Wangan Midnight é possivelmente um dos animes/mangás sobre carros mais famosos que existem, ao lado de Initial D – na verdade, o mangá com a história de Akio Asakura e seu Nissan S30 “Devil Z” foi lançado cinco anos antes do primeiro volume de Initial D, em 1990.
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Assim como Initial D, que nasceu depois que seu criador, Shuichi Shigeno, conheceu um entregador de tofu que usava um Impreza WRX para fazer suas entregas, Wangan Midnight também é baseado no mundo real Mais precisamente, na cena de corridas ilegais na Shuto Expressway, em Tóquio, e na lendária gangue de pilotos de rua Mid Night Club. E talvez não haja um ponto de convergência entre estes dois elementos melhor do que o Porsche 930 “Yoshida Special” – um carro que fez parte do Mid Night Club e que já teve seus momentos de meliante na Wangan. Um carro que existe de verdade e que continua sendo impressionante, mesmo após mais de três décadas. E o carro que inspirou o Blackbird de Wangan Midnight.
Só tem um detalhe: ele não é preto, mas sim bordô. Mas talvez “Burgundybird” não fosse um nome tão sonoro…
A inspiração da inspiração
O carro foi montado por uma enigmática figura: um homem chamado Yoshida Eiichi, e mais conhecido como Yoshida-san – ele era, de fato um dos membros do Mid Night Club. E, como tudo o que envolve o Mid Night Club, o próprio Yoshida tem seus mistérios – sua origem, sua idade, seu meio de ganhar a vida são informações que não circulam por aí. Especula-se que ele tenha se formado em medicina, mas abandonou a carreira de médico para dedicar-se à revenda de carros da família e, nas horas vagas, dar seus “passeios noturnos” e preparar motores.
O que se sabe: Yoshida tinha uma obsessão: fazer seu Porsche 911 Turbo 1979 passar dos 347 km/h – a velocidade máxima que o famoso Ruf CTR Yellowbird – sim, o ícone do Gran Turismo e de Faszination Nürburgring – atingiu em 1987. É claro que ele também participava dos pegas na Wangan japonesa e, graças àquele carro, conquistou uma belíssima reputação, mas o que ele mais queria era superar os alemães.
O ponto de partida foi um Porsche 911 Turbo 1979 – um carro que, originalmente, era preto, e só ganhou sua cor vinho depois que Yoshida começou a fuçar nele. Então, de certa forma, o nome Blackbird tem uma origem clara. E também pode ser uma referência ao Ruf Yellowbird..
Aperfeiçoando a receita
Não se sabe ao certo quando Yoshida-san comprou o Porsche 911 mas, de acordo com relatos de fãs japoneses, sabe-se de um Porsche 911 Turbo preto com adesivos do Mid Night Club circulando no Japão já em 1982 – coincidentemente, o mesmo ano em que a gangue foi fundada.
Também não são conhecidas as exatas modificações que Yoshida fez no Porsche 911 ao longo do tempo – apenas os números com os quais ele estava trabalhando. No início, ele acreditava que chegando aos 500 cv ele conseguiria superar o Yellowbird, que tinha seus 469 cv no motor flat-six de 3,4 litros. Então, em algum momento, quando levou o carro até o oval de Yatabe – a famosa pista de testes em Tsukuba – para tentar atingir sua marca, Yoshida estourou o motor assim que chegou aos 302 km/h.
Imediatamente o Porsche 930 foi levado para a Mid Night Porsche Works, preparadora de Tóquio especializada nos esportivos de Stuttgart, para receber um novo motor – um motor ainda mais potente, que foi continuamente melhorado ao longo do tempo para chegar aos 620 cv. Existe uma ficha técnica publicada pela revista japonesa Option em 2011, como conta Josh S do site Drivetribe. É a única ficha técnica do 930 Yoshida Special com fonte confiável de que se tem notícia, e ela é bem interessante.
De acordo com a Option, uma das configurações mais recentres do carro contava com um leve aumento no deslocamento, passando de 3,3 litros para 3,4 litros. O motor também tinha pistões forjados Mahle, bielas de titânio, comandos de válvuals Porsche Racing, molas de válvulas vindas de um Porsche 935 e um intercooler gigantesco, com três vezes a capacidade do original, que era praticamente a única coisa que se via ao abrir a tampa do motor.
O turbocompressor era um KKK K33S, o mesmo do Porsche 934, operando a 1,26 bar. Os cabeçotes com duas velas por cilindro também vinham do Porsche 934, assim como o bloco.
O câmbio era de quatro marchas, exatamente como no Porsche 911 turbo original, porém com embreagem e volante do motor emprestados de um Porsche 956. Segundo a Option, as relações foram modificadas para aproveitar melhor a curva de potência do motor – teoricamente o carro podia chegar aos 120 km/h em primeira marcha, aos 250 km/h na terceira marcha, e a mais de 340 km/h no topo da quarta marcha. Para segurar o ímpeto, o Porsche de Yoshida-san também usava freios do Porsche 935, com discos perfurados, e suspensão com amortecedores ajustáveis da Bilstein.
Tudo isto era impressionante em um carro que, esteticamente, não cometia nenhuma loucura. Claro, ele tinha seus toques especiais, como o para-choque dianteiro inspirado pelo Porsche 934, os espelhos ao estilo do 911 RSR, ou os dutos NACA no lugar dos vidros laterais traseiros – além, claro, da pintura vinho metálico. Mas o interior guardava mais surpresas, como os bancos concha “Lollipop” da década de 1970 (que também eram usados pela Kremer Racing), apelidados assim pelo formato dos encostos de cabeça; ou a gaiola de proteção integral acolchoada. O volante era igual ao do Porsche 964 Carrera RS, e o quadro de instrumentos tinha o conta-giros e o velocímetro de 350 km/h do Porsche 959.
É possivelmente esta configuração que o carro conserva até hoje, possivelmente – e conforme mostra um artigo de 2015 publicado no Speedhunters. Mas sua história não acabou aí.
Que fim levou?
De acordo com o Speedhunters, até poucos anos atrás o carro ficava exposto em uma concessionária chamada Premier Cars, na ilha artificial de Odaiba, na Baía de Tóquio. A loja pertence a Yoshida-san, que voltou a lidar com vendas de carros após a dissolução do Mid Night Club. E o 911 Yoshida Special estava à venda.
Em 2018, porém, Yoshida envolveu-se em um escândalo – ele foi acusado de fraude ao prometer a uma revenda de carros de Tóquio a última unidade do Porsche 918 Spyder, dizendo que tinha “contatos especiais” e que precisava de um depósito adiantado. A revenda fez o depósito, mas Yoshida jamais entregou o carro – que ele não tinha, obviamente. Em 2019, uma nova acusação de uma fraude do mesmo tipo foi feita, porém o objeto era uma Ferrari LaFerrari.
Com base nas acusações e após confessar que estava aplicando os golpes para pagar dívidas – mesma razão, presume-se, pela qual o Yoshida Special estava à venda.
Desde então, Yoshida-san sumiu da mídia, bem como o carro. Segundo o Drivetribe, é bem provável que o carro tenha sido apreendido pelas rigorosas autoridades do Japão, e que apareça em um futuro próximo como parte de um leilão.
Dica do leitor gustavomarv