o ano era 1992 e o local era um pequeno recorte de terra de 2 km² espremidos entre os alpes maritimos e o mar mediterraneo mais conhecido como principado de monaco a mclaren havia conquistado os titulos de construtores e pilotos na temporada anterior mas ate aquele final de maio os melhores resultados da equipe haviam sido dois terceiros lugares de ayrton senna e dois quartos e um quinto lugar de gerhard berger com tres abandonos do brasileiro mais dois do austriaco e oito pontos de cada a equipe britanica estava em terceiro lugar na classificaçao porem com uma diferença de 58 pontos para a lider williams os treinos de classificaçao para o gp de domingo nao foram muito melhores senna ficou fora da pole position pela primeira vez desde 1988 e largou na segunda fila berger bateu na barreira de proteçao quando fazia o quarto melhor tempo e sem carro para continuar o treino acabou classificado na quinta posiçao depois que jean alesi baixou seu tempo em 1 40 no domingo o grid de largada tinha mansell e patrese na primeira fila senna e alesi na segunda e berger e schumacher na terceira na primeira volta senna atacou patrese na st devote e tomou a segunda posiçao do italiano enquanto berger perdia sua quinta posiçao para schumacher a corrida como sempre em monaco se manteve sem grandes sustos ate a volta 60 quando michele alboreto cometeu um erro e rodou em frente a senna o brasileiro perdeu 10 segundos com a frenagem emergencial e o desvio mas logo voltou a recuperar o tempo perdido enquanto isso mansell abria a liderança na 70ª das 78 voltas aconteceu o improvavel uma porca solta em uma das rodas de mansell obrigou o britanico a entrar nos boxes senna assumiu a ponta e abriu uma vantagem de 5 2 segundos mas em apenas duas voltas mansell ja havia tirado 3 3 segundos da diferença e finalmente colou na mclaren de senna na volta seguinte mas como diz o famoso locutor chegar e uma coisa passar e outra especialmente em monaco sem brechas mansell nao conseguiu o ataque e senna conquistou sua quinta vitoria em monaco igualando o recorde de graham hill e recolocando a mclaren na vice liderança do campeonato talvez por isso o acontecimento mais importante para a equipe naquele final de semana tenha ficado em segundo plano a ponto de acabar quase como uma nota de rodape na historia antes mesmo do inicio das atividades para o grand prix na noite da quinta feira 28 de maio a mclaren organizara um evento especial no monte carlo sporting club para apresentar seu mais novo carro o mclaren f1 o saguao do aeroporto de linate em milao fervilhava com a ressaca do gp da italia o voo privado da mclaren para o reino unido estava atrasado prendendo ron dennis mansour ojjeh o magnata da tag creighton brown e gordon murray em um limbo de espera o que começou como uma troca de banalidades evoluiu para uma autopsia tecnica brutal dos supercarros contemporaneos estamos em setembro de 1988 murray recem chegado da brabham e ainda se adaptando a cultura corporativa de woking estava desiludido ele havia passado a semana anterior avaliando a ferrari f40 em um teste comparativo nao oficial e voltara horrorizado para murray a f40 — o poster de parede de toda uma geraçao — era um exercicio de masoquismo ele descreveu aos chefes como os paineis de porta de fibra vibravam como a cola estrutural verde aparecia nas juntas mal acabadas e pior como a ergonomia era uma tortura medieval o chassi tubular da ferrari forçava os pedais para o centro do carro devido a invasao da caixa de roda obrigando o piloto a dirigir com a coluna torcida o porsche 959 a outra referencia da epoca foi descartado por murray como um tanque tecnologico impressionante mas pesado complexo demais e com uma desconexao digital entre o volante e o asfalto ali sob as luzes fluorescentes de linate murray propos aos socios da mclaren o antidoto um carro sem turbos sem direçao assistida sem freios abs sem controle de traçao a antitese eletronica dennis vislumbrando a chance de transformar a mclaren de uma equipe