Estamos vivendo um tempo de mudanças mesmo. A Ford, que escreveu um importante capítulo dos esportivos com seus “RS”, não tem mais um RS escrevendo a próxima página. A BMW, reconhecida por seu design sóbrio, sem ser entediante, agora faz carros ousados como os velhos Citroën, porém sem o mesmo bom-gosto. Subaru e Mitsubishi, que dividiram os fãs de rali com o WRX e o Evo, já encerraram a disputa há tempos. O WRX agora tem câmbio CVT e o Evo nem existe mais.
Nesse novo mundo que se desenha, os EUA, onde você sequer precisa saber como operar um pedal de embreagem para dirigir, se tornou o último refúgio do câmbio manual — ao menos entre os carros esportivos. E a Toyota, sempre conservadora e um tanto avessa à esportividade declarada, é uma das marcas mais interessantes e comprometidas com o prazer ao volante dos últimos anos. A ruptura com o “normal” é tamanha que o esportivo mais aguardado dos últimos anos (ao menos no Brasil) é um Corolla.
É claro que não é um Corolla qualquer, mas nem mesmo quando a Toyota disputou o WRC com o Corolla, ela fez algo como este novo GR Corolla. E é isso o que o tornou tão surpreendente.
Porque já estávamos conformados com a velha fórmula de ter o carro legal de verdade aqui ao lado, na vizinha Argentina, e aqui termos um esportivo de adesivo ou qualquer alternativa barata — ainda que a classe média alta do Brasil seja maior que a população inteira da Argentina. Eles tiveram, por exemplo, o Peugeot 207 GTI e o Renault Clio Williams. Em vez do Del Rey, eles tiveram o Sierra — incluindo o XR4 com o motor 2.3 “Taubaté”. E quando a Toyota anunciou o GR Yaris para os argentinos, o mais próximo que chegamos desta sigla foi na Hilux GR Sport e no Corolla GR — dois pacotes estéticos, basicamente.
O fdptamente insano Toyota GR Yaris: 4×4, torque de Golf GTi, motor recuado – para as ruas!
E é por isso que fomos pegos de surpresa: quem diria que essa Toyota, que colocou o Yaris GR na Argentina, traria o GR Corolla para o Brasil. Eu até imagino o porquê: o GR Yaris tem duas portas e o Corolla tem quatro portas. E para a Toyota, o quatro-portas vai melhor no Brasil.
Parece ser o mesmo motivo pelo qual os americanos também não receberam o GR Yaris, mas agora podem comprar o GR Corolla. Tem a ver com a cultura local e o mix de produtos. Nos EUA a Toyota já vende o GR86 e o Supra com câmbio manual e duas portas, lembre-se. Faz mais sentido vender um GR Corolla quatro-portas — especialmente porque o Golf R e o Type R também são modelos de quatro portas. No Brasil. não temos o Supra nem o GR86, mas quatro portas é algo desejável, mesmo em um hot hatch deste calibre.
Toyota GR Corolla: os detalhes técnicos que fazem dele o carro mais especial do ano
No início do mês a Toyota revelou os preços do GR Corolla nos EUA — ele vai custar de US$ 36.000 a US$ 50.000 — e, mais recentemente, levou a imprensa internacional para o primeiro contato ao volante do hot hatch. Com os preços divulgados e com opiniões da imprensa publicadas, já podemos embasar melhor nossas expectativas para quando o GR Corolla chegar ao Brasil em 2023.
Sobre os preços, já falamos a respeito no Zero a 300 (clique e veja), mas resumindo o raciocínio, que é baseado no preço dos outros modelos importados da Toyota/Lexus no Brasil, ele deverá custar entre R$ 280.000 e R$ 340.000, dependendo da configuração trazida.
Agora… vamos ao que importa:
Como ele anda?
Apesar de ser um carro completamente do que estamos acostumados a chamar de Corolla no Brasil, o GR Corolla é baseado na versão hatch do Corolla vendida nos EUA, Austrália e Europa — e onde também há uma versão GR Sport, mais amansada, semelhante à vendida por aqui na versão sedã.
Os relatos da imprensa americana sobre a qualidade de acabamento do GR Corolla dizem que ele usa os mesmos materiais do Corolla hatchback — o que era esperado, de certa forma. As diferenças estão apenas no revestimento dos bancos, que são exclusivos da versão e, por isso, usam materiais igualmente exclusivos.
Estruturalmente o carro foi extensivamente modificado. Há 349 pontos de solta adicionais e quase três metros de adesivo estrutural acrescentados à carroceria/monobloco do GR Corolla para que ele tenha a rigidez esperada de um esportivo como este. A versão Morizo, na verdade, usa ainda seis metros adicionais de adesivo estrutural (totalizando quase 11 metros em relação ao Corolla convencional), e ainda tem duas barras de amarração no lugar do banco traseiro.
Como bem pontuou o site Autoblog: “Não se trata de instalar freios maiores ou um motor maior, como aconteceria em uma linha de produção que faz versões diferentes de um mesmo carro”. É realmente um carro especial que, por acaso, usa o Corolla como base. A origem humilde, aliás, se manifesta em outros elementos como os pedais de comando que, ainda de acordo com o Autoblog, “parecem ter vindo de uma picape Toyota”.
