Para quem enxerga os carros como eletrodomésticos — ou seja, os não-entusiastas —, o Honda Civic é um bom carro para uso diário. Agora, para seus fãs, mesmo as versões comuns, sem apelo esportivo, podem ser divertidas. Desde a década de 1980, o modelo mais popular da Honda é conhecido por sua boa dinâmica, mesmo para um tração-dianteira, e pelos motores espertos e receptivos à preparação. Mas será que o mesmo vale para a primeira geração do Civic, lá da década de 1970? No que depender do carinha aí em cima, a resposta é sim.
A primeira geração do Civic foi lançada em 1972. Era um subcompacto, equipado com um pequeno quatro-cilindros de 1,1 litro e 50 cv. Sim, é pouco, mas ele pesava só 680 kg e tinha suspensão independente nas quatro rodas — quem já dirigiu um hatchback leve com esta configuração sabe que, mesmo sem potência a rodo, já dá para se divertir. E foi pensando nisso que o entusiasta francês Georges Champomier decidiu transformar sem exemplar em um monstrinho de pista.
É o tipo de projeto que todo entusiasta já sonhou em fazer, certamente: pegar um carrinho mais velho, colocar nele um motor maior e mais potente, da mesma fabricante, preparar a suspensão, aliviar o peso e dar a ele um visual mais invocado e com personalidade própria.
No caso de Georges, que passou quase dez anos lidando com o projeto, isto se traduziu em descolar o motor D16 de um Honda CR-X de segunda geração, fabricado entre 1987 e 1991. Mais precisamente, um D16A9, com comando duplo no cabeçote (sem VTEC), 130 cv a 6.800 rpm e 14,5 mkgf de torque a 5.700 rpm. Georges diz que modificou os componentes internos originais do motor e, quando precisou substituir alguma coisa, utilizou apenas peças originais Honda. Ele não foi muito radical — a potência agora, segundo ele, é de 135 cv, e o torque também não aumentou muito. O câmbio do carro também foi cedido pelo CR-X.
Ainda que 130 cv em um moto de 1,6 litro naturalmente aspirado feito há quase 30 anos sejam algo notável (é este o patamar dos motores 1.6 atuais vendidos no Brasil), fora de contexto, não parece muito. Agora, você precisa lembrar que é quase o triplo da potência original do Civic Mk1, e que Georges ainda abaixou o peso do carro em 30 kg trocando o capô por uma peça de fibra de vidro e aliviando o interior.
O novo coração foi instalado no carro em 2008 (que há oito anos, só para você se sentir velho), época em que tinha um visual bem mais civil. O vídeo abaixo mostra o primeiro teste do carro — e o ronco de um quatro-cilindros Honda sem abafador, com escape direto, é algo que os fãs da marca sempre vão apreciar. Mesmo que, na época, o projeto ainda estivesse “cru”.
De lá para cá a evolução foi constante. Georges desenvolveu e instalou sozinho as modificações na carroceria e na suspensão do carro. Ele fez os para-lamas alargados, trocou a suspensão original e os freios dianteiros pelo conjunto do Honda Concerto (uma versão do Civic desenvolvida nos anos 1980 para o mercado europeu, em parceria com a Rover), instalou os freios traseiros do Honda CR-X e desenvolveu o kit aerodinâmico que vemos hoje no carro.
Ele acertou a geometria da suspensão (a cambagem negativa na dianteira definitivamente não é um caso de stance) e modificou os para-lamas dianteiros com saídas de ar, uma de cada lado, a fim de ajudar a escoar o ar quente do radiador de óleo.
O visual não ficou impecável e não é o tipo de coisa que se costuma ver aos montes na internet, com forma e função em perfeita harmonia. O Civic de Georges tem adesivos de patrocinadores, amassados nos para-lamas, parafusos aparentes e alguns detalhes de acabamento quebrados. É até por isso que a maioria das fotos que Georges coloca em seu blog, Papot’s Garage, são do carro na pista, e não estacionado em algum encontro. Seu Civic foi feito para acelerar. E acelerar forte.
Neste vídeo do Carthrottle (que foi onde encontramos o carro pela primeira vez), isto fica bem claro. Georges leva Alex Kersten para uma carona no Nürburgring Nordschleife e demonstra que conhece muito bem o carro que tem — ele consegue reagir a cada movimento, a cada traseirada, a cada irregularidade do piso.
Georges ainda consegue percorrer o circuito na casa dos nove minutos — um tempo para lá de respeitável para um carro de 135 cv. Para se ter uma ideia, a primeira geração do Ford Focus RS, que tinha um motor 2.0 turbo de 212 cv, percorreu o Nürburgring em 9:05 minutos em 2005. E, bem, estamos falando do Inferno Verde, que o próprio Georges diz ser o circuito que mais o assusta.
E ele conhece circuitos. Desde que o carro ficou pronto, ele já o levou para diversos circuitos na Europa e até colocou o Civic em um barco para o Japão, onde acelerou em Tsukuba e Ebisu. Tudo devidamente documentado em seu canal no Youtube.
E assim, voltamos a falar de sonhos entusiastas — Georges construiu seu próprio carro e já correu o mundo com ele, acelerando em circuitos que todos nós já quisemos visitar. E não precisou de mais que 135 cv para isto. Se você não ficar inspirado com a história deste carro, não sabemos o que pode te inspirar.
Fotos: Papots Garage/Georges Champomier