de corrida em uma manufatura de elite deu o sinal verde para o que ele chamou de o fim de todas as discussoes murray sempre fora um projetista inovador nos anos 1970 foi ideia dele usar um exaustor na traseira do brabham bt46b para aumentar a downforce inspirado no chaparral 2j dos anos 1960 nos anos 1980 ele foi o co autor de varios dos desenvolvimentos da brabham junto de nelson piquet como a adoçao dos aquecedores de pneus e a estrategia de pit stops — foi o responsavel pelo bt 52 o primeiro formula 1 turbo a ganhar um titulo mundial e mais tarde criou o layout basico do mclaren mp4/4 com o deck traseiro baixo para manter intocado o fluxo de ar na asa traseira se ele nao fazia carros de corrida como todo mundo por que faria um supercarro igual ao de todo mundo sua principal motivaçao foi a busca pelo carro perfeito para murray nenhum supercarro era bom de verdade como automovel eles tinham aquele desempenho superlativo visual ousado e atraente mas eram desconfortaveis eram pouco espaçosos e a ergonomia era terrivel em sua concepçao um bom carro poderia leva lo ate o supermercado e depois poderia ser capaz de pegar a estrada ate o sul da frança com o maximo de conforto possivel o dia zero no escritorio de guildford nao teve computadores cray ou tuneis de vento teve gordon murray uma lapiseira 0 5mm e um bloco de notas pautado as primeiras semanas foram dedicadas a resoluçao de um quebra cabeça fisico que atormentava a engenharia desde os anos 60 como criar um carro de motor central compacto sem destruir o espaço para os ocupantes os esboços iniciais rabiscados freneticamente mostram a rejeiçao sistematica do layout de dois lugares lado a lado murray sabia que para manter a largura do carro contida ele queria algo menor que um honda civic da epoca em area de projeçao o motorista e o passageiro acabariam esfregando os ombros ou teriam os pes desviados pelas caixas de roda a soluçao arrowhead ponta de flecha — o piloto centralizado e dois passageiros recuados nas laterais — nao foi um capricho estetico para simular um formula foi a unica saida geometrica possivel para zerar o offset dos pedais ao colocar o piloto no centro murray alinhou a coluna de direçao os pedais e o assento em um eixo perfeito mas isso criou um pesadelo de acesso as primeiras maquetes de arame e espuma construidas na garagem da casa de murray antes mesmo de chegarem a fabrica revelaram que entrar no carro exigiria remover parte do teto assim nasceram as portas diedricas que levavam consigo uma porçao do teto e da soleira nao por estilo mas para permitir que o motorista caminhasse ate o centro do cockpit sem contorcionismos indignos o f1 nasceu com tres objetivos o primeiro era resolver os problemas inerentes a maioria dos supercarros posiçao de dirigir ruim falta de visibilidade pedais terrivelmente deslocados nenhum espaço para levar suas coisas na cabine pouco espaço para bagagem e falta de um sistema de audio ou de um ar condicionado decente o segundo era otimizar a experiencia do motorista a mim parecia que o design dos supercarros era ditado pelos numeros de desempenho enquanto a construçao de um carro bom de verdade e muito mais emocional do que dados de desempenho no painel sabiamos que o f1 seria rapido porque ele seria pequeno e leve mas nao nos prendemos a isso minhas anotaçoes originais pediam um v10 ou um v12 com cerca de 450 cv; foi somente quando meu amigo paul rosche o expert dos motores bmw propos um v12 compacto de seis litros que soubermos que ele seria tao rapido quanto se tornou o terceiro objetivo era fazer a posiçao de pilotagem mais centralizada possivel — para dar aos proprietarios a melhor experiencia de conduçao possivel o layout do f1 permitiu que nos concentrassemos totalmente no posicionamento e no conforto do motorista e deu certo descobrimos que era possivel mover o motorista cerca de 30 cm para a frente e dar a ele um capo bastante baixo que resultasse em uma visibilidade excelente tambem seria possivel esconder no bico do