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Car Culture

As fabricantes de carros que não começaram fabricando carros

É surpreendente a quantidade de fabricantes de automóveis que também produzem outros itens de consumo. A história das salsichas Volkswagen (que também fabrica o ketchup para acompanhá-las), por exemplo, você até já leu aqui no FlatOut. E também deve lembrar da época em que televisores e vídeocassetes Mitsubishi eram comuns nas casas.

Algumas fabricantes, porém, devem toda a sua história a objetos completamente distintos dos carros. E sequer nos referimos a outros tipos de veículos – como o caso da Saab, que começou na aviação; ou a Lamborghini, que inicialmente fazia tratores. O tema aqui são fabricantes de carros que, antes deles, sequer ensaiavam entrar para o ramo do transporte pessoal, coletivo ou de carga.

 

Peugeot

Recentemente alguns entusiastas foram pegos de surpresa com a notícia de que a Peugeot pretende voltar a produzir motos. A verdade, porém, é que a Peugeot já fabricava motocicletas desde 1898, especializando-se principalmente em motos pequenas e scooters – sendo a mais antiga fabricante de scooters ainda em atividade no mundo. E mais: antes disto, em 1882, a Peugeot começou a fabricar bicicletas.

Acontece que nem mesmo as bicicletas foram o primeiro produto da Peugeot. Na verdade, a marca tem suas raízes na… culinária. Isto porque o primeiro produto da marca Peugeot foi uma linha de moedores de café, sal e pimenta, em 1842.

Não muito tempo depois, a Peugeot começou a fabricar armações para vestidos – as chamadas crinolinas. As varetas de metal empregadas em sua fabricação foram aproveitadas em 1882 nas bicicletas, e foi naquele ano que a Peogeot introduziu sua primeira penny farthing (aquelas bicicletas com uma roda dianteira enorme e uma roda traseira minúscula. Daí, a migração para as motocicletas foi natural, acontecendo em 1898 – quase simultaneamente aos carros.

Diferentemente das outras fabricantes desta lista, a Peugeot não deixou de fabricar os moedores – e até dá para comprá-los pela Internet no Brasil.

 

Chevrolet: cabeçotes para carros da Ford

Pois é, amigos. GM e Ford são rivais há várias décadas, sim. Mas uma das marcas do grupo – a Chevrolet, que possivelmente é a mais popular entre todas – também fornecia cabeçotes para os carros da Ford.

Estamos dobrando um pouco as regras aqui, afinal a Chevrolet foi fundada em 1911. Mas em 1916 os irmãos Arthur, Gaston e Louis Chevrolet decidiram abrir uma empresa para fornecer cabeçotes de alta performance para o Ford Modelo T. E, verdade seja dita: eram cabeçotes impressionantes para um carro popular dos anos 1910 – tinham comando duplo e quatro válvulas por cilindro. Com eles, a potência do Modelo T aumentava de 20 cv para 26 cv. Não parece muito, mas é quase um terço a mais.

De acordo com os catálogos da época, o cabeçote Frontenac foi testado nas 500 Milhas de Indianápolis – e o carro equipado com ele não só chegou ao fim da corrida, como obteve velocidade média de 140 km/h. Um foguete para os padrões da época.

A Frontenac também fabricava alguns carros de competição, é verdade, mas seu principal produto eram os cabeçotes Ford. A empresa existiu até 1921, quando foi absorvida pela Stutz e, em seguida, fechou as portas.

 

Suzuki, Yamaha e Honda

Entre as fabricantes que começaram fabricando produtos sem relação algumas com carros, a Suzuki certamente é uma das mais surpreendentes: a empresa japonesa começou produzindo teares para seda em 1909. Capiteneada por Michio Suzuki, a fabricante dedicou-se exclusivamente aos teares por mais de 30 anos – especialmente porque, em 1929, Michio Suzuki inventou e patenteou um novo tipo de tear, mais rápido e preciso, que foi exportado em grande quantidade para vários outros países.

A Suzuki poderia continuar muito bem, obrigado, apenas com os teares. Contudo, Michio Suzuki era um empreendedor e acreditava que sua firma só poderia se beneficiar com a diversificação de seus produtos. Após uma extensa pesquisa de mercado, chegou-se à conclusão de que um automóvel popular seria o produto ideal para dar início a esta diversificação.

O projeto teve início em 1937 com dois protótipos construídos em dois anos. O timing, contudo, não poderia ter sido pior – bem no início da Segunda Guerra Mundial. Pouco tempo depois o governo do Japão declarou os carros como “produtos não essenciais”, o que na prática impediu a Suzuki de seguir o desenvolvimento de seu primeiro carro. E, quando a Guerra acabou, não houve alternativa que não voltar a produzir teares.

Mas não por muito tempo: logo ficou claro que o Japão do pós-Guerra precisava de veículos baratos e simples para que a população voltasse a se locomover por conta própria. Assim, a Suzuki aproveitou para fabricar motores pequenos para bicicletas – o que, naturalmente, levou à fabricação de motos e, em última instância, a retomada no desenvolvimento dos carros.

