Os preparativos para a estreia de Fernando Alonso na Indy 500 começaram na manhã desta quarta-feira (3), com o primeiro desafio a ser enfrentado por todo e qualquer estreante na prova — até mesmo se ele for um bicampeão mundial de Fórmula 1: o Rookie Orientation. Diferentemente da Fórmula 1, onde basta ter uma superlicença e fazer uns poucos treinos para alinhar, a Indy 500 exige uma sessão de treinos para certificar que o piloto é apto a pilotar no ritmo exigido pela prova. O Rookie Orientation é exatamente isso.
Embora o cronograma e os requisitos do treino sejam diferentes todos os anos, ele envolve sempre três níveis de desempenho que o estreante precisa completar para seguir adiante em sua preparação para as 500 Milhas. Neste ano, os estreantes como Alonso precisam completar 10 voltas com velocidade média entre 205 e 210 mph (330 e 338 km/h), depois outras 15 voltas com média entre 210 e 215 mph (338 e 346 km/h) e, por último, mais 15 voltas com média superior a 215 mph (346 km/h) — ou seja: é preciso completar um mínimo de 45 voltas em velocidades pré-estabelecidas para poder participar dos treinos e, eventualmente, da prova.
Mais importante, contudo, é a adaptação ao carro e ao circuito. No oval o acerto e o controle do carro são substancialmente diferentes do acerto de um monoposto da Fórmula 1. O ajuste ideal é levemente sub-esterçante devido às altas velocidades combinadas à configuração aerodinâmica de arrasto mínimo.
Além disso, há outros elementos estranhos aos pilotos europeus como o tire staggering, que é a adoção de pneus de diâmetro maior no lado do carro que fica externo às curvas; e o uso de weight jackers, um sistema hidráulico que altera a transferência de peso diagonal entre os eixos para que o piloto possa controlar a tendência sub-esterçante do carro por meio de um controle no volante.
Por último, nas corridas em ovais os carros adotam ângulos de convergência e cambagem extremamente assimétricos para otimizar a dinâmica do carro à inclinação da pista e também à necessidade de rotação do carro nas curvas. Em alguns casos a cambagem do lado esquerdo chega a ser positiva.
O primeiro a entrar no carro, contudo, foi Marco Andretti, que fez um shakedown de duas voltas do McLaren-Andretti com os primeiros acertos dinâmicos básicos para Alonso. Em seguida Alonso assumiu o controle e iniciou sua escalada no teste dos novatos. Em seis voltas ele chegou à média de 209,84 mph (337,7 km/h) e fez uma parada antes do stint de dez voltas da primeira etapa, que foi concluída sem problemas.
HERE IT IS. @alo_oficial‘s first ever lap at @IMS. #AlonsoRunsIndy #Indy500 #IndyCar @McLarenIndy @McLarenF1 pic.twitter.com/M33g4zGVAv
— Andretti Autosport (@FollowAndretti) 3 de maio de 2017
O único inconveniente do teste: um pássaro cruzou o seu caminho…
Depois Alonso fez mais 15 voltas com médias de velocidade variando entre 211 e 213 mph (339,6 e 342,8 km/h), conseguindo 213,852 mph (344,16 km/h) como melhor média nessa segunda fase. Em seguida veio a última etapa: 15 voltas acima de 215 mph (346 km/h). Foi aí que Alonso realmente sentiu o desafio da Indy pela primeira vez, como ele mesmo explicou mais tarde na entrevista coletiva:
Nas primeiras voltas [ao chegar na curva] você alivia, retoma a aceleração, vai sentindo o carro, a aderência. No fim consegui chegar à meta de velocidade. A certa altura me disseram ‘ok, agora não temos mais limites, você precisa fazer 15 voltas acima de 215 então sinta-se à vontade para correr. Eu sabia que Marco estava flatouting a curva 1 [com aceleração total] então pensei ‘vou com aceleração total na curva 1 porque o carro é capaz de fazer isso’. Cheguei à curva 1… eu estava 100% convicto de que estava flat out, mas meu pé não estava no fundo… ele tinha vida própria, não estava conectado com a minha cabeça naquele momento. Na segunda volta eu consegui fazer flat out, mas na primeira… foi uma sensação curiosa”.
Mesmo com o pé direito desconectado de sua cabeça, nesta primeira volta Alonso conseguiu uma média de 219,495 mph (353,243 km/h). Na segunda, com aceleração total na curva 1, a média melhorou subindo para 219,503 mph (353,256 km/h). Nas 13 voltas restantes Alonso se manteve sempre acima das 219 mph, conseguindo 222,548 mph (358,156 km/h) em sua melhor volta.
Mario Andretti cumprimenta Alonso na pit lane
Indy vs. Fórmula 1
A participação de Alonso na Indy se transformou no grande evento automobilístico deste semestre não apenas por ser um bicampeão da F1 participando da lendária prova americana, mas também porque pela primeira vez desde os anos 1970 um piloto de Fórmula 1 em atividade foi liberado para participar da outra grande categoria de monopostos do planeta.
Isso porque durante o reinado de Bernie Ecclestone, o dirigente britânico fez o possível e o impossível para impedir qualquer tipo de comparação entre as categorias — incluindo cláusulas contratuais que proibiam um circuito de receber a Indy no mesmo traçado usado pela F1. Com a saída de Bernie Ecclestone e a chegada dos americanos da Liberty Media, a participação de Alonso foi facilitada e ele pôde até mesmo ficar a vontade para estabelecer paralelos entre as categorias na coletiva de imprensa desta tarde.
O treino começa a partir de 1:15:00, a entrevista começa em 3:35:00
Respondendo às várias perguntas sobre as semelhanças e diferenças entre as categorias, Alonso chegou a soar sutilmente provocativo à Fórmula 1:
São mundos muito diferentes em termos de condução. O carro está preparado para rodar apenas em ovais, com pouca carga aerodinâmica, com muito pouca resistência ao ar, andando sempre em grupos, aproveitando sempre os cones de ar do tráfego para melhorar seu tempo e sua posição. A Fórmula 1 é uma luta contra o cronômetro, uma luta consigo mesmo para buscar os limites do carro e do motor em condições perfeitas, não havendo nada que afete essa perfeição. São as maiores diferenças.”
Depois, questionado sobre a curva mais rápida da F1 e as diferenças de sensações entre ela e as curvas de Indianapolis, Alonso novamente pareceu tecer uma crítica à F1, desta vez de forma menos sutil:
Provavelmente é a 130R de Suzuka, que se faz a uns 320, 330 km/h. Não sei quanto é isso em milhas… é diferente. Na Fórmula 1 com a direção assistida e todos os auxílios parece mais fácil. Também tem o nível de downforce e a sofisticação do Fórmula 1 que te dão mais aderência, um carro mais previsível. Aqui tem mais rolagem… mais corrida mesmo. É definitivamente mais rápido e diferente. Mas no fim das contas todos nós começamos nos karts e acabamos sentido falta dessa sensação. Na Fórmula 1 temos tudo sob controle, cada milímetro, cada décimo de segundo. Aqui tudo depende mais do piloto”.
Nesse momento Alonso certamente deve ter lembrado dos ventos laterais que encontrou em determinado ponto do treino. Diferentemente da Fórmula 1, por ter menos influência aerodinâmica e velocidades de curva mais altas, os carros da Indy são mais afetados pelos ventos em espaços abertos como em Indianapolis. Como ele mesmo disse, são mundos diferentes. E considerando que Alonso voltou a sorrir ao sair de um carro, ele parece ter gostado muito desse novo mundo.