carro todos os componentes avulsos — reservatorio do lavador do para brisa sistema de ventilaçao e ate dutos de ventilaçao — o que resultaria em um cockpit puro com estilo de jato de caça algo que os proprietarios adoram viamos o lamborghini countach e o jaguar xj220 e sabiamos que nao era nada daquilo o que queriamos a revoluçao do mclaren f1 portanto começou com o desapego as regras tradicionais dos supercarros foi tentando fazer algo completamente diferente que gordon murray acabou criando aquele que talvez seja o melhor supercarro da historia ao colocar o motorista em posiçao central alem de transportar a sensaçao de envolvimento dos monopostos murray resolveu o problema dos pedais deslocados em relaçao ao volante e ainda liberou espaço para que fossem instalados outros dois bancos mais recuados criando um supercarro que poderia levar outros dois passageiros e nao apenas um como todos os seus rivais o acerto da suspensao foi descoberto quase por acaso por murray em uma visita a honda para conhecer um novo centro de pesquisa e desenvolvimento da marca onde seriam feitos os motores de formula 1 para a mclaren nesta viagem murray topou com um prototipo do nsx que se tornaria o primeiro supercarro da marca japonesa e ao dirigi lo encontrou uma suspensao esportiva diferente de tudo o que havia visto ate entao ele nao conseguiu um v10 honda para seu supercarro como planejava mas encontrou no nsx o tipo de o acerto ideal para a suspensao para o f1 como ele proprio contaria mais tarde coincidentemente vi um prototipo do nsx estacionado perto da pista tambem descobri que na epoca ayrton estava auxiliando no desenvolvimento do nsx e que o esportivo de motor central traseiro da honda era o supercarro amigavel que estavamos procurando aquele carro tinha um ar condicionado perfeito e funcional um porta malas razoavelmente espaçoso e claro era um honda com o alto nivel de qualidade e confiabilidade que isso significa depois tive a oportunidade de dirigi lo ao lado de ron dennis presidente da mclaren e mansour ojjeh acionista majoritario do grupo tag mclaren pilotamos o prototipo no campo de testes do centro de pesquisa de tochigi lembro de ter ficado animado pensando e impressionante como nossa visao se materializa neste carro [ ] a suspensao do nsx e um sistema verdadeiramente engenhoso e na epoca eu imaginava que o custo de desenvolvimento deveria ter sido enorme para obter aquela precisao e qualidade de rodagem inigualaveis o movimento longitudinal da roda e permitido pela adoçao de um pivo de conformidade compliance pivot essa conformidade e quando voce passa por um ressalto e o pneu e submetido a uma força longitudinal a qual o pneu e a suspensao devem acompanhar o movimento e absorver o impacto o pivo acopla o braço superior ao braço inferior ele e conectado aos braços por meio de juntas esfericas assim eles se movem juntos quando ha açao da suspensao o pivo rotaciona mantendo a geometria da suspensao praticamente inalterada sem afetar sua capacidade de absorçao dos impactos esse sistema do nsx mais tarde influenciaria o desenvolvimento da suspensao do mclaren f1 https //flatout com br/honda nsx um carro que guardo no coracao gordon murray/ a busca pelo coraçao do f1 foi uma sucessao de portas fechadas na cara a logica ditava que a honda fornecedora dos motores que empurravam senna e prost seria a parceira natural murray viajou para o centro de p&d de tochigi com especificaçoes rigidas um v10 ou v12 aspirado de grande litragem capaz de girar alto mas com dirigibilidade urbana a resposta de isamu goto foi um balde de agua gelada a honda estava focada no v6 do nsx e considerou um v12 de rua um excesso desnecessario que nao conversava com sua linha de produtos eles chegaram a sugerir um v6 turbo derivado da f1 o que murray considerou um insulto a pureza do projeto turbos significavam lag e lag era anatema o desespero levou a situaçoes surreais a isuzu tentando desesperadamente ganhar credibilidade convidou murray para testar um v12 de 3 