O primeiro automóvel da Suzuki foi o Suzulight, de 1955 – um carro surpreendentemente moderno, com motor transversal, tração dianteira e suspensão independente. O motor era um dois-tempos de 359 cm³ e apenas 16 cv, suficiente para levar o pequeno sedã de duas portas até os 85 km/h. Era o suficiente, e o Suzulight foi bem sucedido – saiu de linha apenas em 1969, depois de 14 anos.

Vale mencionar que Honda e Yamaha tiveram trajetórias semelhantes. A Yamaha nunca produziu um automóvel em série, mas vale a menção por duas coisas: além de já ter feito motores para outras fabricantes de automóveis e criado alguns carros conceitos, a empresa iniciou suas atividades no ramo dos instrumentos musicais.

A empresa foi fundada em 1887 por Torakusu Yamaha e incorporada dez anos depois. Inicialmente produzindo pianos e órgãos, a Yamaha logo começou a fabricar outros instrumentos – e nunca deixou de fazê-lo, tanto que até hoje o emblema traz três diapasãos (objeto utilizado para afinar instrumentos) cruzados.

A Honda, por sua vez, começou em 1937, quando Soichiro Honda fundou sua própria empresa para fabricar anéis de pistão – que forneceu para a Toyota a partir de 1941. Assim como a Suzuki, a Honda também deu início ao desenvolvimento de veículos próprios no pós-Guerra.

As primeiras motos começaram a ser fabricadas em 1955 – e quatro anos depois, em 1959, a Honda já era a maior fabricante de motocicletas do planeta. Os carros não demoararam a chegar: já em 1963 o primeiro carro da Honda, o S500, foi lançado.

 

Toyota

Falando em Toyota, a fabricante japonesa também começou em outro ramo – e, exatamente como a Suzuki, seus primeiros produtos eram teares. Em 1924, Sakichi Toyoda inventou e patenteou o Toyoda G Model Automatic, cujo funcionamento era interrompido automaticamente quando qualquer problema era detectado – o que evitava acidentes e prejuízos com desperdício de materiais. Os teares ainda eram produzidos sob a marca Toyoda, com “d”.

Já em 1933 a Toyoda abriu sua divisão de veículos, iniciando o desenvolvimento de automóveis sob a direção do filho de Sakichi, Koiichi Toyoda. O primeiro carro de passageiros da marca foi o Toyoda A1.

O nome Toyota só viria a ser adotado em 1936, por insistência de Rizaburo Toyoda – que adotou o sobrenome após casar-se com a filha do fundador Sakichi Toyoda. Rizaburo preferia “Toyota” porque a palavra só precisa de oito pinceladas (8 é considerado o número da sorte no Japão) para ser escrito usando o alfabeto katakana; e também porque era um nome mais sonoro e marcante.

De fato a Toyota prosperou, mas não por sorte – ao longo das décadas, a fabricante construiu sua reputação baseada em custo-benefício, robustez mecânica e durabilidade. O Toyota Corolla é um dos carros mais vendidos do mundo, há uma porção de esportivos lendários em sua história, e a trajetória da Toyota no automobilismo é cheia de triunfos.

 

Mazda

Adorada pelos entusiastas graças ao divertidíssimo MX-5 Miata e ao fabuloso (e beberrão) motor Wankel, a Mazda tem sua origem em um material completamente distinto dos carros: a cortiça – material usado, principalmente, na fabricação de rolhas.

A Mazda foi fundada em 30 de janeiro 1920 como Toyo Cork Kogyo. A fábrica ficava na região de Hiroshima, onde é abundante a presença de sobreiros – a árvore cuja casca é a matéria prima da cortiça. Na época, a cortiça era utilizada principalmente na construção de navios e era um negócio lucrativo.

O fundador da empresa, Jujiro Matsuda, era engenheiro e foi responsável por uma série de inovações, incluindo um método mais rápido para fabricar placas de cortiça prensada. Gradativamente o foco da Toyo Cork Kogyo passou da cortiça às próprias máquinas industriais – o que levou a empresa a se chamar apenas Toyo Kogyo em 1927 (“Cork” significa “cortiça).

A produção de máquinas levou à criação do triciclo Mazda-Go, de 1931, que foi o primeiro veículo a utilizar o nome Mazda, contração do sobrenome Mitsuda que também refere-se à divindade Ahura Mazda, o Deus do Vento na religião persa do Zoroastrismo.

 

Hyundai

Símbolo do sucesso coreano na fabricação de automóveis, a Hyundai foi fundada em 1947 como uma empresa de construção civil – responsável por projetar e construir prédios, pontes, viadutos e estradas em países como Vietnã e Tailândia.

A expansão veio com incentivos do governo sul-coreano, o que possibilitou a fundação da Hyundai Motors em 1967. As divisões de aeronáutica e maquinário pesado foram fundadas pouco depois, na década de 1970.

Seu primeiro modelo foi um Ford – o Cortina, que era fabricado sob licença. Foi com o sucesso do Cortina que a Hyundai pode investir em um modelo próprio: o compacto Pony, de 1975. O Hyundai Pony foi o primeiro automóvel verdadeiramente sul coreano e tinha o inconfundível estilo de Giorgetto Giugiaro.