O problema é que eles são demasiadamente espaçados e têm um aspecto barato, com pouca impressão de firmeza. O site o compara aos pedais do Supra (abaixo) e a diferença é gritante: os pedais do Supra têm hastes mais parrudas (provavelmente com perfil em U), são mais próximos entre si e têm o acelerador pivotado no assoalho, o que permite uma superfície mais longa e mais adequada aos punta-tacco.
E isso será necessário, porque apesar de ter o sistema de sincronização de giro (o tal “punta-tacco eletrônico” ou “rev-matching”), o sistema é muito sutil, segundo o pessoal da revista Road & Track — “há uma mínima compensação das rotações entre as trocas de marcha”, diz o texto. Ainda sobre o câmbio, a Road & Track elogia o peso da embreagem e os movimentos da alavanca que, apesar de pouco precisos, são envolventes:
“Entre as marchas, a embreagem tem peso adequado, e é fácil de usar. O curso da alavanca é um tanto impreciso no movimento, mas ela tem um pouco mais de sensação mecânica que seu irmão, o GR86. Mesmo assim, ela não é tão prazerosa de se manejar quanto a do novo Supra. A shift-light no painel, que é hilária e salta aos olhos com suas variações de cor, também é legal.”
Quem também elogiou o peso dos comandos foram os britânicos da revista Autocar e os australianos do site Drive. Os britânicos disseram que “os comandos têm peso agradavelmente equilibrado entre si” e que isso é “uma evidência de que o carro foi desenvolvido por gente que gosta de carro”.
Isso ficou muito perceptível em todos os Toyota com proposta mais esportiva desde que Akio Toyoda assumiu o comando da fábrica em 2009. Foi dele o aconselhamento da criação do Lexus LF-A, e a proposta de se criar o GT86 (hoje GR86) e o novo Supra, além de colocar a Toyota em Le Mans.
Já os australianos disseram que “a direção é leve, fácil e precisa”, e que o “desempenho dos freios é excelente, com modulação perfeita graças à precisão do pedal”.
Um ponto negativo sobre o carro foi a dúvida sobre a real capacidade do GR Corolla acelerar do zero aos 100 km/h em 5 segundos como declarado pela fabricante. A revista Drive diz que esta afirmação é “ambiciosa” e explica o motivo:
“O melhor tempo que conseguimos com o GR Yaris ficou na casa dos 5 segundos baixos — e fizemos isso fritando a embreagem. Considerando o peso extra, este deve ser um carro de 5,5 segundos ou algo nessa região — o que ainda é muito respeitável para um hot hatch.”
Já que chegamos à aceleração, hora de descobrir o que o pessoal achou de um Corolla embalado por um motor 1.6 de três cilindros e 304 cv, mas antes, as impressões sobre o ronco do motor, começando pela Autocar:
“Em condução normal a válvula para a saída de escape maior, centralizada, permanece fechada para rodar em silêncio, mas é colar o acelerador e, uma vez passadas as 4.500 rpm, ela se abre. A cacofonia resultante não é muito inspiradora, mas o ritmo é.”
Em outro ponto da avaliação, eles mencionam o seguinte:
“Abra o acelerador, apesar do novo escape, o 3-cilindros da Gazoo ainda ronca como o motor de um Aygo barato, o que é divertido e até uma representação de como esse carro foi preparado.”
O Drive foi mais sucinto, limitando-se a descrever o ronco como um complemento da descrição da aceleração: “O três-cilindros turbo soa absolutamente rasgado”. Já o pessoal do Autoblog mencionou que o GR Corolla não tem reforço artificial do ronco, mas se esquivou de comentar sobre o ronco porque o repórter “estava usando capacete”.
Passadas as impressões iniciais do primeiro contato com o carro, o pessoal acelerou na pista, o habitat natural deste GR Corolla e todos foram unânimes a respeito de como ele se destaca e até surpreende por ser maior que o GR Yaris. A Autocar elogiou a tração e a aderência do carro:
“Como acontece com seu irmão menor, os níveis de aderência e tração e a confiança que eles inspiram no piloto são fenomenais. Contudo, apesar de impressionar pelo tanto de velocidade você pode trazer para a curva, o GR Corolla não é tão ágil ou manejável como o GR Yaris (que é 200 kg mais leve). Isso se deve, segundo os engenheiros, ao acerto do carro que trocou a agilidade por mais estabilidade.
Queira você ser rápido e preciso, ou favorecer sua fantasia de piloto do WRC com trail-braking, frenagem com o pé esquerdo, apontar quente demais ou aliviar o acelerador no meio da curva, ou até mesmo puxar o freio de mão (o que desconecta momentaneamente o eixo traseiro), o GR Corolla não apenas aceita, como também te encoraja a se divertir e abusar. O chassi está sempre ao seu lado.”