5 litros codinome p799we que haviam enfiado na traseira de um chassi lotus para testes murray dirigiu o carro na pista de testes da lotus em hethel o motor era potente mas a vibraçao era tamanha que os dentes do projetista chocalhavam; era uma unidade de corrida bruta sem refinamento torque em baixa ou durabilidade a salvaçao veio em um encontro regado a memorias no gp da alemanha paul rosche o lendario chefe da bmw motorsport e velho amigo dos tempos de brabham ouviu as lamentaçoes de murray gordon pediu o impossivel 550 cv bloco nao maior que 600mm e peso maximo de 250 kg rosche sorriu e disse nos faremos o resultado o bmw s70/2 excedeu todas as expectativas exceto o peso ficou com 266 kg como era compacto e bem mais potente os 16 kg extras nao fariam muita diferença especialmente porque o f1 usaria um metodo de construçao inedito um monocoque de fibra de carbono coberto por uma carroceria do mesmo material a ferrari f40 usava carroceria de composito de fibra de carbono porem seu chassi era tubular tipo spaceframe o porsche 959 tambem usava somente alguns paineis de compositos sobre uma estrutura metalica convencional o mclaren f1 adotou o mesmo layout dos carros de f1 — um monocoque central ao qual os subchassis dianteiros e traseiros seriam afixados — e assim definiu um novo padrao de construçao para supercarros que e utilizado ate hoje o metodo de construçao tambem garantiria um nivel de segurança jamais visto em qualquer tipo de carro de rua ate entao semelhante ao dos carros de formula 1 da epoca que ja usavam o conceito de celula de sobrevivencia o primeiro teste pratico da segurança do carro aconteceu por acaso quando o primeiro prototipo do f1 xp1 estava fazendo testes de alta temperatura no deserto da namibia o piloto de testes perdeu o controle do carro a 240 km/h e bateu em uma guia de pedra o que fez o carro sair rolando ate parar virado sobre seu teto o piloto vestia apenas bermuda camiseta e tenis mas saiu ileso do carro em seguida os fluidos do motor vazaram sobre os coletores de escape aquecidos e iniciaram um incendio que consumiu o prototipo com um motor girando livre e sem inercia acoplado a um chassi de fibra de carbono ultra rigido a transmissao tornou se o elo mais fraco nenhuma caixa no mundo suportava os 66 3 kgfm de torque nas dimensoes compactas que o layout traseiro exigia a weismann que fazia caixas para a f1 foi consultada e a cooperaçao da xtrac foi alistada o projeto da caixa transversal de 6 marchas foi um inferno metalurgico como o motor s70/2 era muito longo a caixa precisava ser minuscula para nao aumentar o balanço traseiro os primeiros testes em bancada foram catastroficos o torque instantaneo do v12 cisalhava os dentes das engrenagens o calor gerado no involucro compacto de magnesio cozinhava o oleo a xtrac teve que desenvolver perfis de dentes especificos e tratamentos termicos ineditos alem disso a alavanca de cambio posicionada a direita do piloto exigia um trambulador de complexidade absurda para manter a precisao mecanica nao havia cabos; era tudo feito por varoes de aluminio usinado com juntas universais de grau aeronautico para que o piloto sentisse cada engrenagem se acoplando na palma da mao a sincronizaçao da primeira marcha era tao dificil devido a inercia dos eixos que a mclaren teve que recomendar tecnicas especificas de engate a frio no manual do proprietario https //youtu be/sufrnaupsbw se projetar o f1 foi um sonho e testa lo foi uma aventura legaliza lo para as ruas foi um processo kafkiano gordon murray havia criado o veiculo mais eficiente do mundo mas os legisladores nao se importam com eficiencia; eles se importam com caixas de texto em formularios estatais o programa de homologaçao do f1 foi proporcionalmente o mais complexo e caro da historia da mclaren um dreno de recursos que quase inviabilizou o lucro do projeto o conflito era filosofico murray desenhou o carro com engenharia de bom senso mas as normas europeias e americanas exigiam conformidade rigida um exemplo