Santa Catarina é um lugar peculiar, diferente dos outros estados. Não há um sotaque comum, um símbolo regional, e nem mesmo a arquitetura, a culinária e ou hábitos culturais são unificados. É diferente de Pernambuco, Minas Gerais ou do vizinho Rio Grande do Sul.
Isso tem a ver com a ocupação e formação de seu território. Santa Catarina cresceu e mudou radicalmente desde a criação da capitania de Santana, em 1534, quando era apenas colonizada pelos portugueses. Ao longo dos séculos, seu território se expandiu para o oeste, recebendo alguns dos primeiros grupos de imigrantes europeus — primeiro alemães, depois italianos e, em seguida, ucranianos, poloneses e austríacos. Nessa história também há a influência dos tropeiros paulistas, que ocuparam o planalto serrano — também fortemente influenciado pelos gaúchos após a revolução Farroupilha e a formação da República Juliana.
O relevo variado também manteve o estado geograficamente dividido em regiões quase independentes umas das outras. A região do Vale do Itajaí, por exemplo, está separada pelo relevo da região Norte do estado, embora suas principais cidades, Blumenau e Joinville, estejam separadas por apenas 90 km.
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Sendo a cultura diferente, o automobilismo não poderia deixar de ser igualmente peculiar. Apesar de uma forte cena automobilística no Rio Grande do Sul e no Paraná, Santa Catarina nunca teve um autódromo asfaltado. No passado houve corridas de rua como em tantas outras cidades do Brasil, mas o automobilismo de pista nunca se desenvolveu no estado. Em vez disso, o que aconteceu por aquelas bandas foi outra peculiaridade catarinense: a popularização dos ralis e das corridas de velocidade na terra — que são disputadas em circuitos de terra, não-pavimentados.
À primeira vista parece precário, mas não é diferente do dirt track racing dos EUA — que é a modalidade mais popular do automobilismo local. Autódromos de terra são mais baratos de se construir, e têm velocidades mais baixas, algo que também reduz os custos da competição e, por isso, atrai mais pilotos. Não é a toa que Santa Catarina tem nada menos que nove autódromos de terra. Sim: nove autódromos.
O automobilismo fora do asfalto também é praticado em Santa Catarina na forma de arrancada na areia (sim, arrancadas de tratores e caminhões em pistas de areia e terra — são quatro pistas desse tipo no estado) e nos ralis. Santa Catarina já tem uma tradição no rali nacional, com um campeonato estadual e duas etapas do campeonato nacional de rali de velocidade.
Agora, desde 2022, uma outra modalidade foi incluída no calendário oficial do automobilismo catarinense: a Subida de Montanha. Não é para menos: além da influência do rali, Santa Catarina tem em seu planalto serrano alguns dos mais belos cânions do Brasil. O mais famoso deles forma a Serra do Rio do Rastro, que foi descoberta pelos brasileiros e pelo resto do mundo há pouco mais de 10 anos, e já havia recebido eventos promocionais de drifting e subida de montanha, este último com Rhys Millen em uma ação da Red Bull. Cerca de dez anos mais tarde, o pessoal do Friends Track Day, de Curitiba/PR, finalmente conseguiu viabilizar a realização de uma prova de subida de montanha, inaugurando a era das competições de hillclimb em Santa Catarina.
Eu fui ver a Subida de Montanha da Serra do Rio do Rastro e…
O evento se mostrou bem-sucedido e ganhou apoio não somente das prefeituras locais, que viram uma oportunidade única de movimentar a região na baixa temporada, mas também do governo do estado, que entendeu que o automobilismo reforça o turismo para além das praias e serras e das já tradicionais festas de outubro. Desta forma, a Subida da Serra do Rio do Rastro vem se consolidando também no calendário turístico do Estado.
Embalados pelo sucesso da Subida da Serra do Rio do Rastro, Igor Sandrini e Guilherme Bauler se uniram ao pessoal do Dia de Pista, um grupo com experiência na organização de hot laps em SC, e ao grupo de entusiastas Overdrive, de Blumenau e, com uma valiosa ajuda dos organizadores da Subida da Serra do Rio do Rastro e da Ascot Racing, realizaram uma segunda prova de subida de montanha no estado. Trata-se da Subida de Grão-Pará, cidade que fica na Serra do Corvo Branco — um outro destino turístico de inverno local, e que viu no automobilismo uma oportunidade de movimentar a região.
Estando a apenas 320 km dali, é claro que peguei o carro, desci o litoral e subi a serra para acompanhar tudo de perto.
Uma cena nacional
A subida de montanha no Brasil não é novidade. Desde 1979 era realizada no Pico do Jaraguá, em São Paulo/SP uma prova que, talvez, tenha sido a mais popular delas — especialmente nas edições realizadas entre 2000 e 2010, que acabou inspirando outra subidas no Brasil. No Rio Grande do Sul, por exemplo, houve a Subida do Morro da Borússia, em Osório em 2007 e 2008, e também houve a Subida da Harmonia, em Teutônia, entre 2009 e 2011. Em 2010 foi realizada também a Subida de Campo Largo no Paraná e havia outras provas planejadas para os anos seguintes, mas que acabaram não acontecendo.
