Em abril veio a notícia: o governo estava planejando um aumento no percentual de álcool anidro na gasolina. A justificativa inicial era equilibrar as perdas causadas pela seca que atrasou a safra da cana de açúcar e aumentou seu preço, mas na prática não era exatamente isso.
A real intenção, na verdade, tem a ver com metas de inflação, contas da Petrobras e balança comercial. Desde o começo do ano, a presidente da Petrobras, Graça Foster, vem pleiteando um reajuste do preço da gasolina. Atualmente o preço está congelado para conter o avanço da inflação além das metas estimadas pelo Ministério da Fazenda. A gasolina tem peso importante no índice de inflação e por isso a Petrobrás está comprando combustíveis pelo preço de mercado, mas vendendo gasolina por valores abaixo dos praticados do mercado internacional.
Com isso, a Petrobras já acumulou uma dívida estimada em US$ 130 bilhões no primeiro semestre deste ano. Por isso, o governo já sinalizou que irá reajustar o preço do combustível ainda neste ano. O problema é que, como vimos, o aumento necessário pode fazer a inflação subir além do limite estipulado pela Fazenda com a possibilidade do aumento de até 15% nas bombas até 2015.
Para agravar a situação, o preço o etanol combustível é vinculado ao do petróleo e esse congelamento do preço dos combustíveis afetou diretamente e significativamente o setor sucroalcooleiro, que depende do mercado para sobreviver — diferentemente de uma estatal.
As notícias do aumento do percentual do etanol e do reajuste da gasolina não se cruzavam diretamente até o início deste mês, quando a Câmara aprovou a Medida Provisória (MP) 647/2014 que prevê o aumento do percentual de 25% para 27,5%. A MP originalmente previa apenas o aumento da mistura de biodiesel no óleo diesel, mas acabou envolvendo também o aumento da proporção de álcool anidro na gasolina caso seja constatada a viabilidade técnica.
Os engenheiros dos fabricantes de automóveis já alertaram que, caso a mistura ultrapasse os 25%, o desempenho dos motores a gasolina será prejudicado, mas o parecer final sobre a viabilidade técnica será feito pelo Inmetro — que é um órgão estatal.
Em junho, dois meses antes da aprovação da MP pela Câmara dos Deputados, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou ao jornal Valor Econômico que o governo pretendia aumentar a mistura de etanol anidro na gasolina “o mais rápido possível”. A justificativa é que com isso o governo estará “prestigiando a indústria canavieira, a indústria do etanol; reduzindo a poluição, reduzindo a importação de gasolina, e ao mesmo tempo gerando mais emprego”.
Na prática, a intenção do aumento do índice de álcool anidro na gasolina tem tudo a ver com o reajuste necessário dos preços e o controle da inflação: o governo tem pressa porque precisa reduzir as importações de combustíveis, que aumentam os preços dos derivados de petróleo e prejudicam a balança comercial, e ao mesmo tempo evitar um reajuste muito elevado no preço da gasolina para o consumidor final, o preço nas bombas que afetaria significativamente a inflação.
A Petrobras passaria a praticar os preços do mercado internacional, porém esse aumento não seria tão sentido (no bolso) por que o litro de gasolina passaria a ter 275 ml de álcool em vez de 250 ml. Os carros flex nem sentiriam esta mudança, mas os carros mais antigos e os modelos importados sofreriam com esse aumento.
Segundo a Anfavea, com 27,5% de álcool anidro no tanque, o consumo será mais alto, a partida a frio será mais difícil, o motor pode engasgar em arrancadas e retomadas devido à mistura “empobrecida”. Até mesmo as emissões (que são uma preocupação do governo, segundo o discurso oficial) poderiam ser afetadas devido à redução da temperatura de operação do catalisador, além do aumento da emissão de óxido nitroso.
Como a proposta já foi aprovada pela Câmara, ela agora será submetida às comissões do Senado que avaliará a viabilidade econômica, a legalidade e, claro, a viabilidade técnica. Se a MP 647 for aprovada, o percentual da mistura poderá ser decretado por meio de portaria ministerial, e a gasolina passará a ter ainda mais álcool anidro do que os 22% para os quais os carros não-flexíveis em combustível foram calibrados.
[ Foto: Radar Nacional ]