crasso foi o sistema de iluminaçao os farois originais do f1 pequenos e integrados para nao perturbar a aerodinamica eram tecnicamente fracos durante os testes noturnos os pilotos reclamavam que dirigir a 300 km/h era um ato de fe mas o problema real veio dos fiscais de homologaçao a altura e o alcance do feixe nao batiam com as normas arcaicas a mclaren teve que gastar fortunas redesenhando componentes internos e refletores e mesmo assim a iluminaçao do f1 permaneceu como a unica critica objetiva e duradoura ao carro — uma vela numa catedral escura as normas de ruido de passagem drive by noise foram outro campo de batalha o v12 aspirado de 6 1 litros tinha pulmoes grandes demais para os ouvidos sensiveis dos reguladores suiços e alemaes a soluçao tradicional seria sufocar o motor com escapamentos restritivos matando a potencia a equipe recusou se a castrar o s70/2 em vez disso trabalharam na acustica de blindagem o cofre do motor foi transformado em uma camara anecoica encapsulando o ruido mecanico das correntes e tuchos a caixa de admissao de ar posicionada acima da cabeça do piloto foi afinada para projetar o som da induçao para dentro da cabine criando aquela sinfonia visceral para o motorista enquanto mantinha o ruido externo dentro dos decibeis legais foi uma trapaça acustica brilhante o carro parecia civilizado para quem estava na calçada mas soava como um carro de formula 1 para quem estava ao volante a produçao do f1 iniciada em 1992 desafiou todas as normas industriais vigentes nao havia linha de montagem esteiras rolantes ou robos o chao de fabrica em woking parecia mais um laboratorio farmaceutico ou um atelie de alta relojoaria cada carro ficava estacionado em uma baia fixa cercado por um pequeno time de tecnicos dedicados que assinavam suas etapas a construçao de um unico chassi levava tres meses e meio a obsessao com o peso beirava a patologia clinica as arruelas eram de titanio usinadas especificamente para o carro o sistema de som kenwood foi redesenhado pelos engenheiros da marca japonesa sob ordens estritas de murray para perder metade do peso de um sistema comercial eliminando botoes desnecessarios e reduzindo a massa dos imas dos alto falantes o couro dos bancos foi raspado ate a espessura minima viavel para economizar gramas durante a montagem final folgas de paineis eram medidas com laminas de calibraçao micrometricas e qualquer desvio resultava na desmontagem completa da seçao o objetivo nao era apenas construir um carro mas anular a variabilidade a entrega do carro ao cliente inaugurava uma relaçao de pos venda que a industria nunca mais conseguiu replicar comprar um f1 dava acesso a um clube hermetico o kit de ferramentas incluido no carro nao era feito de aço estampado mas de titanio forjado pela facom para nao adicionar peso desnecessario para diagnosticos cada proprietario recebia um laptop compaq lte 5280 especifico configurado com um cartao ca conditional access proprietario que conversava com a ecu do carro o carro era conectado pelo computador a um servidor que o ligava pela internet com woking para resolver o problema remotamente caso nao fosse possivel fosse em uma garagem em brunei ou em uma estrada na california a mclaren nao pedia para levar o carro a concessionaria eles enviavam os flying doctors — tecnicos de elite que viajavam com caixas de ferramentas e peças em voos comerciais ou jatos privados para consertar o carro in loco mais impressionante era a politica de evoluçao um f1 que voltasse para a fabrica para revisao em 1996 poderia receber atualizaçoes de farois radiadores ou software desenvolvidos para os carros de 1995 a frota nunca envelhecia tecnicamente; ela evoluia organicamente o impacto cultural desse projeto drenou a mclaren financeiramente o f1 foi um desastre calculado que custou muito mais do que arrecadou especialmente com o fim da bolha economica japonesa que dizimou a lista de compradores originais mas espiritualmente ele forjou a identidade da mclaren automotive o f1 provou