Dentre as seleções de roncos de motor mais bonitos de todos os tempos, quase sempre uma intrusa de duas rodas aparece no meio dos carros: a Honda CB750, conhecida no Brasil como “Sete Galo” por causa dos números do jogo do bicho – o galo é o nº 50. Por aqui, ela começou a ser vendida praticamente em sincronia com o resto do mundo, em 1969, e logo se tornou referência entre as motos com motor de alta cilindrada (o que, nos carros, chamamos de deslocamento).
O motor da Sete Galo era um quatro-cilindros em linha de 736 cm³ (diâmetro × curso de 61×63 mm) com comando simples no cabeçote(SOHC), oito válvulas, 67 cv a 8.000 rpm e 6,1 mkgf de torque 7.000 rpm, com câmbio de cinco marchas. Com isto, a moto de 218 kg era capaz de chegar aos 190 km/h sem dificuldades. No entanto, há quem diga que o principal apelo da Honda CB750 é o ronco produzido pelas quatro saídas de escape:
CB750 no Reino Unido. No Brasil é bem mais fácil encontrar vídeos com o ronco da CB750 F, com escape 4×1. O ronco é diferente, mas também é muito bonito:
Por outro lado, é quase um crime reduzir a importância da CB750 a seu ronco musical. Afinal, ela é conhecida pelos entusiastas do motociclismo como “a moto do século”, e há algumas boas razões para isto. Para começar, ela foi a primeira das motos japonesas de maior cilindrada a ficar realmente popular. Antes dela havia as Harley Davidson e Indian nos EUA, e marcas extremamente populares na Europa, como Triumph, Norton, MV Agusta e BMW. A ideia era criar uma moto para competir em nível global, primeiro vencendo nas pistas para depois cair no gosto do público. Os Estados Unidos eram um dos alvos principais na ofensiva, e era preciso ter estilo, potência, boa ciclística e, talvez o mais importante, a confiabilidade pela qual as motos da Honda eram conhecidas. Além, é claro, de diversas inovações.
O próprio motor de quatro cilindros, por exemplo, era uma delas: a configuração ainda não era muito comum, e a própria Honda tinha no dois-cilindros de 444 cm³ e 43 cv da CB450 seu maior motor – que ainda não era suficiente para vencer corridas contra as Harley e Triumph. Ele ainda tinha diversas características únicas, como a árvore de transmissão o acionamento do comando de válvulas que eram ligados ao centro do virabrequim, e não a suas extremidades, evitando que o motor fosse excessivamente largo; o próprio virabrequim, que era forjado; e o sistema de lubrificação por cárter seco, mais eficiente e seguro pois eliminava o reservatório perto do chão.
Além disso, o visual da moto era matador: o tanque, arredondado e mais estreito que o motor, tornava a posição de pilotagem mais confortável e deixava seu estilo mais imponente e bem proporcionado. Os cromados não sobravam e nem faltavam, e os quatro canos de escape eram o toque final.
Todas estas características já estavam presentes nos quatro primeiros protótipos feitos pela Honda. Estas quatro motos foram fabricadas de forma artesanal para serem exibidas quase simultaneamente em quatro locais diferentes: a pista de testes da Honda no Japão; Nürburgring, na Alemanha; o circuito de La Sarthe, na França, e o Salão de Brighton, na Inglaterra. Destas quatro, apenas duas têm seu paredeiro conhecido.
A moto dourada que aparece em algumas destas fotos é a que foi apresentada na Inglaterra e, por isto, é conhecida como Brighton Bike. Ela foi leiloada no dia 4 de março de 2018 pela H and H Auctions, arrecadando £ 157.500 (cerca de R$ 708.000 em conversão direta), sendo que a estimativa era de, no máximo, £ 40.000 (R$ 180.000). Ela estava na mesma coleção desde 1982, e eu proprietário antes disto havia comprado a moto das mãos da própria Honda logo após a apresentação em Brighton. Sobre a moto azul não se sabe muito, mas ela também foi encontrada recentemente – em 2014, quando um entusiasta de motocicletas chamado Vic World a encontrou, comprou e vendeu sem restauração por US$ 148.100 (cerca de R$ 480.000).
Em ambas as motos é possível notar diferenças em relação às motos produzidas em série poucos meses depois. Para começar, o bloco do motor foi feito de ferro fundido por molde em areia (sandcasting)– olhando com atenção, pode-se notar o acabamento mais rústico da superfície do metal. Na versão de produção, o bloco do motor passou a ser feito pelo método de fundição injetada (die-casting), em um molde de metal. O acabamento é mais liso e regular, e a peça também é mais resistente. O mesmo vale para o cabeçote e para a tampa de válvulas. Além disso, o carburador dos protótipos tinha corpo de borboleta de 26 mm, enquanto a moto que chegou às loja tinha carburador com corpo de borboleta de 28 mm.
Nos protótipos, o virabrequim era feito à mão, usinado a partir de um billet de aço; enquanto na versão produzida em série o virabrequim era forjado. Além disso, havia as diferenças estéticas, como o formato das setas dianteiras, que eram ligeiramente mais longas nos protótipos. São detalhes que podem passar despercebidos pelos observadores casuais, mas são imediatamente reconhecidos pelos fãs.
A Honda CB750 original foi um hit instantâneo, e não demorou para ser conhecida como Universal Japanese Motorcycle, ou simplesmente “UJM”, denotando seu status de pioneira – nos anos seguintes, outras fabricantes japonesas como a Suzuki e a Yamaha começaram a produzir motos com motor de quatro-cilindros arrefecido a ar, montado na transversal. A CB750 original, com comando simples no cabeçote, foi fabricada de 1969 a 1978. Naquele ano começou a ser produzido o motor com comando duplo no cabeçote (DOHC), 77 cv a 9.000 rpm e 6,7 mkgf de torque a 7.000 rpm, mas há quem diga que a versão de comando simples é a melhor, por ter mais torque em baixas rotações.