Junho de 2014. Ypres Rally, na Bélgica. O piloto Robert Consani e seu navegador, Maxine Vilmot, se aproximam da linha de chegada no último dia do evento. Então, um incêndio começa na parte traseira do carro e não demora a atingir o cockpit. O que Consani faz? Continua acelerando até o final.
São alguns segundos angustiantes:
Você pode imaginar que isto seja uma prova de coragem — afinal, é preciso ter colhões de aço para continuar pilotando com fogo dentro do carro, não é mesmo? Mais tarde, em sua página no Facebook, Consani explicou o incidente:
O rali acabou para nós. No começo do Estágio Especial 6, uma peça na traseira do carro quebrou e ficamos com tração em apenas duas rodas. Depois de 3/4 do estágio percorridos, a traseira começou a pegar fogo e paramos para apagar. Depois de conversar com a equipe pelo telefone, decidimos seguir em frente, mas 500 metros antes da linha de chegada as chamas voltaram e invadiram o carro. Decidimos ir até o ponto de parada para pegar todos os extintores de incêndio possíveis.
Entre a chegada e o ponto de parada a situação ficou insustentável e tivemos muita dificuldade em sair do carro. Fizemos de tudo para apagar o fogo. Agradecemos a todos os fiscais e também aos pilotos que pararam e nos deram seus extintores.
Estamos com algumas queimaduras e inalamos um pouco de fumaça, mas nada sério. Obrigado a todos os fiscais e pilotos que nos ajudaram hoje. Devemos umaa vocês, caras.”
Acontece que esta coragem está mais para irresponsabilidade, e nós já vamos explicar o motivo:
No fim das contas, mesmo cruzando a linha de chegada, Consani e Vilmot acabaram desclassificados e, atualmente, a dupla é a nona colocada no Campeonato Europeu de Rali (ERC), do qual o Ypres Rally faz parte. Eles tiveram coragem, sim, por decidir continuar a prova mesmo depois do incêndio, mas esta também foi uma atitude extremamente irresponsável — eles deveriam ter parado imediatamente, mesmo que faltassem 100 metros para chegar ao fim da prova.
O motivo é simples de entender: o fogo pode se espalhar rápido pelo carro e, mesmo que não atinja os ocupantes, pode levar a uma sequência mortal de acontecimentos. Imagine que o fogo começa no assoalho do carro e atinge as linhas de freio, aquecendo o fluido. O fluido aquecido fica menos viscoso, o que pode ocasionar perda de pressão e, dependendo da temperatura, até mesmo anular o funcionamento dos freios por alguns instantes.
Por esta razão é extremamente importante que se pare imediatamente o carro, a fim de tentar extinguir o incêndio ou ao menos chegar a um local seguro o mais rápido possível. Caso contrário, a situação pode ir de controlável a potencialmente fatal em questão de segundos. Tomemos como exemplo o caso do piloto brasileiro Tuka Rocha, que se viu em uma situação assim em 2011, durante uma corrida da Stock Car no Autódromo Internacional Nelson Piquet, no Rio de Janeiro.
O fogo tomou o carro de Tuka em poucos segundos — antes disso, o piloto acreditava que a perda de tração na traseira havia sido causada por um pneu furado. Já sem freios — ou seja, sem condição de parar o carro — ele teve que pensar rápido e decidiu saltar do carro em movimento, algo que já é bem difícil em um carro com cintos e bancos de competição e gaiola mesmo sem fogo. Ele desmaiou depois da queda por inalar fumaça demais — mas poderia ter sido pior: ele poderia ter desmaiado dentro do carro e morrido queimado ou por asfixia.
O caso do piloto de rali francês foi diferente, e ele não parou porque não quis parar — e só o fez por que estava próximo à linha de chegada, onde conseguiu ajuda. Se não fosse por isso, sua coragem irresponsável poderia ter lhe custado a vida.