que era possivel aplicar a neurose de perfeiçao da formula 1 em um veiculo com placas e piscas ele permanece ate hoje como o apice da engenharia analogica um motor atmosferico uma caixa manual nenhuma assistencia eletronica e o piloto sentado no centro do universo conectado a maquina por ligaçoes mecanicas puras sem filtros digitais foi o momento em que a engenharia automotiva olhou para o abismo da perfeiçao e o abismo fechou os olhos em agosto de 1993 a mclaren levou seu terceiro prototipo o xp3 ao circuito de nardo e atingiu 231 mph 371 km/h o que o tornou o carro mais rapido do mundo na epoca ainda que extra oficialmente na epoca o recorde oficial de velocidade maxima era do jaguar xj220 com 349 4 km/h mas o mclaren f1 teve um segundo teste realizado em 1998 com o prototipo nº 5 xp5 que teve seu limitador desativado e chegou aos 386 4 km/h na pista de ehra lessien na alemanha https //youtu be/93cjrqdc0ic foi no dia 31 de março de 1998 no circuito alemao de ehra lessien que o mclaren f1 entrou definitivamente para a historia ao atingir uma velocidade media de 386 4 km/h e preciso somar a velocidade maxima obtida em duas tentativas uma em cada sentido da pista e dividir o resultado por dois ao aferir a velocidade maxima de um carro sendo assim na pratica a velocidade maxima atingida pelo mclaren f1 foi um pouco maior 391 km/h com andy wallace ao volante ele era um dos pilotos de testes contratados pela mclaren na epoca e era ele quem testava os carros antes de serem entregues a seus proprietarios da para dizer portanto que o piloto britanico era uma boa escolha para colocar o mclaren f1 na pista e descobrir o quao veloz ele seria com humor e falsa modestia tipicamente britanicos wallace conta como foi convocado por gordon murray a realizar as mediçoes e aceitou sem pestanejar eu era mais jovem e mais estupido naquela epoca entao disse ‘claro vamos fazer isso ’ e nos fizemos as malas e fomos para a alemanha ele tambem diz que se lhe dissessem para fazer o mesmo hoje em dia provavelmente pensaria duas vezes foi uma experiencia bastante diferente da que wallace estava acostumado a ter nas corridas de longa duraçao os pilotos recebem ordens o tempo todo pelo radio aperte esse botao faça isso e aquilo mas desta vez … so fecharam a porta e me disseram ‘vai ’ e curioso ver como wallace parece tranquilo narrando o ganho de velocidade na reta de ehra lessien calma e pausadamente acontece que o mclaren f1 de fato inspirava confiança o piloto diz que o carro dançou muito pouco na pista e que so começou a fazer correçoes maiores no volante quando a velocidade passou dos 380 km/h na primeira tentativa que aparece no video o carro atinge os 388 km/h no marcador digital instalado a frente de wallace o piloto acredita que aumentando o limite de giro do motor seja possivel ir um pouco alem e e mesmo na segunda tentativa por uns dois quilometros o velocimetro oscila entre 390 e 391 km/h nao passa disso da para ouvir wallace dizendo mas ainda e bem rapido nao o recorde de velocidade estabelecido no ultimo dia do terceiro mes de 1998 veio para colocar um fim em uma acalorada disputa entre superesportivos que vinha desde a decada de 1980 em 1984 a ferrari 288 gto foi o primeiro carro produzido em serie a passar dos 300 km/h atingindo os 302 km/h dois anos depois em 1986 o porsche 959 atingiu os 317 km/h no ano seguinte 1987 veio a ferrari f40 e sua velocidade maxima de 326 km/h encerrando a decada de 80 em grande estilo os anos 90 começaram com um novo recordista o bugatti eb110 que chegou aos 336 km/h em 1991 nao durou muito em 1992 o jaguar xj220 e seu v6 biturbo de carro de rali alcançaram os 342 km/h sendo superado so seis anos depois em 1998 por voce sabe quem o reinado do mclaren foi duradouro entre 1998 e 2005 nenhum carro produzido em serie foi mais rapido que a criaçao de gordon murray isso mudou somente em 21 de fevereiro de 2005 quando o entao desconhecido koenigsegg ccx se apresentou ao mundo com um cartao de visitas de 387 8 km/h — 