Em 2014 a Dodge deixou todo mundo boquiaberto o apresentar o Hellcat: um verdadeiro monstro com um motor V8 Hemi de 6,1 litros com supercharger e 717 cv à disposição do pé direito. Agora… 2014, caras. Já faz uma eternidade, e se o Hellcat fosse lançado hoje com os mesmos 717 cv, seria só mais um. Nestes quatro anos, em parte graças ao próprio Challenger Hellcat, outros carros com mais de 700 cv foram lançados e fizeram o número ficar quase banal. A própria Dodge expandiu a família Hellcat para incorporar o sedã Charger e o Jeep Grand Cherokee, que usa o motor Hellcat na versão Trackhawk; mas também existem o Chevrolet Corvette ZR-1 e seus 765 cv, o Porsche 911 GT2 RS com motor flat-six de 3,8 litros e 700 cv. E não podemos esquecer do Lamborghini Aventador, lançado em 2011, com seu V12 de 700 cv.
Claro, o Lamborghini Aventador é um supercarro com motor central-traseiro e o Porsche 911 GT2 RS é um superesportivo voltado para a pista, mas se formos levar isto em consideração precisamos admitir que o Challenger Hellcat foi o carro que levou os 700 cv para a garagem das massas (ao menos nos EUA). Das pessoas que não têm dinheiro para comprar supercarros.
Então, no ano passado, a Dodge fez o que parecia impensável e criou o Challenger Demon: um muscle car de arrancada que podia rodar nas ruas com uma versão ainda mais potente do motor Hellcat, e por US$ 1 a mais no preço, podia vir com uma caixa mágica no porta-malas. Dentro desta caixa, chamada simplesmente de “Demon Crate”, vinham rodas dianteiras fininhas (para instalar pneus dianteiros fininhos e reduzir o arrasto das rodas dianteiras), um macaco hidráulico, chave de impacto, medidor de pressão nos pneus, um filtro cônico de ar frio e, talvez o mais importante, uma ECU de alto desempenho que mudava a calibragem do motor para entregar 850 cv com combustível de competição (isto é, gasolina com mais de 100 RON). Com tudo isto, o Demon era capaz de, sem qualquer modificação, cumprir o quarto-de-milha na casa dos nove segundos. Depois da diversão na pista, era só desinstalar tudo e voltar dirigindo para casa.
O Demon, contudo, não era um carro de rua qualquer. Ele foi produzido em quantidade limitada e não tinha qualquer intenção de ser um muscle car de uso diário. O Challenger Demon era mais uma demonstração de que era possível fazer um carro de arrancada para as ruas capaz de virar 9 segundos nos 402 metros e vendê-lo ao público. No mundo dos muscle cars, o espetáculo de ronco de motor e fumaça e os números no placar da dragstrip podem ser mais valiosos do que os lucros em si. E o Demon fez muito bem seu trabalho ao mostrar que a Dodge ainda era uma companhia badass.
Esta longa introdução é nossa forma de contextualizar o Dodge Challenger Hellcat Redeye. O Hellcat original cumpriu seu papel na época, impressionando todo mundo com sua potência mas, ao mesmo tempo, ainda era um Dodge Challenger. Um monstro, claro, mas com suspensão confortável, uma cabine espaçosa e equipada e tudo o que é necessário para ser um daily driver – desde que seu dono saiba que, com o pé no fundo, é possível secar seu tanque de combustível em 13,4 minutos. O Dodge Challenger Demon, por sua vez, não foi feito para ser usado nas ruas. Ele era um carro de arrancada que também podia ser usado nas ruas, mas tinha todo o acerto de suspensão calibrado para os quartos-de-milha.
O recém-lançado Dodge Challenger Hellcat Redeye é o que acontece quando se junta o melhor dos dois mundos. Simples assim.
Nós não andamos nele, claro – o carro foi revelado há cerca cerca de um mês e meio e não é vendido oficialmente no Brasil. Mas o pessoal da imprensa gringa já o fez na última semana. E é claro que a gente está interessado. Tanto quanto vocês, temos certeza. Por isso, nada mais justo que compilar aqui as principais impressões a seu respeito.
