O mercado estabeleceu como uma verdade incontestável que a conta que todo dono de flex deve fazer para abastecer o tanque é a dos 70%. Em outras palavras, se o litro do etanol custar até 70% do que é cobrado pelo da gasolina, é melhor abastecer com o produto da cana. Isso porque o litro do etanol teria apenas 70% da energia de um litro de gasolina.
Mas não é bem assim, como já alertamos no ano passado, baseados em um levantamento da Ecofrotas. Pelo estudo da empresa, o rendimento do etanol poderia chegar a 79,52% do obtido com gasolina. Resolvemos ir mais a fundo na questão com a ajuda do Conpet, o Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular, e mostramos que as diferenças exigem uma análise caso a caso para os flex que fazem parte do programa.
Antes, vale uma ressalva importante. A GM vem resistindo a participar do Conpet e nenhum de seus modelos aparece no levantamento governamental. Nem mesmo a S10 e seu motor de injeção direta, importado dos EUA, ou o Cruze, com o 1.8 Ecotec. Isso talvez se deva ao fato de o maior volume de motores da empresa ser de unidades bastante ultrapassadas, como os 1.0, 1.4 e 1.8 da Família 1.
O pessoal da engenharia da empresa faz milagres com eles até a chegada de uma linha verdadeiramente nova de motores, já anunciada pela GM. Mas os motores da marca costumavam obter excelente rendimento com etanol, chegando a mais de 80%. Infelizmente, como eles não fazem parte do Conpet, também não entram em nosso levantamento.
Diante disso, o motor de melhor rendimento com etanol à venda no Brasil é o Kia Soul. Seu 1.6 16V rende com o combustível vegetal 75% do que obtém com gasolina em circuito rodoviário. Em outras palavras, se o litro do combustível custar até 75% do derivado de petróleo, compensa abastecer com ele o modelo coreano.
Quando falamos em percurso urbano, o motor que mais rende continuaria a ser este 1.6 16V, mas no Hyundai i30. Isso quando o modelo ainda era oferecido com essa opção de motorização. Considerada fraca e cara, ela deu lugar à com motor 1.8, que ainda não foi avaliado pelo programa do governo. Seja como for, o i30 1.6 chegava a um rendimento de 73,1% em percurso urbano.
A diferença é pequena, o que invalida a conta. Os críticos de plantão até poderiam desconsiderar os pontos percentuais, mas seriam afetados por um prejuízo razoável se fossem donos de um Citroën C3 1.5 Origine, que claramente prefere gasolina. Ele é o modelo inscrito no Conpet que lida pior com etanol, em qualquer ciclo: rende apenas 63% do que roda com o combustível fóssil. Isso no urbano. No rodoviário, a coisa melhora um pouquinho: 63,3%.
Veja abaixo os dados tabulados dos consumos dos carros que fazem parte do Conpet. Na cidade e na estrada, cada um em sua planilha:
Quer uma demonstração prática da diferença que isso representa? Vamos lá.
A média de quilometragem do motorista brasileiro, segundo o GiPA (Grupo Inter Profissional Automotivo), especialista no mercado de pós-venda, a média de quilometragem do motorista brasileiro em 2014 foi de 12.755 km. Deste montante, calcula-se que 70% é em percurso urbano e os 30% em rodoviário. Em outras palavras, 8.929 km nas cidades e 3.826 km em estradas.
Agora, vamos considerar o levantamento de preços mensal mais recente feito pela ANP (Agência Nacional do Petróleo), já incluindo o mês de julho. O Estado com preços mais vantajosos para o etanol seria o Mato Grosso, onde o litro estaria por cerca de R$ 2,16. Como o da gasolina é vendido a R$ 3,45, a relação de preço entre eles é de 62,6%.
O Kia Soul faz, com o combustível vegetal, 6,7 km/l na cidade e 8,4 km/l na estrada. Com gasolina, roda 8,4 km/l em circuito urbano e 11,2 km/l em rodoviário. Levando a média do GiPA em consideração, ele precisaria de 1.332,7 litros de etanol para fazer os 8.929 km urbanos e 455,5 para os 3.826 km rodoviários. Isso representaria um montante de 1.788,2 litros no ano, ou um gasto de R$ 3.862,43 no Mato Grosso.
Se seu motorista preferisse a gasolina, com seu consumo urbano de 9,4 km/l e rodoviário de 11,2 km/l, ele gastaria respectivamente 949,9 litros e 341,6 litros, um total de 1.291,5 litros no ano. E um gasto de R$ 4.455,68 no mesmo Estado, ou R$ 593,25 a mais do que se tivesse usado etanol. Lembre-se destes números.
O consumo do Citroën C3 1.5 com o combustível de cana, por sua vez, é de 7,5 km/l na cidade e de 9,3 km/l na estrada, segundo o Conpet. Com gasolina, é de 11,9 km/l e 14,7 km/l, respectivamente. Na ponta do lápis, ele gastará 1.190,5 litros em circuito urbano e 411,4 l no rodoviário, um total de 1.601,9 litros em um ano.
Isso, no Mato Grosso, representará uma despesa de R$ 3.460,17. Com gasolina, o C3 consumirá respectivamente 750,3 litros e 260,3 litros, um total de 1.010,6 litros, que equivalem a um gasto de R$ 3.486,60, ou apenas R$ 26,43 a menos que com etanol. Por ano. No Estado com a melhor relação de preço entre os dois combustíveis.
Mato Grosso do Sul é o Estado com a proporção de preço mais próxima dos clássicos 70%, mas ainda abaixo do limite. Lá, o litro do etanol sai por 68,4% do que custa um de gasolina. Seria praticamente um empate, mas o Kia Soul consegue, ainda assim, uma economia anual de R$ 199,83, ou 94,3 litros a mais de etanol, quase dois tanque do C3, que é de 55 litros.
Por lá, é o C3 que deveria se sair bem, pela conta tradicional. Afinal, está abaixo dos populares 70%, mas, no Mato Grosso do Sul, ele daria um prejuízo anual de R$ 273,71 se fosse abastecido com o combustível vegetal. Percebeu como a conta tem de ser feita caso a caso?
Mais até do que se basear no consumo informado para seu veículo, seja pelo fabricante, por alguma publicação ou mesmo pelo Conpet, o ideal é que você faça os cálculos do consumo do seu carro quando você o dirige. Seu estilo de direção pode fazer com que ele apresente números piores ou até melhores do que os oficiais. Eis aí mais uma chance de conhecer bem a máquina que você dirige, até para fugir, de uma forma analítica, do esforço de nos desconectar dos automóveis.
Para ajudá-lo, preparamos a calculadora abaixo. Você só precisa preencher o consumo de seu carro com etanol, com gasolina e o valor do litro desta última. Os parâmetros que constam nos campos assinalados são os do Kia Soul, com o preço da gasolina em São Paulo, mas você pode mudá-los para fazer as contas que quiser. Nossa calculadora dará a você até quanto vale a pena pagar pelo combustível de cana. Lembre-se apenas de não comparar alhos com bugalhos, ou seja, faça sempre a média de consumo dos dois combustíveis no mesmo tipo de circuito: ou urbano ou rodoviário. Bom proveito!