O Drive fez os mesmos elogios, mas de forma mais sucinta:
“Ainda que o GR Corolla seja mais pesado que o GR Yaris, ele se mostra muito vivaz. Contudo, o aspecto mais impressionante que você nota, é quanta aderência esse carro tem. Ele é até fácil de guiar”.
A Road & Track atribuiu estas qualidades dinâmicas ao sistema de tração integral:
“Quanto mais o dirigi, mais dramático fui com meus comandos, forçando a barra para ver se o Corolla iria me acompanhar ou me morder. Ele acompanhou. Os diferenciais são intuitivos e espertos, mas o carro ainda parece muito analógico.
O sistema de tração integral é bem calibrado. Não no sentido de corrigir os erros do piloto, ou de manter o carro equilibrado para a falta de destreza, mas no sentido de responder precisamente aos comandos do piloto. O GR Corolla é uma máquina extremamente manejável, divertida de se usar na pista.
Comecei com o sistema AWD no modo ‘track’, que mantém a distribuição de torque em 50/50. Foi bom. A entrega foi mais previsível e consegui tempos de volta mais baixos. Mas o êxtase mesmo veio quando usei o modo 30/70.
Mandar mais torque para a traseira resulta naquelas travessuras hilariantes da traseira, com quase nada de sub-esterço. A rotação do carro com o alívio do acelerador é mais fácil neste modo, porque o carro fica mais arisco, mas facilmente controlável.”
A revista americana, contudo, foi a única a mencionar um inconveniente conhecido nos motores downsized: a falta de fôlego à medida em que as rotações aumentam e até diverge da Autocar a respeito das curvas, de certa forma. Veja:
“O GR Corolla é rápido, mas não vai atingir velocidades criminosas sem abusar do motor por alguns instantes. Entre 3.000 rpm e 5.500 rpm o três-cilindros produz 37,6 kgfm. A potência começa a desaparecer.
Ele não é explosivo; uma vez que o turbo entra, ele tem uma faixa de potência bastante linear — mas é muito mais animado que o novo Subaru WRX, por exemplo. O carro é muito mais voltado à conexão com o piloto do que em relação às forças G. É isso o que torna o GR divertido, e não apenas rápido”.
Ainda sobre o sistema de tração integral, o Autoblog declarou o seguinte:
“O padrão é o modo ‘Front’, com distribuição 60/40. Usamos o carro brevemente neste modo, sem nada que o desabone, mas como estávamos na pista fomos para o próximo modo.
O próximo era “Rear”, que manda até 70% do torque para a traseira (N.E.: o modo 70/30 mencionado pela Road & Track). Desligue todas as babás, afunde o acelerador e vai parecer que o carro está em uma superfície escorregadia, e o GR Corolla começa a brincar com a traseira. Não chega a ser um modo drift, e a traseira não fica tão solta sobre um asfalto mais abrasivo. Talvez na estrada, este modo possa trazer mais diversão ao volante, mas confinado ao autódromo, o modo “Rear” só pareceu um jeito legal de fazer voltas mais lentas.
Felizmente ele tem o modo ‘Track’, que entrega o que promete. Embora a distribuição de torque varie de acordo com os comandos do piloto, o comportamento do carro e das condições de pista, este modo se mantém o mais próximo de 50/50 possível. E o GR Corolla se mostrou muito mais controlado neste modo.
O traçado foi mantido com maior precisão e as velocidades foram maiores. Os diferenciais Torsen, com deslizamento limitado (de série na versão Circuit e na Morizo, e opcional na Core), contribuiram, sem dúvidas, para a capacidade de apontar o carro com o acelerador e manter a carga no pedal dentro das curvas.”
O que esperar do GR Corolla?
Lembra quando conhecemos o Sandero RS? Que avaliamos pela primeira vez a capacidade da suspensão e do acerto dinâmico feito pela Renaultsport na França, da mesma forma que eles fizeram para o Clio RS e Megane RS? Que o carro estava um nível acima de qualquer esportivo feito por aqui? É mais ou menos isso o que podemos esperar do GR Corolla, considerando o que vimos até agora.
Como bem observado pelo Autoblog, não se trata apenas de um Corolla hatch que foi modificado para ser um Corolla hatch mais caro, mas um carro que foi reprojetado para ser o melhor esportivo que pode ser, apesar das quatro portas e dos 200 kg a mais em relação ao GR Yaris.
É claro que o GR Yaris seria mais bem-recebido pelos entusiastas, mas ele certamente não conseguiria fechar a conta que a Toyota fez para trazer o GR Corolla ao Brasil. E essa conta certamente levou em consideração as portas traseiras, que o Civic Type R também terá.
E por falar nele, é claro que a rivalidade entre as marcas nos demais segmentos será transferida para esse nicho dos esportivos quando os dois carros estiverem a venda no Brasil. Mas, a julgar pelo que foi escrito sobre o GR Corolla por quem o dirigiu nas pistas e com toda a capacidade de otimização dinâmica que o sistema GR Four proporciona — e que falta ao Civic Type R, ainda que este seja 50 kg mais leve.
Não arrisco nenhuma aposta, mas tenho a impressão de que o GR Corolla é favorito neste jogo.
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