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Big Rigs: Over the Road Racing – o pior jogo de corrida de todos os tempos

Há alguns meses falei aqui no FlatOut sobre Desert Bus, um dos piores jogos de corrida já feitos. Quer dizer, tecnicamente Desert Bus não era um game de corrida, mas um simulador de direção. E foi criado por uma dupla de humoristas para ser propositalmente terrível e irritante. Então, de certo modo, é trapaça.

Acontece que existe um game de corrida, lançados no início dos anos 2000, que realmente merece o título de pior da história. Seu nome é Big Rigs: Over the Road Racing. Criado pela desenvolvedora Stellar Stone e lançados para Windows em novembro de 2003, Big Rigs era uma belíssima porcaria.

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Para entender o motivo, vamos pensar no que um bom jogo de corrida precisa ter: uma boa seleção de veículos, física divertida (seja um simulador ou arcade), gráficos bonitos (não precisam ser realistas), variedade de pistas e a sensação de dever cumprido que se tem ao vencer uma corrida. Isto é o básico. Claro, depois existem os detalhes – algum modo de jogo criativo, uma trilha sonora bacana (pode ser original ou licenciada) e um bom fator replay, ou seja, algo que te faça voltar ao game muitas vezes.

E, evidentemente, Big Rigs não tinha nada disso – e ainda mentia a respeito na capa e nos releases da época.

Oficialmente, a desenvolvedora de Big Rigs era a californiana Stellar Stone. Contudo, na prática, a empresa terceirizava a criação da maior parte de seus títulos para estúdios pequenos no Leste Europeu, de países como a Rússia e a Ucrânia. O que pode ajudar a explicar os motivos para que um jogo tão mal feitos tenha sido lançado.

Mas afinal, qual era o problema dele? Bem, vamos por partes.

Big Rigs era vendido como um game de corrida com perseguições policiais. A descrição na caixa prometia coisas bem interessantes:

Do deserto às planícies, você vai levar cargas e tentar se manter sempre um passo à frente da lei enquanto sobe no seu caminhão em busca de ação ininterrupta. Acelere pelos Estados Unidos e entregue sua encomenda ao destino antes de seu rival. Então mantenha o tanque cheio e o pé no porão para acumular pontos e ser O DONO da estrada!!!

A caixa também dizia que você tinha quatro caminhões à disposição, “milhares” de quilômetros e três níveis de dificuldade – além de um bloqueio na estrada que, segundo o texto, deveria ser seu maior desafio.

Honestamente, até que não soava mal. Mas, fora os quatro caminhões para escolher, mais nada estava presente no jogo. Nada de cargas ilegais. Nada de perseguições policiais. Nem mesmo os screenshots na parte de trás da embalagem eram reais – aquelas cenas simplesmente não existiam no jogo.

A ausência da maior parte dos elementos descritos pelos desenvolvedores, porém, sequer era a pior coisa em Big Rigs. O problema é que o jogo simplesmente não funcionava – absolutamente nenhum aspecto permitia uma partida divertida e saudável.

Havia cinco rotas disponíveis, mas se você escolhesse especificamente a quarta rota, o game travava e você precisava fechar tudo, depois abrir novamente. Nas outras quatro rotas que funcionavam, porém, as coisas não eram muito melhores.

Para começar, o seu oponente simplesmente não se movia depois da largada: ele ficava lá parado – o que, de cara, tornava impossível perder. Você só precisava, então, seguir o traçado e passar por checkpoints antes de o cronômetro zerar. Acontece que, uma vez que o cronômetro zerava… você podia continuar jogando – a corrida não acabava, você não perdia, e a partida só era encerrada quando você ficava de saco cheio e dava o restart por conta própria.

“Ao menos você tinha de seguir a rota certa, não é?”, talvez você pergunte. Não, não tinha. O jogo não tinha um sistema de colisão, e a única coisa detectável pelo caminhão era o relevo do piso. Todo o restante do cenário – prédios, pontes, árvores, rios, outros veículos – podia ser atravessado pelo caminhão como se simplesmente não existisse.

De qualquer forma, o relevo não tinha influência alguma na aceleração do caminhão: não importava se estivesse em uma descida, no plano, ou escalando uma montanha: seu caminhão jamais perdia velocidade. E, para ajudar, os gráficos eram fracos mesmo para a época: formas sem definição, texturas feias, e cenários repetitivos e pouco memoráveis. A interface também era ridícula, com um enorme velocímetro que tomava quase 1/4 da tela, e números que saíam dos limites de suas molduras.

Pouco tempo depois do lançamento, um patch foi disponibilizado para resolver a questão do oponente imóvel. Não adiantou muito: com o patch, o outro caminhão até andava, mas parava logo antes da linha de chegada – ou seja, ainda era impossível perder.

Não que sua vitória dependesse totalmente de ser o primeiro a chegar. Na verdade, o game era tão cheio de bugs que era possível vencer fazendo praticamente qualquer coisa. Em um game sem o patch, havia vezes em que você vencia instantaneamente ao apertar a barra de espaço, ou mesmo sem fazer nada: a vitória vinha logo após a largada.

