A Jeep, como marca, é deveras interessante. Foi modelo, tipo de veículo e marca, e sobreviveu sendo produzido por mais empresas do que possamos contar.

O caminhão militar para carregar meia tonelada da segunda guerra era um projeto da Bantam, herdeira da Austin na America. Mas apesar de produzido pela Willys e pela Ford, emerge no pós guerra na Willys como um modelo de carro, o Jeep Civil, o Willys Jeep. A Willys é vendida para a Kaiser, formando a Kaiser-Jeep em 1953. Em 1970, é comprada pela American Motors, onde fica até 1987, quando toda a AMC é comprada pela Chrysler. E todos sabemos quantos donos a Chrysler teve desde então: Daimler, Fiat, e finalmente agora a corporação que atende pelo nome de Stellantis.

Mas tem mais. O Jeep Civil foi licenciado para o mundo todo. Foi feito pela Willys no Brasil, a Kaiser na Argentina, a Mitsubishi no Japão, a Tata na índia, Hotchkiss e depois Renault na França. E francamente, criou um tipo de carro, o tal do jipe. Um Land-Rover de 1948 o que é senão uma cópia em alumínio rebitado?

independentemente de quantos donos teve, porém, a Jeep permanece um exemplo de fidelidade á sua missão. Sempre fez as mesmas coisas que sempre fez, se é que me entendem e perdoem. É um dos raros casos modernos de fidelidade filosófica na indústria, ainda que carros como o Renegade causem uma certa preocupação. Ajuda o fato de que o tipo de carro que faz é o mais popular hoje, mas não lhe tira o mérito: foi justamente a Jeep uma das marcas que popularizou esse tipo de carro. Se você criou um tipo de coisa, não pode ser acusado de plágio, pelo menos.

Originalmente existiam dois SUV da Jeep: o Cherokee e o Wagoneer. O primeiro era duas portas, e o segundo, quatro, e ambos eram SUV’s grandes baseados em picape, chassi separado, no idioma das Blazer e Bronco nos anos 1970. Nos anos 1980 porém, algo novo era necessário, mais moderno, mais econômico e compacto. Um downsize do Cherokee e da Wagoneer basicamente.

Este novo Cherokee XJ, lançado em 1984, estava destinado a ser um clássico. Primeiro, existia o desenho da carroceria, até hoje admirado. É o último desenho do famoso Dick Teague que chegou em produção antes de sua aposentadoria. O designer Robert Cumberford, escrevendo para a revista Automobile americana, disse: “possivelmente o melhor desenho de SUV de todos os tempos, é o paradigma ao qual todos os outros aspiram.”

Era também muito menor, e principalmente agora uma carroceria monobloco, sem chassi separado, o que imediatamente o tornou um carro melhor. Era sensivelmente menor em todas as dimensões, um carro que, aos 4200mm em um entre eixos de 2576mm, estava mais para uma Parati de salto alto, do que um caminhão sem caçamba como seus antecessores. Ainda assim, o monobloco garantia 90% do espaço interno do carro anterior.

A suspensão dianteira com molas helicoidais e 5 links, mas ainda de eixo rígido, era bem mais moderna também. Complementava uma traseira com molas semi-elípticas, mas uma capacidade off-road superior, com ângulos de ataque e partida superiores. E quando mais tarde recebeu o seis em linha AMC de 4 litros e 190cv, era algo inédito entre carros desse tipo: rápido. Pesando ao redor de 1500-1600kg dependendo da versão, e com câmbio automático, ainda assim fazia o 0-96 km/h em 8,5 segundos.Uma perua off-road, sim, mas também rápida pacas; o americano adorou.

O carro foi um tremendo sucesso, e colocou por muito tempo a Jeep no topo da nova categoria de SUV compacto. O Jeep Wagoneer antigo continuou em produção por um tempo, agora como Grand Wagoneer, mas o resto da linha foi toda substituída pelo XJ. Em 1986, como é praxe na indústria porém, inicia-se o projeto de seu substituto, o projeto inicialmente chamado de XJC.

Previa uma evolução do XJ, com suspensão traseira agora também 5 link com molas helicoidais, num carro ligeiramente maior, medindo 4539 mm num entre-eixos de 2690 mm. Mas entre 1987 e 1988 tudo muda: a AMC é comprada pela Chrysler. Lee Iacocca, icônico líder da Chrysler rapidamente integra as duas engenharias numa só (com demissões grandes envolvidas), e resolve adiar o lançamento do novo Cherokee, antes marcado para 1990. Mais que isso: decide que o Cherokee corrente, XJ, que vendia muito bem, permaneceria em produção como modelo de entrada; o novo Cherokee seria um Grand Cherokee, vendido mais caro. Para isso, ordena reprojeto de vários itens, e a adoção do V8 Chrysler “LA” injetado como opcional ao seis em linha AMC.

