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Car Culture

Como transformar dois Honda K24 em um V8 de 600 cv e 10.000 rpm?

Algumas pessoas nasceram para forçar limites e quebrá-los. Para tentar o que ninguém nunca tentou, só porque ninguém nunca teve coragem de tentar. E, no fim, às vezes essas pessoas conseguem criar coisas realmente incríveis – mesmo que, na verdade, sua verdadeira motivação seja algo muito maior.

Craig Williams parece ser uma dessas pessoas. Ele não é famoso e provavelmente nunca vai ser – não no sentido tradicional da palavra. Mas, em pleno 2021, ele está trabalhando em um novo motor V8 para project cars – e está fazendo tudo sozinho. E não se trata de um motor qualquer, mas de um V8 criado a partir de dois motores Honda K24… ou melhor, de seus cabeçotes.

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O engenheiro mecânico de Scottsdale, Arizona está às voltas com o projeto há cinco anos, e decidiu embarcar nessa como uma forma de clarear as ideias, testar suas próprias capacidades e, talvez o mais importante, encontrar um pouco de paz em meio ao tratamento de uma doença crônica debilitante, que o fez ficar preso a um respirador por duas horas, todos os dias. Craig decidiu que faria desse tempo algo útil – levou o respirador para a oficina e começou a trabalhar.

Mas vamos tomar cuidado para não deixar a condição de Williams chamar mais atenção que o motor em si – ele próprio não faz questão nenhuma de ficar falando sobre seus problemas. Em sua página no Instagram, a Neutron Engines, Williams posta atualizações frequentes sobre o motor, batizado K48, e alguns insights interessantes sobre as várias características do propulsor.

Em entrevista ao site Hagerty, Williams conta que há muito tempo sonha em transformar “dois motores em um só”. A princípio, sua ideia era criar um flat-12, usando dois blocos BMW e um virabrequim Bentley como ponto de partida, e colocá-lo em uma Ferrari Testarossa – um supercarro que, na opinião do engenheiro, seria muito melhor aproveitado com um motor moderno, mais potente e confiável.

Loucura, não? Pois Craig pensou a mesma coisa – não só pelo motor em si, mas porque seria preciso ter um carro grande e exótico para aproveitar todo o seu potencial. Então, ele decidiu colocar os pés no chão. Agora, se o conceito de “pés no chão” que Williams tem é pegar dois cabeçotes de Honda K24, projetar um bloco novo do zero, juntar tudo e fazer funcionar… aí é com ele.

Ao Hagerty, Williams relatou que considerava algumas possibilidades diferentes quanto ao projeto-base. Primeiro, ele colocou na balança – figurativamente – o F20C do Honda S2000, conhecido por ser um dos aspirados de maior potência específica da história; e o 4G63 do Lancer Evolution, um motor relativamente fácil e barato de encontrar nos Estados Unidos, e que também tornou-se um dos favoritos dos preparadores por seu imenso potencial. Contudo, o F20C tinha a desvantagem de pertencer a um dos esportivos mais valorizados e procurados dos Estados Unidos – com um enorme catálogo de componentes aftermarket, sim, mas também com preços elevados pelo próprio status do S2000 como colecionável.

O problema do 4G63 era outro. “Ele é um motor turbo com bloco de ferro fundido, e eu tinha a impressão que um cabeçote Honda para um motor aspirado seria uma escolha mais sensata”, contou Craig à publicação. E foi aí que ele lembrou do K24. Por aqui ele não é um motor extremamente acessível e abundante, mas nos EUA houve um punhado de modelos da Honda e da Acura equipados tanto com o K20 quanto com o K24 nos anos 2000 e 2010.

De lá para cá, a ideia mudou e Craig começou a fazer experiências com turbocompressores, mas a essência do projeto é a mesma.

Engana-se, porém, quem pensa que foi só “juntar dois K24 pelo virabrequim” – uma noção simplificada e muito difundida, porém errônea. Apenas os cabeçotes do K24 foram aproveitados em sua integridade, pois os cabeçotes são justamente a parte mais complicada de se projetar em um motor (especialmente quando não se é uma fabricante com toneladas de recursos técnicos e financeiros). A geometria é extremamente complexa e requer uma série de testes, alterações e mais testes e mais alterações. Usar cabeçotes prontos, além de tornar as coisas mais rápidas, reduz bastante o custo de pesquisa e desenvolvimento.

