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Best in Show: os vencedores do Encontro de Águas de Lindóia

Ao final da sexta-feira, depois de observar um a um os quase 1.000 carros inscritos no encontro, em dado momento durante a contemplação do céu avermelhado pelo sol, já escondido atrás das montanhas da Mantiqueira, comecei a pensar qual deles era meu favorito e qual seria eleito pelos jurados o melhor do evento — ou “Best of Show”, como é o nome oficial do prêmio.

Meus favoritos, pessoalmente, foram o Alfa Romeo Montreal, o Alfa Romeo Giulietta Sprint “Normale” e um Nova inspirado pelo Yenko Nova que me foi apresentado pelo Juliano. Mas eu não sou avaliador de clássicos, felizmente. Porque eu certamente cometeria uma grande injustiça, como mostra o resultado oficial do Encontro Brasileiro de Autos Antigos (EBAA) de Águas de Lindóia.

Minha aposta era o Alfa Romeo 6C 2500 Boneschi. Não era para menos: um Alfa Romeo à moda antiga, feito a mão, da era romântica da marca, com uma carroceria raríssima, que teve apenas três unidades e, das quais, restaram apenas duas. A simples existência do carro em 2022 é algo a se celebrar. Naquele estado, então…

Naquela mesma sexta, quando os carros foram avaliados, já havia rumores sobre os potenciais — não por vazamentos, claro, mas por que os colecionadores experientes sabem quando estão diante de um potencial vencedor. O EBAA concede três prêmios “Best In Show”: um para carros pré-Guerra (até 1938), outro para carros pós-guerra (1945 em diante) e outro para modelos nacionais.

 

Best in Show Pré-Guerra – Cord 812 Sedan 1936

O prêmio Best In Show 2022 pré-Guerra ficou com o Cord 810 1936. O modelo é raro mesmo lá fora: foram feitos apenas 1.117 exemplares em 1936 e outro tanto destes em 1937, seus dois únicos anos de produção. Houve ainda um protótipo de 1938, mas a produção dos modelos Cord foi encerrada naquele mesmo ano.

Infelizmente a história dos carros pré-Guerra está se perdendo à medida em que seus guardiães nos deixam sem deixar sucessores. Preservar a história, contudo, é uma missão importante para todos nós, entusiastas de 2022 — esse bastão está conosco e não adianta reclamar do suposto desinteresse das novas gerações por carros se não assumirmos a responsabilidade por torná-los interessantes.

E interessante é algo que o Cord 810 é, sem dúvida alguma. Pense em um carro de 1936, e você certamente irá imaginar um Ford V8 tipo aquele usado por Bonnie e Clyde, ou então algo como um Citroën Traction Avant: um carro com o radiador imenso na dianteira e uma cabine retangular recuada. Ao lado da grade, dividindo o domínio da dianteira, estarão os faróis imensos e pouco eficientes. O desperdício de energia também estará na transferência do movimento do motor para o eixo traseiro por meio de um pesado cardã.

O Cord não tem nada disso. Seus para-lamas até se assemelham a asas (daí o nome “wings”, para os para-lamas desses carros), mas ele não tem uma grade destacada como seus contemporâneos. A ideia era favorecer o vento, então seu projetista, Gordon M. Buehrig, pensou em colocar o motor selado no cofre. É claro que a ideia não funcionou, porque a máquina precisava de arrefecimento. E foi assim que nasceu aquela grade integrada ao cofre que os Cord têm.

Outra novidade, esta compartilhada com o Citroën Traction Avant: sua construção integrava o chassi à carroceria, formando um… monobloco. Isso deu ao Cord uma dirigibilidade moderna, superior a qualquer carro da época — até mesmo aos Duesenberg, seus irmãos mais chiques. O motor era dianteiro como a de quase todos os carros da época, mas em vez de se ligar às rodas traseiras, a transmissão era feita para o eixo dianteiro. E como se não bastasse, ele ainda tinha faróis ocultos na carroceria — os primeiros da história. Por que incomodar o vento durante o dia?

No lado de dentro o que se vê é uma cabine como a dos carros da época: dois verdadeiros sofás, um atrás do outro, com tecidos naturais elegantes e refinados. A decoração da cabine usava mais tecido e metal, com elementos de baquelite, o plástico mais comum da época.

O detalhe mais conhecido deste carro estava lá dentro, também: seu seletor de marchas. Uma pequena alavanca operada manualmente por meio de uma argola, que desliza em uma grelha tipo H. O motorista move o delicado seletor para selecionar a marcha, pisa na embreagem, e a troca acontece. Soa como um “Tiptronic”, não? Imagine isso há 86 anos.

Imagine também um carro com todas estas características e que, além de tudo, era suspenso por braços arrastados independentes na dianteira e movido por um V8 de válvulas laterais de 4,75 litros e 125 cv — isso sem o supercharger, que elevava a potência para 170 cv.

O exemplar vitorioso, segundo apuramos, passou por uma restauração recente e, com isso, faturou o troféu de “Best in Show” 2022 Pré-Guerra.