1 4 km/h mais rapido que o velho macca dois anos antes o mesmo xp5 fora levado a nurburgring nordschleife com mika hakkinen ao volante o finlandes cravou um tempo de 7 11 no traçado completo de 20 832 metros os recordes atualmente sao medidos com 20 600 metros e um tempo baixissimo ainda hoje o mercedes amg gt r usa um turbo de 585 cv eixo traseiro direcional e um caminhao de eletronica alem de um cambio de embreagem dupla para conseguir 7 10 e beira o absurdo se voce considerar que esse tempo foi atingido ha quase 30 anos com a tecnologia de pneus da epoca se o f1 de rua foi um ato de amor o f1 gtr foi um filho indesejado nascido sob coaçao gordon murray foi categorico desde o primeiro traço no papel em 1988 este carro nao vai correr para ele o automobilismo era um exercicio de compromisso onde regulamentos arbitrarios estragavam a pureza da engenharia transformar sua obra prima de turismo em um carro de corrida significava endurecer a suspensao destruir o conforto e submeter a mecanica a abusos para os quais ela nao fora desenhada mas o mercado tem uma maneira curiosa de ignorar a vontade do criador em 1994 a pressao tornou se insustentavel clientes de peso como ray bellm e thomas bscher pilotos amadores com bolsos fundos que competiam na serie bpr global gt encurralaram ron dennis o ultimato foi brutalmente simples ou a mclaren constroi uma versao de corrida oficial ou nos pegaremos nossos carros de rua e os modificaremos numa oficina de fundo de quintal aterrorizado com a ideia de ver sua criaçao mutilada por terceiros murray capitulou ele cedeu mas com um suspiro de resignaçao convencido de que o f1 seria humilhado pelos prototipos dedicados em le mans ele concordou em supervisionar o projeto mas deu a equipe um prazo ridiculo tinham apenas tres meses para transformar o carro de estrada em um desafiante para a sarthe a conversao do chassi #019 — o mulo de testes original — em carro de corrida revelou uma verdade desconcertante sobre o excesso de engenharia do projeto original normalmente transformar um carro de rua em um gt de competiçao exige reforços estruturais massivos novos subchassis e uma reconstruçao do motor com o f1 a equipe descobriu que o monocoque de carbono ja era mais rigido que qualquer carro de corrida existente a geometria de suspensao nao precisou ser alterada apenas recalibrada com buchas solidas e molas mais duras a grande ironia residia no cofre do motor para se adequar ao regulamento da classe gt1 a mclaren foi obrigada a instalar restritores de ar na admissao do v12 bmw o resultado foi uma castraçao mecanica o carro de corrida produzia cerca de 600 cv — menos do que os 627 cv do carro de rua que qualquer milionario podia dirigir ate o autodromo o foco da bmw motorsport mudou entao para a durabilidade e refrigeraçao instalando radiadores maiores e mapeando a eletronica para eficiencia de combustivel vital para uma prova de 24 horas o interior foi estripado mas a posiçao central de pilotagem permaneceu ladeada agora nao por passageiros mas por emaranhados de fios e caixas de telemetria externamente a pureza das linhas de murray foi sacrificada no altar da downforce um aerofolio traseiro ajustavel e um splitter dianteiro agressivo foram aparafusados para colar o carro ao chao nas curvas porsche quando a armada de sete f1 gtrs chegou ao circuito de la sarthe em junho de 1995 eles eram vistos como curiosidades de luxo os favoritos eram os prototipos wsc world sports car baratas dedicadas de cockpit aberto mais leves e aerodinamicamente superiores no papel o mclaren era um gt pesado um intruso civil em uma guerra militar mas a meteorologia francesa tinha outros planos a corrida de 1995 entrou para a historia como uma das mais miseraveis em termos climaticos a chuva caiu durante 17 das 24 horas o circuito transformou se num rio de asfalto traiçoeiro nessas condiçoes a vantagem teorica dos prototipos evaporou seus motores pontudos e chassis ultra rigidos tornavam nos inguiaveis no molhado; eram nervosos ariscos