Talvez você tenha encarado o Volkswagen Up! somente como um hatch popular com um desempenho pra lá de divertido — e você tem razão nisso. Mas o lançamento da Volks representa algo muito maior: ele marca o início da popularização do downsizing no Brasil. E retoma a iniciativa pela indústria nacional, abandonada pela mesma Volkswagen depois do Gol 1.0 Turbo. Não, a marca alemã não irá revolucionar o mercado sozinha, mas ela foi a primeira a trilhar o caminho que diversas outras empresas andam preparando.
Além da Volks, pelo menos outras cinco fabricantes preparam a construção de motores turbinados no Brasil. Pode não parecer novidade, mas é. Excluindo o Gol 1.0 Turbo, do começo da década passada, os demais modelos sobrealimentados por turbo fabricados no Brasil usaram motores importados. Pode citar qualquer um: Fiat Uno Turbo, Tempra Turbo, Marea e Marea SW Turbo, Punto, Linea e Bravo T-Jet, VW Golf GTI, Audi A3, Renault Fluence GT, Peugeot 2008, 308, 408 e os Citroën C4 Lounge, DS3, DS4 ou DS5. Tudo de fora.
Com o Inovar-Auto e a exigência de mais eficiência energética, não havia outro caminho que não o de adotar turbo nos motores feitos aqui ou renovar todos eles. Ao entrevistar o diretor-geral da Honeywell, Christian Streck, no ano passado, ele me disse que os turbos nacionais só começariam a aparecer em 2016, mas que, em 2018 ou 2019, a única maneira de atender às novas regras seria com a adoção de turbos. Streck certamente se referia a sua própria empresa, com a qual três fabricantes mantinham conversas firmes de fornecimento.
A Borgwarner acabou se antecipando à concorrente. E com muito investimento: mudou de Campinas para Itatiba/SP para poder ampliar sua capacidade de produção de turbocompressores. Foram investidos R$ 70 milhões na mudança, para uma capacidade anual de até 500 mil turbos leves por ano. Fornecedor nenhum faria um investimento deste porte para atender apenas uma empresa. Além da Volkswagen, a Borgwarner deve fornecer seu turbo B01 também para a PSA, dona das marcas Peugeot e Citroën, que fabricará, segundo a Automotive Business, o motor 1.2 de três cilindros EB PureTech em Porto Real, no Rio de Janeiro.
Este novo motor, que rende entre 110 cv e 130 cv, na Europa, pode ter uma versão de cilindrada menor por aqui, para aproveitar o IPI mais baixo, equipando versões mais em conta do Citroën C3 e do Peugeot 208. E o 1.2 turbo pode substituir com folga os motores 1.5 e 1.6.
A Honeywell, por sua vez, investirá entre US$ 5 milhões e US$ 10 milhões para fabricar no Brasil os modelos NGT10 e NGT12, voltados a motores flex, em sua unidade em Guarulhos, que ocupa apenas 30% do terreno que tem disponível. É o que explica o investimento ser tão menor que o da Borgwarner, além de não haver a necessidade de mudar de fábrica. Os volumes iniciais de produção, estimados em 100 mil unidades por ano para compensar o investimento, também ajudam a entender.
Um dos possíveis clientes da Honeywell é a GM, com sua nova linha de motores de três cilindros, que devem ser produzidos na fábrica de Joinville. Quem também deve receber as turbinas é o motor da segunda geração do Cruze.
Atualmente importado da Coreia do Sul, ele será fabricado na planta de Rosario, na Argentina. Fruto do projeto Phoenix, ele equipará o novo Cruze, que também será feita por lá. Fala-se no 1.4 de 152 cv, mas o pessoal do Argentina Autoblog, que acompanha isso muito mais de perto, crava que o motor será 1.5, com 160 cv, o que faz sentido para um sedã médio em nosso mercado. O torque em baixa tem de ser mais expressivo.
Outra que deve comprar turbocompressores da Honeywell é a Ford. Mas eles não equiparão o motor 1.0, a princípio. O escolhido será um 1.5, também de três cilindros, da família Dragon, como adiantaram os amigos do site Autos Segredos. Ele será usado para substituir os atuais 1.5 e 1.6 de quatro cilindros da marca, com potência estimada em 130 cv. Mas é capaz de ir muito mais longe, com potências de até 184 cv, até agora, o que o colocaria também como ótimo substituto do 2.0 Duratec.
Existe a possibilidade de o 1.0 da marca se tornar um EcoBoost? Tudo vai depender de como o mercado brasileiro reagirá ao up!. Se ele vender bem, a Ford pode antecipar os planos, mas tudo indica que ela fará uma aposta mais conservadora, trazendo primeiro o motor 1.5 turbo de três cilindros, que será vendido em um segmento de mercado menos sensível a preço, para depois voltar seus olhos aos modelos de entrada.
Por fim, quem também deve ter turbinas Garrett, fabricadas pela Honeywell, em seus motores é a Honda. A estreia do novo motor, um 1.5 de quatro cilindros, deve acontecer com a chegada da nova geração do Civic, esperada para 2016, como também já antecipamos. Ele será o substituto dos motores 1.8 e 2.0 atuais, rendendo algo entre 190 cv e 225 cv. Mas a Honda não deve parar por aí.
O substituto do motor 1.5 do Honda Fit deve ser um 1.0 de três cilindros turbinado, que será adotado no mundo inteiro. Ele terá cerca de 130 cv e torque na casa dos 20 mkgf. Os dois motores terão injeção direta, como o 1.0 TSI da Volkswagen.
Como dissemos, o motorzinho que agora temos entre nós é só o primeiro fio de água escapando da barragem. Depois dele, vem uma enxurrada novos produtos com alta tecnologia, grande rendimento energético e capazes de colocar o Brasil em sintonia com o restante do mundo. Olivier François, CEO da Fiat, disse à Automotive News Europe que a culpa de a marca não ter um carro mundial é do Brasil. Talvez essa onda de renovação nos reserve um lugar melhor no mundo. E uma culpa a menos para carregar.