Colocado de forma simples, o Dodge Challenger Hellcat Redeye é um Hellcat comum com o motor do Demon. Isto quer dizer que ele tem debaixo do capô o mesmo motor, mas não recebeu o restante dos componentes que transformam o Demon em um carro de arrancada para as ruas: sem transbrake, sem suspensão mais macia na traseira, e sem a opção pela Demon Crate. Por outro lado, ele vem de série com os para-lamas alargados, que no caso abrigam pneus Pirelli P Zero de rua, com medidas 305/35/20 – sendo possível, contudo, adquiri-lo opcionalmente com a carroceria estreia e pneus 275/40/20. O que, como veremos mais adiante, pode não ser uma boa ideia.
Uma boa ideia, no momento, é relembrar o que o motor do Demon tem de especial em relação ao motor do Hellcat: um coletor de admissão maior; novas entradas de ar nos faróis, capô e no arco da roda dianteira esquerda; um supercharger maior (de 2,4 litros para 2,7 litros) com mais pressão (1 bar contra 0,8 bar); um novo sistema de injeção com duas bombas de combustível em vez de uma só; bielas e pistões reforçados; comando de válvulas mais agressivo e um sistema de lubrificação mais eficiente. O motor é capaz de girar a até 6.500 rpm, contra 6.200 rpm do Hellcat comum. E, por fim, entrega 808 cv e 99,1 mkgf de torque contra 717 cv e 91,6 mkgf de torque. O Hellcat Redeye herdou do Demon o Power Chiller e o After-Run Chiller. O primeiro redireciona o gás refrigerante do ar-condicionado para o reservatório do fluido de arrefecimento do intercooler, enquanto o segundo mantém a ventoinha girando e o gás refrigerante circulando para ajudar a resfriar o compressor mecânico e a admissão, impedindo que o Demon perca potência devido ao excesso de calor e fique sempre pronto para a próxima puxada.
Agora, os mais detalhistas deverão lembrar que, usando combustível comum, o Dodge Demon entregava 819 cv. De acordo com a Dodge o motor é exatamente o mesmo. Então qual é a razão para os 11 cv a menos? Segundo os engenheiros da SRT, tem a ver com o capô: a velocidade máxima do Redeye, de 326 km/h, exigia um capô que gerasse menos lift do que o Demon, cuja velocidade máxima era de 270 km/h por causa de seus pneus próprios para arrancada. O capô do Redeye é mais aerodinâmico, mas também admite um pouco menos de ar, o que resulta em menor potência. Dito isto, o pessoal do Motor1 internacional suspeita que a pequena queda na potência seja uma forma de “proteger” o Demon e os egos de seus donos – que, afinal, também pagaram pela exclusividade.
Dito isto, são só 11 cv a menos – suficientes para manter o Demon como o Challenger mais potente já feito, mas incapazes de diminuir a sensação de acelerar a fera. Como dizem os caras da Car and Driver norte-americana:
Tal como o Challenger Hellcat, o Redeye é capaz de alternar entre um dócil meio de transporte e um destruidor de reputações e pneus. O cheiro de borracha queimada está disponível sob demanda. As trocas de marcha podem ser meio brutas mesmo com pisadas leves, mas quando se considera a quantidade de torque indo para as rodas traseira, é até perdoável. Os amortecedores ativos com três modos do Hellcat são de série no Redeye e oferecem um conforto ao rodar razoável por um veículo que usa pneus 305/35/20.
A Road and Track completa:
Na rua, o Redeye faz todas as coisas divertidas e barulhentas que fazem tornam o Hellcat tão adorável. O escapamento é alto de verdade – não o ronco sintético e martelado de um V8 alemão ou o trinado de um LS, apenas o clamor mal-humorado e honesto de um Hemi. Diferentemente do Mustang ou do Camaro, não se pode escolher um modo mais silencioso pela tela sensível ao toque.