e propensos a aquaplanar o mclaren por outro lado carregava seu dna de carro de rua a curva de torque linear do v12 a suspensao complacente que murray tanto insistira para copiar o nsx e a visibilidade superior do cockpit central permitiram aos pilotos sentir o limite da aderencia em vez de adivinha lo a batalha nao foi isenta de dramas mecanicos a transmissao o calcanhar de aquiles do projeto desde o dia um sofria com os trancos das reduçoes constantes a equipe instruiu os pilotos a tratarem o cambio com a delicadeza de quem manuseia cristal mas foi durante a noite sob um diluvio biblico que a lenda se cristalizou j j lehto pilotando o carro #59 da equipe kokusai kaihatsu racing gerenciado pela modesta lanzante motorsport operou um milagre enquanto o resto do grid lutava para manter os carros na pista lehto virava tempos ate 10 segundos mais rapidos por volta que os rivais ele usava as zebras escorregadias como trilhos dançando com o carro no fio da navalha o carro #59 nao era o favorito era um chassi orfao inscrito de ultima hora patrocinado por uma clinica japonesa de tratamento de impotencia e doenças venereas a infame ueno clinic e pilotado por um trio montado as pressas lehto yannick dalmas e masanori sekiya enquanto os prototipos quebravam ou batiam na chuva e os outros mclarens sofriam acidentes ou problemas de transmissao o #59 avançava com a inexorabilidade de um metronomo quando a bandeira quadriculada caiu na tarde de domingo o resultado chocou o establishment o mclaren f1 gtr nao apenas venceu na geral — batendo prototipos construidos especificamente para aquela prova — mas ocupou tambem o 3º 4º e 5º lugares foi uma humilhaçao para a ordem estabelecida um carro derivado de um modelo de estrada com portas que abriam para cima e um motor de arranque que se girava na chave havia conquistado le mans sua primeira tentativa a produçao do f1 cessou em 1998 com apenas 106 unidades construidas incluindo prototipos e carros de corrida o fim nao foi marcado por festas estrondosas mas por uma sensaçao de vazio em woking o projeto havia mudado a cultura da empresa antes do f1 a mclaren era uma equipe de corrida focada no proximo domingo; depois do f1 ela era uma guardia de um legado automotivo o projeto drenou os cofres e exauriu a equipe — muitos engenheiros sairam queimados pela intensidade da jornada — mas estabeleceu a fundaçao para a mclaren automotive como a conhecemos hoje gordon murraymclaren designer para gordon murray o f1 foi o pico e o abismo foi o projeto mais emocionalmente importante de sua vida a materializaçao de todas as suas teorias sem o filtro de um contador de feijoes mas tambem criou um problema insoluvel como superar a perfeiçao qualquer carro subsequente — incluindo o mercedes benz slr mclaren que ele supervisionaria anos depois — pareceria comprometido pesado e diluido em comparaçao o slr foi um carro de comite cheio de interferencias corporativas da daimler tudo o que o f1 nao foi trinta anos depois o mclaren f1 nao e apenas um carro antigo valioso; e um artefato de uma era perdida ele representa um momento singular na historia industrial onde a tecnologia de materiais fibra de carbono titanio ouro estava madura mas a intromissao digital e legislativa ainda era incipiente some isso ao seu historico nas pistas e voce tem uma lenda moderna — algo que nem mesmo seus sucessores modernos conseguirao alcançar
SEJA UM MEMBRO DA
FAMÍLIA FLATOUT!
Ao ser um assinante, você ganha acesso irrestrito a um conteúdo verdadeiro e aprofundado. Nada de jornalismo genérico e sensacionalista. Vale a pena? Clique aqui e confira os testemunhos dos assinantes, amostras livres e os benefícios extras que você poderá desfrutar ao ser um FlatOuter!
PARA LER MAIS, CADASTRE-SE OU ASSINE O FLATOUT E TENHA ACESSO LIVRE A TODO CONTEÚDO DO SITE!
JÁ POSSUI CADASTRO OU É ASSINANTE DO FLATOUT?
Este é um conteúdo restrito: pode ser uma matéria só para assinantes, pode ser porque você já atingiu o limite de matérias gratuitas neste mês.