A cena, que parecia estar se consolidando, na verdade entrou em um período incerto a partir de 2011. Em 2012, por exemplo, não houve nenhuma prova. Em 2013 somente a de Campo Largo foi realizada — nós estávamos lá, fazendo a primeira cobertura do FlatOut. Em 2014 novamente nenhuma prova foi realizada, mas em 2015 os paranaenses realizaram mais uma edição da Subida de Campo Largo, enquanto a Ascot Racing de São Paulo realizou a primeira edição da Subida de Monte Alegre, na cidade de mesmo nome (veja um onboard abaixo).
3a Subida da Montanha de Campo Largo 2015: quebra de recordes e chuva marcam a prova!
Foi somente após a pandemia que esta atual cena da Subida de Montanha começou a se formar. Em 2021 a Ascot Racing, que manteve a realização da Subida de Monte Alegre, também realizou a primeira subida de montanha em São Bento do Sapucaí/SP, na Serra da Mantiqueira, e deu início a um calendário próprio que incluiu também as subidas de montanha em Lindóia, Águas de Lindóia, Mariporã, e Brotas — todas no Estado de São Paulo.
Paralelamente às provas da Ascot, em 2022 o pessoal do Friends Track Day organizou uma nova edição da Subida de Campo Largo e finalmente colocou os carros para subir a Serra do Rio do Rastro — um sonho antigo que já está em sua terceira edição. Além disso, eles também realizaram uma prova em Araucária/PR em 2023.
Com isso, começa a se formar um calendário nacional — ou ao menos sul-brasileiro — de subida de montanha. São provas independentes, realizadas por organizadores diferentes e sem um campeonato organizado, mas pode ser o começo de uma nova era para a subida de montanha. Especialmente depois da Subida de Grão-Pará, que contou com a participação especial de Sílvio Novembre da Ascot Racing e de Rafael Rabitz e João Paulo Wodiani do Friends Track Day— além de trazer pilotos que já competiam as provas paulistas, fotógrafos e produtores de mídia para conhecer a cena catarinense.
A subida de Grão-Pará
Grão-Pará é uma das primeiras colônias de imigrantes europeus do Sul do Brasil. A cidade de apenas 6.300 habitantes fica ao pé da Serra do Corvo Branco, um dos principais destinos turísticos de inverno de Santa Catarina. Você deve reconhecer o local pela passagem entre as gigantes encostas de pedra que se tornou um dos lugares mais fotografados do Brasil.
A Serra do Corvo Branco faz parte da mesma formação geológica que a Serra do Rio do Rastro — as duas estão separadas por apenas 115 km de estrada e menos de 60 km em linha reta. Ambas são uma passagem por entre os cânions verdes catarinenses, mas com características sutilmente diferentes.
A estrada da Serra do Rio do Rastro é relativamente larga, com espaço para dois sentidos de fluxo, áreas de escape/espera nas curvas e é totalmente pavimentada. Ela também começa em maior altitude, mas a subida se estende por uma distância maior, com um grau de inclinação mais baixo.
Já a estrada que cruza a Serra do Corvo Branco, é parcialmente pavimentada e o trecho mais sinuoso, com os hairpins e maior variação altimétrica, tem espaço apenas para carros de passeio e picapes médias, com áreas de espera para viabilizar o uso dos dois sentidos. A variação altimétrica da travessia também acontece em um trecho mais curto, de apenas 6 km. Além disso, esse trecho de 6 km é praticamente inteiro de terra e cascalho, com algumas partes de asfalto muito deteriorado. Há um projeto para alargamento e pavimentação em curso, mas não espere que ele fique pronto em menos de dez anos.
Por essa razão, o trecho onde foi realizada a Subida de Montanha foi o trecho final de asfalto da rodovia SC-370, que corta o distrito de Aiurê, pertencente a Grão-Pará. Como fica ainda na parte baixa da serra, antes da subida, sua variação altimétrica é menor — a largada sai de 247 metros de altitude, enquanto a chegada estava a 710 metros de altitude, ou seja: 463 metros de variação ante 922 metros da Subida do Rio do Rastro.
Além disso, não há a variação de piso que encontramos na Serra do Rio do Rastro — todo o percurso de 8 km é feito sobre uma capa asfáltica recém-aplicada. Como resultado, a prova foi muito mais veloz e rápida que a Subida do Rio do Rastro — algo positivo pois se tem duas provas completamente diferentes numa mesma região, trazendo desafios diferentes e elevando o nível das Subidas atuais.