O novo projeto de fazer dois carros diferentes aumentou o tamanho dele: era necessária outra fábrica. Contrariando todas as tendências de então, a patriótica Chrysler de Iacocca cria uma fábrica nova em Detroit! Numa época em que estava esvaziada, uma volta. A Chrysler, que demitira tanto na região, volta a contratar; só por isso, um projeto muito importante. A nova fábrica de Jefferson North (na avenida Jefferson no centro de Detroit) é a última grande fábrica inaugurada na cidade. Moderna ecologicamente e ergonomicamente, era um retorno incrível para Detroit. Tanto que para lançar o carro, Bob Lutz, com o prefeito de Detroit no passageiro, dirige o carro da fábrica até o Cobo Hall, para o salão de Detroit. Chegando lá, sobe as escadas e entra no pavilhão quebrando uma parede de vidro na fachada! Uma das mais lendárias apresentações de carros novos da história, cheia de significado e esperança. E mesmo com o gigantesco gasto da fábrica ainda foi um sucesso.

O resultado não podia ter acertado o mercado de forma melhor. O Cherokee XJ reformulado e barato vendeu também que continuou sem substituto até 2001, algum tempo depois de seu planejado substituto, o Grand Cherokee “ZJ”, ser substituído por uma nova geração em 1999. E o novo Grand Cherokee foi um absoluto sucesso em todo mercado em que atuou, do Brasil à Europa, onde era fabricado nas instalações da Magna Styer sob contrato, e oferecido com um diesel italiano da VM motori.

Não era para menos: um carro realmente útil em toda situação. Era luxuoso e e sofisticado: airbag, CD-player e ABS eram de série, algo inédito então na categoria. Mas não ficava só nisso, claro: de bancos e retrovisores aquecidos ao controle de temperatura ambiente automático, tinha todas as características de um carro de luxo. Mas era uma perua, com todas as vantagens de versatilidade para carga/passageiros que isso gera.

Mas também existia seu excelente compromisso de conforto/estabilidade. O desenvolvimento da suspensão foi cuidadoso e bem-feito, resultado na melhor suspensão de eixos rígidos já criada até então. Afinal de contas, a Jeep podia querer os eixos rígidos para o off-road; mas os concorrentes já começavam a usar suspensões independentes, então apenas um comportamento primoroso do sistema calaria a boca dos críticos; incrivelmente, conseguiram.

Na frente e atrás, era composto por quatro braços, dois superiores e dois inferiores, mais barra panhard transversal, formando cinco links e controlando totalmente o movimento. Batentes de PU microcelular, molas helicoidais e amortecedores telescópicos pressurizados fechavam o sistema. Tinha enorme articulação no off-road, mas também era uma suspensão macia, que absorvia impactos de forma incrível, mesmo no fora-de-estrada. E ainda assim, oferecia estabilidade em asfalto que era líder na categoria. Sim, fazia curvas bem decentemente para uma perua alta off-road.

Uma ajuda brasileira aqui nisso: segundo o historiador Patrick R. Foster, Emerson Fittipaldi prestou consultoria para a Chrysler em ajuste de suspensão neste projeto, ajudando a acertar o comportamento do carro. O Grand Cherokee atingia aderência máxima de 0.79G em skidpad, números no nível de sedãs da época: BMW 525i, Mercedes-Benz 300E, e Acura Legend. Mesmo assim, quando a revista Car & Driver realizou um teste de off road realmente pesado com todo tipo de carro 4×4 em 1997, o Grand Cherokee ficou atrás apenas de carros dedicados: o Land Rover Defender e o Jeep Wrangler. Realmente um feito incrível, que de novo mostra a grande característica dele: a versatilidade.

Todo Grand Cherokee era automático, uma caixa de quatro velocidades com travamento do conversor de torque eletrônico, e 4×4. Dois sistemas de tração total eram disponíveis, o Select-Trac, que normalmente era 4×2 a não ser quando selecionado pelo motorista, no off-road, e o Quadra-Trac, automático, um diferencial viscoso central que tornava o eixo dianteiro de tração quando necessário. Esse diferencial podia ser travado, e uma relação reduzida era também disponível.

Como se não bastasse o luxo e o conforto, a estabilidade e habilidade em off road; o espaço interno e espaço de carga, ainda mais algo impressionava: o desempenho dos motores. O básico já era um motor grande e potente, o AMC seis em linha de quatro litros e 190 cv; mesmo ele já fazia o 0-96 km/h ao redor dos 9 segundos. Mas Opcional existia o V8 Chrysler de 5,2 litros, uma versão modernizada do mesmo V8 que equipou os Dodge nacionais aqui no Brasil, o V8 LA, comummente chamado de Small-block-Chrysler.
Aqui, com injeção multiponto, mas ainda todo em ferro fundido e com comando no bloco, dava 220 cv a 4800rpm, e 41,5 mkgf a 3600rpm. Apesar dos 1800kg e do câmbio automático, fazia o 0-96 km/h em oito segundos cravados. A velocidade final de 186 km/h era limitada pelo arrasto aerodinâmico, porém; mesmo o V8 tinha dificuldade de vencer o arrasto gigante daquele prédio ambulante.