Pelo que os reviews dizem, o Redeye é mesmo um carro mais próximo do Hellcat do que do Demon. Ainda de acordo com a Road and Track:
Mesmo motor, propósitos diferentes. O Demon mirava a laser nos quartos-de-milha, e ignorava qualquer outro tipo de condução. O Redeye tem quase a mesma potência em um veículo que é tão bem acertado quanto um Hellcat normal. Ele não vem com transbrake e nem com pneus de arrancada, mas sua suspensão reconhece a existência de curvas. Um Redeye com carroceria Widebody e pneus 305 faz o quarto-de-milha em 10,8 segundos a 210 km/h, ou um décimo de segundo mais rápido que um Hellcat de 717 cv com os mesmos pneus. No fim das contas fica claro que a suspensão macia do Demon no Drag Mode, que coloca todo o peso do carro sobre as rodas traseiras na largada, é boa parte da razão de seu desempenho no quarto-de-milha.
Falando em curvas, houve uma razão para que os testes com o Redeye tenham sido realizados em um em um autódromo – o circuito de Club Motorsports, em Tamworth, New Hampshire, nos EUA, com 4 km de extensão, 15 curvas e variação de relevo de 70 metros: a Dodge queria mostrar que ele sabe fazer curvas. Conforme a avaliação do Motor1:
Comparado a pony cars como o Mustang e o Camaro, a plataforma de sedã sobre a qual o Challenger é construído é físicamente grande, e seu centro de gravidade é relativamente alto. Mas a SRT continua provando que boa engenheria pode te levar longe, mesmo em um muscle car de 800 cv que tem mais de duas toneladas.
Apesar da distribuição de peso de cerca de 57/43 (frente/traseira), o Redeye é surpreendentemente neutro quando comandado da forma correta. Como qualquer máquina com muita potência e tração traseira, o carro sobresterça se você for impaciente com o acelerador nas saídas de curva, e a dianteira vai escapar se você exigir dela mais do que os pneus podem fisicamente oferecer se mergulhar em uma curva. Mas o corpulento cupê dança bem com o parceiro certo, desde que você maneire no acelerador quando for necessário e aceite o fato de que ele não é um Porsche Cayman.
A impressão de que o Redeye é, de fato, um Hellcat mais nervoso e não um Demon mais manso, é reforçada pelos britânicos do Top Gear:
O Redeye se comporta como você esperaria de um Hellcat preparado. Os mesmo barulho e as mesmas respostas estão lá, só que em maior quantidade, com mais volume e mais velocidade. O supercharger maior ainda domina a trilha sonora em qualquer rotação maior do que a marcha lenta, os pneus ainda querem escapar mesmo com a mais leve das pisadas no acelerador e você vai sentado em uma suntuosa, confortável e espaçosa cabine. A maior diferença está entre o Redeye e o Demon.
No Drag Mode, o Demon flutua, é macio e suave como seu chará dos anos 70. Ele fica melhor resolvido no modo Street e pode ficar ainda mais no modo Custom, no qual você pode ajustar o chassi para suas preferências. O Redeye é mais firme, mais controlado logo de cara e pode, no modo Track, ficar bem seco. Na estrada, no modo Sport, ele se comporta exatamente como um Hellcat com pneus mais largos: super confortável, com mais comunicabilidade na direção e melhor nas entradas de curva.
A impressão que temos é que, com o Redeye, o Dodge Challenger chegou a seu auge – o equilíbrio perfeito entre um muscle car de rua e um monstro das pistas para quem não está a fim de virar tempos no autódromo ou quebrar recordes nos 402 metros, mas quer se divertir tanto no track day quanto na drag strip. Isto ele faz muito bem. Seus rivais mais modernos certamente são superiores no lado técnico da coisa, mas o Challenger consegue agradar àqueles que procuram um carro que seja realmente a versão contemporânea dos clássicos da década de 1970. Bravo, Dodge. Bravo.