto de século.
O Tarek foi desenvolvido em conjunto com o estúdio Italdesign, fundado por Giorgetto Giugiaro. Na verdade, Giugiaro e a VW já tinham uma parceria de longa data, iniciada em 1973 com a primeira geração do Passat — este que, não por acaso, foi o primeiro VW a romper com a tradição do motor traseiro refrigerado a ar.
Isto entre os carros de produção, pois antes do Passat a Italdesign ainda projetou o Volkswagen-Porsche Tapiro em 1970 e o Volkswagen Karmann Cheetah no ano seguinte — dois conceitos que jamais se tornaram veículos de produção, infelizmente.
À esquerda, o Karmann Cheetah; à direita, o Porsche-VW Tapiro
Normalmente os carros projetados por Giugiaro para a VW são um sucesso: depois do Passat, veio o Golf, que é o VW mais bem sucedido em vendas de todos os tempos. Com o Tarek não foi diferente: o carro, criado para testar o potencial da tecnologia turbodiesel TDI da VW no deserto, acabou vencendo na categoria de tração traseira do Dakar — novamente com direito a uma dobradinha.
O Tarek foi apresentado pela primeira vez no Salão de Essen, na Alemanha, em novembro de 2002. Com prazo apertadíssimo, a VW e a Italdesign decidiram que o melhor era criar um buggy de tração traseira com estrutura tubular pela relativa simplicidade do esquema.
O visual do Tarek também reflete o pouco espaço de tempo disponível para o projeto, e a Italdesign decidiu aproveitar as linhas de outro carro para lá de icônico: o conceito VW Nardò W12, supercarro projetado por Giugiaro em 1997 e movido por um motor W12 — este, em essência, formado por dois motores VR6 unidos pelo virabrequim e capaz de entregar 420 cv, potência que subiu para 600 cv em 2001.
A carroceria de fibra de carbono do Tarek lembrava muito a do W12 na dianteira e na traseira, porém com proporções ligeiramente mais musculosas e, obviamente, suspensão elevada. Era, de fato, um carro muito bonito.
E competente, também: o motor era um quatro-cilindros de 1,9 litros turbodiesel de apenas 218 cv, sendo que a maioria dos concorrentes tinha pelo menos 100 cv a mais.
O trunfo do Tarek, porém, era outro: seu método de construção e os materiais utilizados davam a ele uma vantagem de 500 kg a menos em relação aos outros competidores, e não havia nada no regulamento que impedisse a VW de tirar proveito disso.
Duas equipes foram enviadas para a França, de onde partiriam no dia 1 de janeiro para percorrer os mais de 8.500 da rota entre Marselha e Sharm El Sheikh, no Egito. Ao todo, 490 veículos partiram (162 motocicletas, 130 carros, 51 caminhões e 147 veículos de assistência) e apenas 186 cruzaram a linha de chegada no dia 19 de janeiro.
Entre eles, os dois Tarek levados pela VW. Em sexto na classificação geral, o belga Stéphane Henrard e o navegador britânico Bobby Willis; e em oitavo, a primeira dupla totalmente feminina a terminar o Dakar, formada pela alemã Jutta Kleinschmidt ao volante e pela italiana Fabrizia Pons como navegadora. Dois anos antes, em 2001, Jutta havia sido a primeira mulher a vencer o Dakar, com o navegador Andreas Schulz ao volante, pela Mitsubishi.
Não foi uma vitória, mas o resultado foi melhor do que qualquer expectativa dentro da VW — exatamente o que a VW precisava para mergulhar de cabeça no Dakar a partir do ano seguinte. Depois de ficar em segundo em 2006, finalmente o Touareg, equipado com um cinco-cilindros turbodiesel de 2,5 litros, conseguiu a vitória no Dakar em 2009 — outra dobradinha — e, no ano seguinte, ficou com as três primeiras posições.
O Tarek? Como já dissemos, um deles foi comprado pelo próprio Stéphane Henrard que, neste ano, está correndo no Dakar com um Fusca (que, a propósito, está na 34ª posição na classificação geral). Henrard competiu com ele por alguns anos, mas deixou a equipe de fábrica da VW para dedicar-se à sua própria.