O bloco, claro, usou certos elementos do K24 como ponto de partida – a estrutura interna, o desenho das galerias, a superfície do deck (onde acontece o “casamento” com o cabeçote) e outros elementos mais especializados. Mas não é só juntar dois blocos e torcer para que o novo virabrequim faça seu trabalho magicamente, sincronizando as duas “metades”. Não, não!

Para o esquema funcionar, os dois cabeçotes precisariam ficar em sentidos opostos – ou seja, um deles virado “para trás” e o outro “para a frente”, de modo que os dutos de admissão e escape ficassem posicionados de forma simétrica. Inicialmente, Craig pensou em adotar o esquema tradicional, com a admissão em cima, no meio do V, e os escape embaixo, para fora. Só que isso envolveria colocar as correias sincronizadoras em uma posição na qual uma delas ficaria com o tensionador hidráulico apoiado em uma região relativamente frágil do bloco – o que, a longo prazo, certamente causaria danos estruturais. A solução foi transformar o motor em um hot-V, com a admissão embaixo e o escape em cima. Com isso, o tensionador da corrente sincronizadora foi instalado em uma posição bem mais adequada.

Outro quebra-cabeça foram as partes móveis. Com o dobro de pistões e bielas, teve de ser feito sob medida – até aí, tudo bem. O problema é que, sendo um motor de virabrequim plano com oito cilindros, a ordem de ignição modifica completamente o funcionamento do motor. Em um virabrequim de plano cruzado, com o movimento dos pistões e bielas cancela naturalmente boa parte das vibrações, com movimentos opostos dos pistões subindo e descendo acontecendo a cada quarto de volta (90°)do virabrequim.

Com o virabrequim plano, os movimentos opostos acontecem a cada meia volta (180°). Sem poder recorrer a contrapesos, Craig teve de reduzir a massa da rotating assembly (o conjunto de pistões, bielas, virabrequim e demais componentes) o máximo possível. É o que as fabricantes fazem – e é uma das razões para que os motores em V giradores terem pouco curso e cilindros de maior diâmetro: isso ajuda a reduzir a inércia rotacional e, de quebra, permite que o motor seja mais girador e suave.

No caso do motor desenvolvido por Craig – que, reiterando, trabalha sozinho com muito menos recursos – a solução foi empregar componentes de titânio feitos sob medida: bielas, que pesam 374 gramas cada; pistões, cada um com 265 gramas cada; e pinos que pesam só 77 gramas. Com isso, mesmo com curso mais longo, de 99 mm, e diâmetro de 90 mm, as vibrações do virabrequim são bastante aceitáveis – e tudo foi feito com a ajuda de uma empresa britânica chamada Arrow Precision, que também fez algumas alterações no desenho de algumas peças para garantir a maior integridade estrutural possível.

No fim das contas, chega a ser injusto dizer que se trata de um motor K24 em dose dupla, ainda que o próprio Craig tenha batizado seu V8 de “K48”. Na verdade, sequer o deslocamento permaneceu o mesmo: agora, com as novas medidas de diâmetro e curso, o motor desloca cerca de cinco litros. Craig até já calculou o rendimento do motor – sem indução forçada, ele deve render algo acima dos 600 cv, com redline perto das 10.000 rpm.

Por ora, o objetivo é concluir o primeiro motor e fazê-lo funcionar. Depois, o plano é viabilizar a produção em série, mesmo que limitada, do Neutron K48 – que, segundo Craig, pode ser uma alternativa interessantíssima para quem procura um V8 para swap: mais leve que um V8 Coyote ou um Voodoo (o motor do Mustang GT350, carro que o próprio Craig tem na garagem), apesar do deslocamento e do rendimento semelhantes. Aliás, o engenheiro garante que se trata de algo bem diferente de qualquer motor americano de oito cilindros moderno.

Claro, já existem motores prontos nessa pegada – e até menores e mais estúpidos, como o motor V8 de John Hartley, o H1, que é feito com dois motores de Suzuki Hayabusa e foi uma das inspirações de Craig Williams. Mas algumas pessoas só querem fazer as coisas por conta própria, pois não vêem graça em comprar pronto. “Built, not bought”, como dizem por aí.