Em um mês de novembro relativamente cheio de novidades, uma das mais interessantes veio da Jeep: pela primeira vez em quase 40 anos, o Wrangler passa a oferecer um motor V8 – o Hemi de 6,4 litros da Chrysler, que ocupa o cofre da versão Rubicon 392. O nome é fácil de entender: 6,4 litros equivalem a 392 polegadas cúbicas – e você sabe como os americanos gostam de mencionar suas polegadas cúbicas.
O Rubicon 392 tem números de respeito. Com 481 cv, ele é o mais potente utilitário old-school à venda atualmente – ainda mais porque caras como o Mercedes-Benz Classe G e o Land Rover Defender mais recentes resolveram investir na sofisticação e no conforto, ficando mais luxuosos e caros.
A Jeep diz que, com câmbio automático de oito marchas, o Wrangler Rubicon 392 é capaz de acelerar de zero a 100 km/h em 4,5 segundos e de cumprir o quarto de milha (402 metros) em 13 segundos. É desempenho de muscle car, exceto que nesse caso você não precisa seguir o caminho certo para a dragstrip – basta ir passando por cima de tudo.
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Brincadeiras à parte, é bom ver um Jeep Wrangler com motor V8 depois de tanto tempo. Nos dá um pouco de alívio em saber que, apesar da eletrificação em massa dos carros, ainda há espaço para opções entusiastas. O braço americano da Fiat Chrysler Automobiles sabe o que está fazendo.
Por outro lado, demorou bastante: o último Jeep old school com motor V8 – desconsiderando modelos com monobloco, como o Cherokee/Grand Cherokee (XJ) – foi feito há 40 anos, em 1980 (como modelo 1981).
O Jeep CJ original, lançado logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, era frugal ao máximo. Versão civil do Willys MB, sua função era ser robusto, barato e simples de manter – características desejáveis em um fora-de-estrada que passa a maior parte do tempo longe da civilização.
Assim, seu motor também era simples: um quatro-cilindros com válvulas na lateral, comando no bloco e um único carburador. Originalmente ele entregava apenas 61 cv, e garantia carga útil de 360 kg. Não era uma usina de força, claro, mas cumpria sua função.
À medida em que o Jeep deixava de ser um veículo de trabalho para se tornar um estilo de vida, seus aspectos técnicos também evoluíram – em especial, o motor, já que o restante do veículo permaneceu praticamente sem alterações por décadas. O primeiro Jeep a oferecer outro motor a diesel, por exemplo, foi o Mitsubishi J3, produzido sob licença no Japão a partir de 1953. No Ocidente, o CJ-5 americano começou a ser equipado com um motor a diesel Perkins como opcional mais ou menos na mesma época. E foi também o primeiro a receber um motor V8, em 1972.
Desde a década de 1960 a Jeep utilizava motores V8 da AMC no Wagoneer e na picape Gladiator, sua derivada. O sucesso da parceria levou à compra da Jeep pela AMC em 1970 – e, dois anos depois, decidiu-se pela adoção do V8 também no CJ-5.
Com cinco litros (304 pol³) e potência líquida de 150 cv, o motor não impressionava pela potência – como era comum nos V8 da década de 1970. Contudo, como o Jeep CJ-5 era um veículo extremamente leve para seu tamanho, com pouco mais de 1.200 kg, a relação peso/potência era bem favorável e garantia desempenho interessante, a par dos muscle cars da época. A instalação do V8 também exigia modificações estruturais, resultando em entre-eixos maior, capô mais longo e dimensões mais robustas. E, claro, um tanque de combustível maior – que saiu da área abaixo dos bancos dianteiros e foi parar na traseira, entre as longarinas. Isto causou um efeito colateral benéfico: melhor distribuição de peso.
Embora a AMC não estivesse em seu melhor momento – em grande parte por causa da concorrência com as três gigantes de Detroit – o sucesso do Jeep CJ-5 manteve a empresa viva, e o breve período em que ele ofereceu um motor V8 mostrou que havia demanda por um utilitário assim.
A AMC, como dissemos nesta matéria, acreditava que o segredo do sucesso para a Jeep era expandir seu portfólio – e, como vemos hoje, ela não estava errada. As décadas de 1970 e 1980 viram uma série de novos modelos, como o Wagoneer, a Gladiator o Cherokee e o Grand Cherokee, apostarem em versões com um V8 maior e mais potente, de 5,9 litros (360 pol³) e 182 cv. Apenas o CJ continuava com o motor de cinco litros. Inicialmente, apenas os acabamentos Renegade e Golden Eagle podiam ser comprados com o V8.
Verdade seja dita: o motor estava ainda mais fraco – só 127 cv. Mas muitos americanos preferiam um V8 estrangulado a um quatro cilindros menor, mais eficiente, mais moderno e dotado da mesma potência. Era quase uma questão de princípios.
Em essência, o Renegade era um pacote estético para o CJ, com adesivos e pintura branca nas rodas – no mais, ele era igual às outras versões. O motor V8 era opcional, mas deixou de fazer sentido à medida em que os motores de quatro e seis cilindros tornavam-se mais atraentes economicamente.
O Golden Eagle, por sua vez, era a versão mais equipada do CJ. Além da decoração na carroceria, ele tinha opção por teto rígido ou de lona, servofreio, direção hidráulica, conta-giros e ar-condicionado – um luxo só. Embora tenha sido oferecido até 1983, o Jeep CJ Golden Eagle perdeu o V8 após 1981.
Para encerrar o ciclo de vida do motor V8 no CJ, a AMC ainda lançou o Jeep Golden Hawk. Não era exatamente uma revolução: consistia basicamente em um pacote de adesivos para o CJ-5 e o CJ-7 (versão com entre-eixos mais longo e chassi reforçado). Mas era alguma coisa.
Nos anos seguintes a AMC removeu o motor V8 das opções para o CJ, deixando-o apenas com os quatro-cilindros e seis-em-linha. Enquanto isto, preparava seu sucessor – o Wrangler, que viria a ser lançado em 1986 e foi o último Jeep desenvolvido pela AMC antes da compra pela Chrysler.
Ele seguia o mesmo estilo básico do CJ, porém tinha faróis quadrados (que foram abandonados pouco depois) e um interior mais confortável, em linha com a ideia de deixar os Jeep mais próximos dos carros de passeio. Ainda tinha carroceria sobre chassi, ainda tinha suspensão por eixo rígido e ainda era um veículo extremamente capaz fora de estrada. Mas o motor V8 nunca mais voltou a ocupar seu cofre – até agora.