Você já deve ter ouvido dizer que “potência é quão rápido você bate no muro e torque é quão longe você leva o muro”. Para muita gente esta é a definição mais simplificada para explicar o que é torque e potência. É uma analogia simples mesmo. Mas tem um problema: ela está errada.
Começando pelo final, ela está errada porque o torque não tem nada a ver com o pobre muro. Quem é responsável por levar o muro mais longe é a… potência. E de forma indireta.
Para entender o problema desta analogia, precisamos voltar às aulas de física do ensino médio, aquelas em que muita gente nem dava bola porque nenhum professor pensou em usar um motor de carro como exemplo prático.
Foi nelas que nos ensinaram que potência é a grandeza que determina a rapidez com a qual o trabalho é realizado, e que trabalho é a transferência de energia pela aplicação de força ao longo de um deslocamento.
Esse é o jeito chato de explicar. O jeito simples é imaginar um carro com a bateria descarregada sendo empurrado para pegar no tranco.
Quando você empurra o carro, está transferindo energia para ele por meio da aplicação da sua força. Como você aplicou força e ele andou, você tem o trabalho.
Agora, como você empurrou sozinho, esse trabalho não foi feito muito rapidamente. Mas… como seria a realização desse trabalho se um grupo de dez pessoas empurrasse o carro? Seria muito mais rápido porque você aplicou mais força.
E o que é potência? É a rapidez com a qual um trabalho é realizado. Ou seja: cinco pessoas têm mais potência que uma pessoa.
No motor, as pessoas (força aplicada) são a combustão nos cilindros. O carro é o pistão. E o embalo do carro sem bateria (trabalho) é a volta do virabrequim.
Só que no motor a força aplicada tem outro nome: torque.
Em palavras simples, torque é o equivalente rotacional da aplicação de força linear. Se você quer empurrar algo em linha reta (o carro sem bateria) é força, se você quer fazer algo girar, essa aplicação de força passa a se chamar torque. Quando você pedala uma bicicleta, você está aplicando torque sobre o pedivela.
Torque é simplesmente a força rotacional. Ele surgiu a partir dos estudos de Arquimedes sobre alavancas. Você aplica força sobre uma ponta da alavanca e ela faz algo na outra ponta girar. Quanto mais próximo do ponto de apoio (o que você quer rotacionar), mais força você precisará aplicar, quanto mais longe, menos força será necessária.
É por isso que os carros antigos sem assistência de direção têm volantes de grande diâmetro. Quanto maior o diâmetro, maior o raio, maior a alavanca, menor o esforço.
Torque, portanto, é o resultado da força aplicada a um comprimento de alavanca. É por isso que o medimos em quilograma-força-metro (kgf*m) ou Newton-metro (N*m): torque = força * comprimento.
Como as alavancas são de tamanhos variados (um guindaste tem 15 metros, um pedivela tem 30 cm e um virabrequim tem 70 mm), a necessidade de padronização de uma unidade usa a base do sistema métrico: o metro. Então a medição do torque é baseada em uma alavanca hipotética de um metro. Ou seja: 25 kgfm, significa que a força é equivalente a uma aplicação de 25 kgf sobre esta alavanca-referência de um metro. 250 Nm significa que há uma força de 250 Newtons sobre uma alavanca de um metro.
Voltando ao exemplo do carro sem bateria: torque é a força aplicada ao carro. Trabalho é a movimento do carro por esta força. Potência é a rapidez com a qual o carro se movimenta — ou quanto ele anda em determinado tempo.
Só que a trajetória do virabrequim não é linear, e sim uma rotação. Então a força aplicada a ele será o torque. O trabalho será a rotação do virabrequim, e a potência será a rapidez com a qual esse torque realiza o trabalho de girar o virabrequim.
Rapidez é velocidade: quanto tempo algo leva para percorrer alguma distância. A distância aqui é a volta completa do virabrequim. E o tempo pode ser qualquer unidade, mas convencionamos usar minutos porque a rotação é medida em graus. A velocidade desse trabalho é medida pelo número de voltas que o virabrequim dá em um minuto. Ou quantas rotações por minuto.
Então a potência do motor é a quantidade de voltas que a força aplicada sobre o pistão (torque) consegue fazer o virabrequim girar. A multiplicação do torque do motor pela rotação que ele produz o é que determina a potência.
É por isso que aquela ideia de que você sente o torque quando seu corpo cola no banco está errada. O que sentimos ao volante com os movimentos do carro é apenas a potência, porque o movimento só existe com referência de alteração da distância. E se há alteração da distância, há velocidade. E a velocidade com a qual um trabalho é realizado é… potência.
Agora você talvez esteja se perguntando: por que a curva de torque e potência não são paralelas, já que a potência é resultado do torque e da velocidade do motor? Pelo mesmo motivo que você só precisa de muita força para começar a empurrar o carro sem bateria. Depois que ele atinge uma certa velocidade, você precisa de menor aplicação de força para mantê-lo em movimento ou para empurrá-lo mais rapidamente.
Pense na bicicleta: a primeira pedalada é mais forte. Depois que você já está pedalando rapidamente, a força exigida para pedalar é menor.
Depois de certa velocidade do motor (rpm), você precisa de menos torque para mantê-lo girando ou fazê-lo girar mais (ou seja: para aumentar a velocidade do trabalho). É por isso que a curva de potência sobe mesmo durante o decaimento da curva de torque em altas rotações.
Agora… o fato de você não sentir o torque não significa que não seja importante conhecê-lo. Na verdade, é mais importante conhecer a curva de torque do que a potência máxima, porque a curva de torque mostrará quando o motor tem mais capacidade de produzir potência, que é o que você precisa.
Infelizmente as curvas de torque estão cada vez mais difíceis de se encontrar, mas mesmo com o número máximo e a rotação à qual ele é produzido, já é possível saber quando o motor tem a maior capacidade de gerar potência. É por isso também que algumas fichas técnicas falam em “70% do torque máximo disponível a 2.500 rpm”, por exemplo. Isso significa que você já tem uma boa produção de potência em 2.500 rpm. Da mesma forma uma “curva plana” de torque (se é plana não pode ser curva, não é mesmo?) indica que a capacidade de produzir potência é regular ao longo da faixa de rotações.
Portanto, a ideia de que existe uma diferença entre potência e torque é equivocada desde sua premissa, porque elas são fundamentalmente duas coisas completamente diferentes, mas interdependentes. O que você precisa entender é como elas se relacionam e como isso define o comportamento do motor.
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