Hoje em dia o Honda Civic é um carro com forte apelo entusiasta. Parece uma visão contraditória para um carro que, para o consumidor médio, não é mais que uma alternativa mais descolada a um Toyota Corolla. Quem conhece as versões esportivas Si, VTi e Type R, o enxerga de forma bem diferente (o que, aliás, também serve para o Corolla, mas isto não vem ao caso agora).
Mas estas são as versões que todo mundo conhece e adora, por razões óbvias. Existiram, também, algumas versões com uma característica bem inusitada para um Civic: a tração nas quatro rodas.
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Quando foi lançado, em 1972, o Civic tinha a missão de embarcar na onda de carros japoneses compactos, econômicos, práticos e confiáveis que estava virtualmente dominando o mundo naquela época. Até mesmo os americanos, motivados pela alta dos preços dos combustíveis, estavam abrindo mão de suas barcas com motor V8 em troca de uma confiável máquina importada do Japão.
Foi a partir da terceira geração, lançada em 1983, que a Honda começou a dar ao Civic uma personalidade mais entusiasta. Além de uma carroceria mais arrojada, o Civic “Mk3” ganhou uma versão declaradamente voltada aos entusiastas, o CR-X, com carroceria fastback e o motor mais potente da linha. A grande inovação da terceira geração, porém, foi a adoção de um sistema de tração nas quatro rodas, e poucos se dão conta disto.
Também podemos considerar a tração nas quatro rodas uma característica desejável aos olhos dos entusiastas – o entendimento comum é que, depois da tração traseira, um sistema 4WD (ou AWD) é a segunda melhor opção. Ainda que, em situações de baixa aderência, a tração nas quatro rodas seja até preferível.
O Civic com tração nas quatro rodas foi lançado em 1983, e oferecido exclusivamente na versão perua — que era um carro todo peculiar por si só, diga-se. Conhecida na maioria dos mercados como Civic Shuttle, e como Wagovan nos EUA, a perua tinha desenho totalmente diferente na carroceria e no interior, com uma grande área envidraçada, ares de monovolume e enormes janelas laterais traseiras, que tornavam o interior do carro bem arejado e iluminado.
Havia a versão de tração dianteira, com motor 1.5 de 92 cv e câmbio de cinco marchas, e a versão 4WD, com um sistema de tração nas quatro rodas com acoplamento viscoso que era acionado ao toque de um botão no painel. Era a única versão do Civic na época com câmbio de seis marchas, sendo que a primeira marcha tinha a relação extremamente reduzida e só podia ser engatada quando o sistema de tração nas quatro rodas estava acionado. O Civic Shuttle 4WD também usava um motor maior, de 1,6 litro e 110 cv.
Visualmente a versão com tração nas quatro rodas se diferenciava pela suspensão 11 mm mais alta, pelos para-barros (mud flaps) de série e pelos para-choques ligeiramente maiores, além de adesivos à frente das caixas de roda traseiras.
Foi em 1987, porém, que a Honda acertou a mão: pouco antes do lançamento da quarta geração, o Civic Shuttle ganhou o sistema RealTime4WD, ou simplesmente RT4WD. O funcionamento era semelhante ao que se via antes, porém agora o acoplamento viscoso era acionado automaticamente, sempre que um sensor detectava perda de aderência das rodas. Nos demais momentos, o carro rodava com tração dianteira como qualquer outro Civic.
O sistema era surpreendentemente eficiente para algo lançado há 32 anos e realmente fazia a diferença em terrenos mais hostis, como atoleiros ou ruas cobertas de neve – este era um dos principais argumentos da Honda a favor do modelo. Tanto que o Civic Shuttle de quarta geração permaneceu em produção até 1996, convivendo com a quinta geração, lançada em 1991 com as outras configurações de carroceria.
Antes disto, porém, seu sistema de tração nas quatro rodas foi adotado por outras versões do Civic. Em 1991, o Honda Civic Ferio – que era o nome da versão sedã no Japão – foi oferecido com tração nas quatro rodas nas versões RTX e RT Si, agora batizado Intrac (de Innovative Traction System). A diferença entre os dois carros estava no motor: o RTX usava um motor 1.5 carburado de 105 cv, enquanto o RT Si tinha motor 1.6 de 130 cv.
O sistema Intrac foi deixado de lado nos outros mercados a partir de 1993, mas no Japão continuou sendo oferecido até o Honda Civic Ferio de sétima geração, fabricado entre 2000 e 2005. Diferentemente das outras versões, os Civic 4WD não tinham assoalho plano para os ocupantes do banco traseiro, pois era preciso um túnel central para abrigar os componentes do sistema de tração nas quatro rodas.
O RT4WD/Intrac acabou servindo como ponto de partida para o desenvolvimento do sistema usado no primeiro Honda CR-V, crossover lançado em 1995 e construído sobre a plataforma do Civic de sexta geração. Ou seja, de certa forma, podemos dizer que o Civic Shuttle de 1983 teve sua parcela de contribuição para o advento dos crossovers modernos – carrascos dos carros como os conhecemos hoje, dirão os mais fatalistas.
Ainda assim, os primeiros Civic Shuttle com tração RT4WD – ou seja, os fabricados de 1987 em diante – são muito bem cotados entre os entusiastas por sua capacidade off-road relativamente alta. E potencialmente divertida.