O maior recall da história deve afetar pelo menos 53 milhões de automóveis. Para se ter uma ideia, esse número é maior do que toda a frota brasileira atualmente (temos 45 milhões de veículos). Pior: este é um número parcial dos modelos afetados pelo recall da Takata, mais especificamente dos deflagradores de airbag da empresa, que explodem e espalham estilhaços de metal quando acionados. Se parece que isso é coisa que não tem a ver com o Brasil, não se engane. O recente recall da Toyota, com 128.615 unidades por aqui, mostra que a coisa está muito mais perto de nós do que gostaríamos.
O problema
O airbag funciona pela rápida liberação de nitrogênio ocasionada pelo aquecimento de trinitreto de sódio, também conhecido como azida de sódio. O aquecimento é disparado por um detonador, acionado pelo sensor de impacto do carro.
A panela em que ficam o detonador e o trinitreto deve se manter íntegra. E é exatamente isso que não está acontecendo com as peças da Takata. Ela explodiu em uma série de veículos, lançando estilhaços de metal durante a inflação da bolsa. Isso causou lesões sérias em pelo menos 169 pessoas, como em Stephanie Erdman, que se acidentou com um Honda Civic em setembro de 2013, e duas mortes comprovadas.
O primeiro caso conhecido foi em um Honda, em 2004. Mas documentos obtidos pela Reuters mostram que a Takata teria permitido, em 2002, que deflagradores de sua fábrica no México tivessem uma taxa de defeitos seis ou oito vezes superior aos limites aceitáveis, algo entre 60 e 80 componentes com defeito para cada 1 milhão de peças.
As causas do defeito ainda não foram claramente estabelecidas. Em princípio, a Takata declarou que o trinitreto foi manipulado incorretamente durante a montagem, o que fez os deflagradores explodirem devido a pressão excessiva. Meses depois, a empresa culpou os ambientes úmidos pelo problema. No documento obtido pela Reuters, a própria empresa dizia que ferrugens, soldas mal feitas e até chiclete deixado dentro do componente foram os motivos.
Em uma carta aberta ao público, Shigehisa Takada, CEO da Takata, pede desculpas pelos problemas e informa que eles são causados porque “os elementos de controle de umidade do agente gerador de gás não foram corretamente implementados na manufatura, o que provoca o rompimento de um cânister do deflagrador quando ele é acionado”.
O caso é que os recalls foram se estendendo para diversos outros fabricantes. Segundo o jornal The New York Times, a Takata conduziu testes secretos fora do horário normal de expediente, em 2004, para entender a questão. Os resultados teriam confirmado problemas sérios nos deflagradores, o que levou a engenharia da empresa a tentar resolvê-los. Em vez de avisar as autoridades americanas, porém, executivos da empresa teriam mandado seus engenheiros destruírem os estudos e qualquer evidência física do problema. A Takata só admitiu defeitos, segundo a reportagem, em 2008, quatro anos depois.
O recall da Toyota com os modelos de maior volume tem sido feito em duas etapas. Na primeira, se desativa o airbag e um adesivo é colado para avisar que ninguém deve usar o banco dianteiro do passageiro. Na segunda, sim, é que é feita a substituição. O motivo é simples: não tem tanta peça para ser trocada. Quando houver disponibilidade, a troca propriamente dita acontece, mas é preciso evitar o risco. E essa foi a forma que a Toyota encontrou para resolver o problema. Isso quando o recall era bem menor…
Os casos envolveriam modelos feitos entre 1999 e 2008. O número mais recente de unidades envolvidas é de 33,8 milhões de automóveis só nos EUA (veja a lista completa aqui) e 19 milhões em outros países. E entre estes outros países está o Brasil.
Por aqui
Nessa época, poucos veículos brasileiros vinham equipados com airbags. Normalmente só os modelos mais caros dispunham do equipamento, além dos importados. De todo modo, várias empresas já convocaram recalls por aqui relacionados ao defeito. Além da Toyota, a Nissan, há poucos dias, chamou 75 unidades do Pathfinder para correção. Só que, nos EUA, a empresa precisará corrigir 1 milhão de unidades, entre elas o Maxima de 2001 a 2003 e o Sentra de 2002 a 2006. No Brasil, os dois modelos tiveram vendas modestas, mas vale a pena ficar de olho. Em 2014, a Honda convocou Civic e CR-V para reparos no componente.
A Takata é uma das maiores fornecedoras de airbag do mercado brasileiro. Em 2012, ela foi premiada como a melhor fornecedora da Volkswagen . Em 2014, a produção do Cruze nos EUA foi suspensa exatamente por problemas nos airbags fornecidos pela empresa japonesa. É bem possível que o modelo brasileiro use o mesmo componente. Os Chevrolet Montana e Agile tiveram, em 2014, um recall por motivo parecido. Pode ser que não esteja diretamente relacionado ao defeito reportado agora, mas as semelhanças nos deixam com a pulga atrás da orelha. Como no recall que a Nissan convocou para March, New March e Versa.
Nos EUA, modelos da BMW, Chrysler e Ford também estão envolvidos. Procuradas, Honda, BMW, Chrysler, Nissan, VW e Ford disseram que ainda estão apurando os fatos e só dentro de alguns dias poderão se pronunciar sobre modelos feitos ou vendidos no Brasil que eventualmente tenham sido afetados pelo problema. Renault, Peugeot e Citroën também foram procuradas e devem nos dar retorno a respeito do uso de produtos da Takata nos próximos dias.
A Fiat informa que seu fornecedor de airbags é a TRW, o que a isenta do problema em todos os veículos produzidos ou importados para o Brasil.
A gente mantém vocês informados, mas podem apostar: o maior recall do mundo ainda tem chances de crescer um bocado.