Ninguém nasce gearhead. As pessoas aprendem a gostar de carros com o tempo — uns mais cedo, logo na primeira infância, outros durante a adolescência e alguns até mesmo depois de adultos. Pode ser por influência dos pais, por conta de um acontecimento marcante, ou gradualmente, à medida em que você vai conhecendo melhor e vivendo experiências positivas a bordo de um carro ou por causa deles.
No meu caso, passei boa parte dos meus 35 anos na estrada. Não sou caminhoneiro, nem meu pai, nem meu avô. Na verdade, nenhum familiar muito próximo se interessa pelos carros. Meu avô paterno foi dirigir depois dos quarenta, e pendurou as chaves quando eu tinha cinco anos. O outro, era o motorista mais distraído que já conheci, daqueles que entram na contra-mão e perguntam por que estão todos buzinando.
Com meus pais a história foi um pouco diferente. Ambos aprenderam a dirigir cedo e aprenderam bem. E depois tiveram um bom motivo para praticar: a família espalhada. Um lado é paulista, outro catarinense, e mesmo a viagem de avião incluía um trecho de estrada, afinal, os avós paternos estavam a 120 km de Guarulhos e os maternos a 60 km de Navegantes. Viajar de carro é algo que faz as crianças aprenderem a gostar de viajar e a gostar de carros.
E foi assim que eu cheguei à pré-adolescência interessado por eles. Quem pegou os primeiros anos do plano Real certamente lembra como os modelos em escala eram relativamente baratos. Consegui montar uma garagem em escala 1:18 e 1:24 na estante do quarto, e levava para casa todas as revistas de carros que meu pai topava comprar para mim. Foi nessa época que comecei a conhecer melhor os modelos mais especiais que os carros que eu via nas ruas, a ponto de montar minha garagem dos sonhos de adolescência — a garagem imaginária que me fez gostar de verdade dos carros.
O primeiro foi o Escort XR3 conversível. A quinta geração havia acabado de ser lançada e parecia muito moderna na época. Era um carro que me fascinava, e eu gostava da combinação que tinha a cara da época: branco pérola (bege nevada) com a capota vinho. Os bancos Recaro eram incríveis e o sistema de áudio com equalizador gráfico era algo que eu nunca tinha visto em um carro. Era realmente parecido com aqueles das revistas europeias.
Depois foi a vez do Uno Turbo. O carro saiu e, como qualquer moleque de 11 anos, eu fiquei louco por ele. Turbo, com aqueles para-choques agressivos, e também com uma cor que era a cara do início dos anos 1990 — e continua assim: amarelo Exploit (embora o preto também fosse bem interessante). Eu dizia que era o carro que eu teria aos 18. Paixão de adolescente. Também não me casei com a garota da escola naquela época, então acho que está tudo bem.
Nessa época conheci o tal Escort RS Cosworth. Não lembro se era amplamente divulgado o fato de Cossie ser um Sierra com carroceria de Escort, mas para mim era a versão ideal do carro do meu pai, que tinha um Escort GL. Não tinha como não gostar do Cossie: era como um super XR3, um negócio insano, com turbo, tração integral e um spoiler duplo, exatamente como nas fotos do WRC.
Falando em WRC, também foi nessa época que o Sega Rally Championship deu as caras por aqui e eu tive contato pela primeira vez com o Toyota Celica Castrol e com o Lancia Delta HF Integrale Evoluzione Martini. Até gostava do Celica, mas era o Lancia que fazia minha cabeça. Quando vi o quadro de instrumentos dele pela primeira vez em alguma revista estrangeira fiquei fascinado com a posição das escalas do velocímetro e do conta-giros. Por que cazzo não tínhamos Lancia no Brasil?
Aí no ano seguinte aconteceram duas coisas que me pegaram de jeito: a revista Quatro Rodas ia comemorar seus 35 anos com o sorteio de nada menos que uma Ferrari F355 Berlinetta. É claro que eu mandei meu cupom, é claro que eu fantasiei muito com a chance de ganhar o carro do pôster, e é claro que eu não ganhei a bendita Ferrari. Talvez o fato de ter sido hipnotizado por ela durante uns bons meses daquele ano tenham feito dela uma de minhas Ferrari favoritas.
Melhor ainda: um ricaço da cidade, comerciante de maquinário têxtil, havia comprado uma dessa e era razoavelmente fácil topar com a 355 Berlinetta nas ruas e estradas da região. Na primeira vez, vejam só, eu estava voltando da praia com meu avô, o distraído, quando o cara nos ultrapassou rasgando a reta e desapareceu.
Se me perguntarem hoje qual a minha Ferrari favorita, só não vou dizer que é a F355 Berlinetta porque havia uma outra que me atrai ainda mais: a 456 GT. Sim, a V12 de quatro lugares. Por alguma razão eu acreditava que aquela Ferrari poderia ser usada por uma família como a minha. Ainda hoje gosto dela, mas na versão pós-facelift, a 456M, com os faróis auxiliares circulares e a grade reestilizada.
Houve ainda dois modelos que eu vi chegar ao Brasil, que eram relativamente comuns na cidade e que eu sempre parava para ver passar: o Fiat Coupé e o Mustang GT. Basicamente foram estes seis carros que fizeram muito a minha cabeça nessa época em que a gente começa a gostar das coisas que nos definem quando adultos.
Claro, havia muita coisa bacana na época, mas foram coisas que conheci mais tarde, por causa destes seis carros. De bate-pronto posso citar o BMW 850CSi, o Bugatti EB110, o McLaren F1 claro, o Lamborghini Diablo o Porsche 959 e a Ferrari F50.
Agora, um lado curioso desta fase é que, como eu obviamente não dirigia e viajava muito com meus pais e meus dois irmãos, passei muito tempo vendo catálogos e revistas de alguns modelos nem um pouco entusiastas, só porque era legal imaginar a família viajando “americanamente” naqueles carros: Chevrolet Lumina que eu também encontrava na rua às vezes), Chrysler Grand Caravan/Town Country, Ford Taurus de segunda geração, Grand Cherokee e Volvo 850.
Infelizmente nunca dirigi nenhum destes carros, embora tenha conhecido de perto e pegado uma carona em dois dos mais raros: o Bugatti e a Ferrari F50. E, confirmando o ditado que fala sobre nunca conhecer seus heróis, não foi uma experiência tão emocionante quanto eu esperava porque acabei descobrindo que não caibo na F50. Ao menos não na posição necessária para dirigir o carro.
A maior ironia de todas é que a passagem do tempo refina nossos gostos e, por isso, hoje minha garagem dos sonhos seria diferente. Teria a F355 Berlinetta e a 456M. O XR3 eu teria a versão fechada e trocaria o AP pelo Zetec 2.0. Não faria questão do Cossie, mas do Lancia Delta HF Integrale Evo eu não abro mão. O Honda NSX original seria o único japonês, e eu também incluiria um Alfa Romeo dos anos 1990. Mas isso é algo que pretendo falar em outro post.