Caso você conseguisse começar a corrida sem uma vitória indesejada, ainda era possível “quebrar” o jogo de outras formas. Uma das maneiras mais insanas de fazê-lo era andar de ré – pelo simples fato de não haver um limitador de velocidade quando o caminhão se movia para trás. Não, senhor: em marcha à ré, o caminhão só vai acelerando até chegar a incríveis 1,97×1036 km/h – 19,7 undecilhões de quilômetros por hora. Isto é 1028 vezes a velocidade da luz, e suficiente atravessar todo o universo observável em 160 picosegundos (0,000000000016 segundo). Esta velocidade levava 50 minutos para ser atingida – e durante todo o tempo o motor fazia um barulho agonizante, como se estivesse girando a centenas de milhares rpm. Depois disto, todos os checkpoints ficavam verdes e você vencia (caso o game não sofresse um crash antes disto), não importava a quantos universos de distância você estivesse do trajeto “correto”. E dava para chegar longe: como o game não tinha barreiras físicas, era possível seguir no limbo indefinidamente.

Se tiver coragem, você pode conferir o teste de velocidade máxima feito por um youtuber que provavelmente não tinha nada mais interessante para fazer em 50 minutos…

O vídeo teve o som removido, mas você não perde nada: fora o ronco extremamente genérico, irritante até, o game não tem outros sons. Existem arquivos em mp3 da trilha sonora no CD do game, mas eles simplesmente não foram programados para tocar durante o gameplay. E, ironicamente, as músicas tinham tudo para ser a única coisa capaz de salvar Big Rigs: elas são bem legais, com aquela atmosfera eletrônica do início dos anos 2000 que ficou bem popular com Need for Speed, por exemplo.

A cada vitória, merecida ou não, você era recompensado com uma tela que dizia “YOU’RE WINNER!” – o que, traduzido, é algo como “VOCÊ É VENCEDOR!”. Ao menos isto foi corrigido com o patch…

Obviamente, na época do lançamento Big Rigs teve uma recepção extremamente negativa. Público e imprensa se perguntavam como um game tão ruim e claramente inacabado havia chegado às lojas. Pubicações como Electronic Gaming MonthlyPC GamerGamespot foram unânimes em colocar Big Rigs entre os piores jogos já feitos – e o review desta última, assinado por Alex Navarro, fez história ao receber a pior nota já dada a um game pelo site: 1/10. Navarro concluía dizendo que “Big Rigs é tão ruim quanto a mente humana pode compreender.”

No agregador de reviews MetacriticBig Rigs tem nota 8/100 com base em cinco avaliações da crítica – a mais baixa entre todos os games para PC lançados na história. É o mais próximo que se pode chegar de uma confirmação oficial de que Big Rigs é não apenas o pior jogo de corrida da história, mas o pior game de todos os tempos entre todos os gêneros.

Talvez o mais incrível disto tudo é que Big Rigs ganhou um spin-off chamado Midnight Race Club: Supercharged. Lançado em janeiro de 2004, o game era em essência exatamente o mesmo que Big Rigs, porém com carros “tunados” em vez de caminhões.

Nem precisamos dizer que Midnight Race Club foi tão bem recebido quanto Big Rigs.

Mas, afinal, por que estes dois jogos foram lançados deste jeito? A verdade é que ninguém sabe – nem mesmo o indivíduo que é creditado como criador e programador de ambos, Sergey Titov. Ele foi o criador da engine do jogo e, em entrevista ao site You’re Winner, dedicado exclusivamente (e ironicamente) a Big Rigs, compartilhou seu lado da história.

Titov diz que, na realidade, ele vendeu os direitos de uso de sua engine à Stellar Stone em troca de se tornar acionista majoritário da empresa – o que seria uma boa forma de dar o start em sua carreira de desenvolvedor de jogos. Fora o uso de sua engine, Big Rigs foi feito sem o envolvimento de Titov por uma equipe ucraniana, e lançado pela publisher GameMill em estado pré-alfa. Basicamente o game não estava pronto, longe disso, quando foi lançado (e distribuído exclusivamente pela rede do WalMart).

Fora o fato de ser creditado como criador de um game tão horrível, Titov não se incomodou muito. Na verdade ele se divertiu bastante com a história, e até ofereceu aos compradores a possibilidade de trocá-lo por algum outro game de sua escolha – era só enviar a ele o disco do jogo e a nota de compra. Das mais de 20.000 pessoas que compraram Big Rigs no Wal-Mart, apenas 20 resolveram trocá-lo.

O restante, aparentemente, resolveu ficar com aquele que se tornaria um marco na história dos jogos ruins. Ou esqueceu o jogo largado em uma gaveta, como aqueles antigos CDs de provedores de Internet que vinham como brindes em revistas – que eventualmente foram parar no lixo.