No trecho mais rápido do traçado — a reta da chicane (sim, houve uma chicane para limitar a velocidade dos carros) — o radar mediu uma velocidade máxima de 198 km/h, embora um dos carros tenha atingido 225 km/h durante os treinos de sábado. Na Subida do Rio do Rastro, a velocidade máxima ficou em 166 km/h. Os tempos de subida ficaram entre 3:50 e 4:50, enquanto no Rio do Rastro eles variaram de 9:30 a 11:50.
A corrida
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Apesar da população de apenas 6.300 habitantes, Grão-Pará recebe turistas de todo o Brasil, o que intensifica o movimento local. A prova exige o bloqueio total da rodovia, o que acaba represando o trânsito na largada da prova, onde ficam os carros e parte da organização. Como acontece na Subida do Rio do Rastro, os transeuntes, cientes do bloqueio temporário, acabam aproveitando para curtir o evento junto da população local, que se organiza à beira da estrada para assistir à passagem dos carros.
As atividades começaram na manhã de sábado, quando aconteceu a primeira bateria de treinos e os pilotos puderam fazer o reconhecimento do traçado e marcar seus primeiros tempos. Já pela manhã ficou claro que o tempo de subida ficaria imediatamente abaixo dos cinco minutos, podendo chegar abaixo dos quatro minutos com os carros mais rápidos.
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Como havia chovido no dia anterior, havia pontos da pista com muita terra seca e pedriscos, exigindo atenção dos pilotos. À medida em que o tempo secou e o trânsito se intensificou com a abertura da estrada após o primeiro treino, a pista acabou limpa para o segundo treino, realizado na tarde de sábado.
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O domingo amanheceu com sol, sem neblina, pista seca e… temperatura elevada. Perto das 9h a rodovia foi fechada e a competição começou. O público era bem mais numeroso no domingo, organizado em pontos de observação como acontece em um rali. O deslocamento entre os pontos, claro, é proibido durante as subidas. Somente quando a pista é liberada novamente para o trânsito normal é permitido acessar o acostamento a pé. Fora isso, é preciso se manter nos terrenos que margeiam a pista.
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As categorias largaram em ordem crescente, dos carros menos preparados para as preparações mais radicais — a segmentação é feita basicamente pela configuração de alimentação do motor e pelos pneus. As categorias das Subidas de SC e de SP ainda não é unificado, mas isso deve mudar em breve, considerando a interação dos organizadores nesta prova.
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Com as temperaturas mais baixas — do ar e do asfalto — boa parte dos pilotos conseguiu sua melhor passagem na bateria da manhã. À tarde, os termômetros passaram dos 30ºC, o asfalto esquentou e muitos deles não conseguiram baixar os tempos. Somente os três primeiro colocados foram marcaram tempos abaixo dos 4 minutos.
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O melhor tempo foi 3:50,69, obtido pelo piloto Mateus Galiotto e seu Audi RS3 Stage 2 (acima) na categoria Super Sport — uma média de 124,84 km/h ao longo dos 8.000 metros do traçado. Mateus também é o atual vencedor da Subida da Serra do Rio do Rastro, porém não o recordista. Como esta é a primeira edição da Subida de Grão-Pará, seu tempo é o atual recorde e o tempo a ser batido nas próximas edições.
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O segundo melhor tempo ficou com Maurício Sabbag Law, que cravou 3:58,34 com seu Porsche 992 Carrera S Stage 1 (acima) — média de 120,83 km/h. Foi dele a velocidade mais alta registrada na prova, os 198 km/h na reta da chicane. Em terceiro, veio Cleverson Lopes com seu Subaru Impreza WRX (abaixo), com 3:59,30 — média de 120,35 km/h.
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Todos os pilotos concluíram a prova com médias superiores a 100 km/h e dentro de 25% do tempo do vencedor. Como comparação, na Subida do Rio do Rastro, também teve todos os competidores dentro dos 25% do vencedor, porém com médias variando entre 73,46 km/h e 58,71 km/h. Como disse antes, são duas subidas completamente diferentes, com desafios diferentes mas igualmente empolgante para os pilotos e atrativa para o público.
Nos próximos 45 dias teremos mais duas subidas: a 11ª edição da Subida de Monte Alegre, em São Paulo (entre 18 e 20 de outubro) e a terceira edição da Subida da Serra do Rio do Rastro em Santa Catarina (entre 15 e 17 de novembro). É um momento simbólico que pode marcar o início de uma nova era nas Subidas de Montanha no Brasil. Torcemos para isso.
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Fotos e vídeos por Franklin da Silva (@fotografia.franklin), Eduardo Paioli (@paioli_works), Willen Araújo (@will.en), Eduardo Cenci, Rafael Micheski (@rmicheski) e pelo autor (@leocontesini/@flatoutbrasil)
Agradecemos ao pessoal do @subidamontanhagp pelo convite e ao pessoal do @riodorastrorioclimb e @hillclimbbrasil pelo apoio na cobertura.