Para o ano/modelo de 1998, seu último, uma novidade maior ainda nesta direção. Aparecia o Limited 5.9, com a versão de 360 cid do motor V8 LA. Dava 245 cv e 47,7 mkgf, e um desempenho avassalador: era o SUV mais rápido já testado então pela Road&Track, que conseguiu uma aceleração de 0-96 km/h em 6,8 segundos. Um recorde que demorou dez anos para ser batido.

Se existia alguma desvantagem aqui, obviamente era o consumo de combustível. Médias rodoviárias não passavam de 7,7 km/l, e na média cidade/estrada, normalmente um V8 de 5,2 litros retornava algo em torno dos 6 km/l de média. O poderoso 5.9 potencialmente é ainda pior. Realmente não se pode ganhar todas.

Mas é um pequeno preço a se pagar por um carro que praticamente se porta bem em qualquer situação que você proponha a ele. Sua capacidade off-road é seu ponto alto, mas rodava com conforto em todo lugar, e com desempenho muito bom. Até fazia curvas bem! Claro que não é nenhum carro esporte; vale lembrar aqui que você pode ensinar um urso a dançar, e vários circos tem em sua trupe ursos dançantes bem hábeis e com um ritmo danado de bom. Mas nenhum deles, em nenhuma hipótese, vai chegar a ser o primeiro bailarino do Municipal.

Mas nem se espera isso dele, não é mesmo? O sucesso do Grand Cherokee não veio a toa; é um carro que, consumo de lado, é excelente em todo uso que uma pessoa pode fazer de um carro. De carregar cargas a rebocar coisas diversas; de chegar a lugares de difícil acesso sem problema a rodar confortavelmente em estrada; de fazer curvas decentemente a dar pau naquele Miata no grand-prix do sinal verde, é um carro que todo dono não falha em amar de paixão. Uma extensão do que podemos fazer com um automóvel, uma caixa de surpresas de habilidades inesperadas da melhor qualidade.
Um Jeep Grand Cherokee Limited 5.9 à venda

O Grand Cherokee da geração ZJ é um carro que foi um sucesso, novo, aqui no Brasil também, importado que foi no início da nova era onde as importações eram permitidas, no início dos anos 1990.

Todas as suas versões vieram, e não faltam opções deles usados, claro. Todos são desejáveis: mesmo o rejeitado seis em linha tem um desempenho mais que decente para um carro desse tipo, e não deve ser rejeitado, se em bom estado. Essa segunda parte, o em bom estado, que está ficando cada vez mais difícil de encontrar, claro. Um problema de idade, num carro que é para uso geral, e não esporádico.

O mais fácil de achar é o V8 de 5,2 litros, o 318 cid que ficou famoso também nos nossos Dart e derivados, nesta nova versão atualizada e injetada dos anos 1990. Já é um carro superinteressante, como já contamos aqui. O mais raro e desejável de todos eles, porém, claro, é o Limited 5.9. Além de mais potente, é um modelo de um ano só, 1998, o último dos ZJ.

Mas de vez em quando aparece um, e o Achado meio Perdido de hoje é justamente um deles. Está anunciado numa loja de clássicos de São Paulo, a CIA 66 Motorsports, que fica na Av Vereador José Diniz, 3802 no Campo Belo. O carro parece um ótimo exemplar da espécie, e está a venda por R$ 69.000.

A loja diz que o carro tem pneus novos, manuais e chave reserva, e está em “excelente estado de conservação e originalidade”, e o funcionamento de tudo é “perfeito”. A maioria dos carros que vieram nesta versão aqui são num sensacional verde escuro metálico, mas este quebra a mesmice dele com um clássico e discreto marrom metálico bem leve, quase prata.

Somente os conhecedores notarão as dicas externas de um SUV rápido de verdade: a grade dianteira mais proeminente, e as duas gradinhas em cima do capô. Também pode se perceber esta versão mais potente pelo discreto e pequeno logotipo traseiro “5.9 litre” acima do outro, que diz “V8”.

Sim, não está baratinho, mas é um preço onde as escolhas entusiastas estão cada vez mais raras. E que outra forma podemos ter, hoje em dia, de experimentar o genuíno prazer do grande V8 aspirado americano por menos que isso?

Esses carros, mesmo que você não pratique o off-road, são uma delícia de se usar no dia-a-dia; uma das poucas coisas que ficam até melhor com câmbio automático. A força instantânea do V8 e do conversor de torque fazem o carro diminuir em torno de você, e os buracos no trânsito da cidade, fáceis de identificar e alcançar com uma acelerada. Sim, você vai pagar por isso no posto, mas vale a pena.

Como sempre, esta matéria serve para exorcizarmos de nossa mente carros que queremos comprar, mas não podemos, e este é um desses casos com certeza. Imagine que pode, também, rebocar facilmente um trailer com seu caro de corrida em cima. A miríade de utilidades de algo assim é algo delicioso de verdade.
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