 

Best In Show Pós-Guerra – Plymouth Superbird 1970

Dos modelos do pós-Guerra, o vencedor foi um carro relativamente jovem e até dissonante do vencedor típico dos concursos de antigos. Isso, porque ele não é um carro dos anos 1940, 1950 ou 1960, e sim um ícone dos anos 1970. E ele também não é um europeu, mas um americano “blue collar”: o Plymouth Superbird.

Esta deve ter sido uma decisão difícil, uma vez que o espaço dos Alfa Romeo tinha ao menos três carros raros e dignos de premiação — caso do Alfa Romeo Giulia GTC, o Giulietta Sprint Speciale e, claro, o Boneschi. Mas consideremos também o fato de que o Superbird, faça as contas, é um carro de… 52 anos.

Sim: cinquenta e dois anos. Mais de meio século separam a construção deste muscle car aerodinâmico dos dias de hoje. E sendo um carro tão raro, tão icônico, tão bem preservado e tão antigo, é natural que ele seja agraciado com o prêmio.

O Plymouth Superbird foi apresentado em 1970 depois do sucesso do Charger Daytona. A fabricante havia perdido Richard Petty, o lendário piloto da Nascar que, insatisfeito com o desempenho do Plymouth Road Runner, migrou para a Ford em 1969. Foi uma punhalada nas costas da companhia. Talvez se eles tivessem sua própria versão do Charger Daytona, Petty voltasse. Foi o que aconteceu.

O Superbird, que recebeu este nome por sua associação ao papa-léguas (Road Runner), era mais refinado em termos de acabamento e design do que o Charger Daytona, mas a ideia era a mesma. Sua asa traseira também era maior e ligeiramente mais inclinada. Os dois carros não eram idênticos, mas eram relacionados.

O Plymouth Superbird também podia ser equipado com o Magnum 440 ou o Hemi 426 – neste caso, alimentado por dois carburadores AFB de corpo quádruplo e capacidade para entregar ao menos 430 cv. Ele também prometia repetir o desempenho do Charger Daytona, o que levou Richard Petty a aceitar o pedido e voltar à Plymouth. Seu Superbird azul de nº 43 fez história, vencendo nada menos que dezoito provas em 1970.

O modelo exposto em Lindóia, de Juliano Gonçalves, é um modelo 1970 equipado com o motor Magnum 440, como você pode ver na tampa do filtro de ar. O modelo de rua tinha diferenças em relação ao modelo de pista, claro. Uma delas são os faróis escamoteáveis, que não existiam no carro de corrida.

Outra é a altura da asa traseira, que é mais elevada nos carros de rua porque eles precisam abrir o porta-malas, algo desnecessário em um carro de corridas. Além disso, apesar de não ser possível ver nas fotos, os respiros das caixas de rodas aplicados sobre os para-lamas são falsos na versão de rua — eles só estavam ali pois precisavam estar para ser homologados e usados nas pistas.

 

Best in Show Nacional – Alfa Romeo Fúria GT 1971

Se você achava que o Alfa Romeo Boneschi e seus dois exemplares sobreviventes eram raros, ali mesmo no centro da praça, no espaço Alfa Romeo, estava um derivado da marca italiana ainda mais raro: o Fúria GT. O modelo é considerado um fora-de-série por acaso: ele foi projetado para ser produzido em série, mas acabou se tornando um exemplar único depois que os planos de produzi-lo em maior volume foram cancelados.

O carro é um projeto do lendário Toni Bianco. Usando como ponto de partida o chassi do Alfa Romeo/FNM  2150, Bianco encurtou o entre-eixos para 2.500 mm, o mesmo do Alfa Romeo Spider e construiu uma carroceria de metal com as próprias mãos, como praticamente tudo o que fez na carreira. Foram nove meses de martelo para construí-la. A intenção não era fazer carrocerias artesanais, evidentemente. A produção seriada da FNM usaria a carroceria de metal como matriz para os moldes que fariam as carrocerias de fibra de vidro — o que também deixaria o carro mais leve e agilizaria o volume de produção.

O carro era uma empreitada não apenas de Bianco, mas também de um dos executivos da FNM, Vittorio Massari — daí a intenção de produzi-lo em série pela própria FNM. O próprio Bianco disse à revista Quatro Rodas que fez quatro carrocerias do Fúria GT, mas por alguma razão o interesse da FNM em produzi-lo desapareceu e o carro nunca teve um segundo exemplar.

Por dentro, ele tem o estilo retilíneo da carroceria, que é razoavelmente avançada, e tem até algo de Giugiaro na silhueta, que também lembra a do Lamborghini Jarama, lançado um ano antes da criação do Fúria. A cabine combina os instrumentos da FNM, volante dos FNM nacionais, porém os bancos do Alfa Romeo Giulia “prima série”, com formato de concha e ajuste de encosto de cabeça — um espetáculo do design italiano.

O modelo, que é equipado com o mesmo motor de 2.150 cm³ dos FNM da época, porém com maior taxa de compressão e carburação dupla para chegar aos 130 cv, foi repintado de cinza prateado pela própria FNM (era originalmente vermelho) e acabou comprado batido há mais de 20 anos.

Seu último proprietário foi o colecionador Fábio Steinbruch, que morreu há 10 anos em um acidente de moto e foi o homenageado pelo evento deste ano. Sua coleção, batizada Automóveis do Brasil, hoje pertence ao seu irmão Leo Steinbruch.