Todo entusiasta em desenvolvimento aguarda ansiosamente o dia em que fará dezoito anos e poderá dirigir (legalmente, ao menos). Aí o tempo passa, você fica velho e seus familiares começam a achar que não é uma boa ideia deixar que você dirija — com a terceira idade, visão, audição e reflexos já não são mais os mesmos e, mesmo em baixa velocidade na cidade, as pessoas têm medo que você não saiba mais o que fazer com um volante nas mãos.
Acontece que tudo indica que atividades cognitivas — como, isso mesmo, dirigir — retardam o envelhecimento do cérebro e podem ajudar a evitar o aparecimento de demência e doenças como o mal de Alzheimer: ou seja, há boas chances de que, quanto mais você dirige, mais tempo você tenha condições de continuar dirigindo. Isto explica porque há gente de 80, 90, 100 anos com carteira de motorista e totalmente independente para ir para onde quiser ao volante de seu próprio carro.
Gente como a americana Margaret Dunning, de 104 anos que dirigiu legalmente desde os 12 — aparentemente eles davam carteiras de motorista a crianças há 90 anos. Isto porque ela aprendeu a dirigir com oito, o que significa que passou 96 anos ao volante. Noventa e seis anos, cara!
Margaret, era filantropa e curadora do museu histórico da cidade de Plymouth, Michigan, aprendeu a dirigir tão cedo para ajudar na fazenda da família, mas acabou se apaixonando por carros — ela gosta deles desde que se lembra e até já restaurou alguns. Seu último carro não foi nenhum zero-quilômetro ou mesmo um antigo como um Fusca ou uma barca americana, como é comum: Margaret dirigia um gigantesco Packard 740 Roadster que ela comprou em 1949 — quando já estava para fazer 50 anos.
Acredita-se que Margaret seja a pessoa que dirigiu por mais tempo no mundo — de fato, ela dirigiu por mais tempo que a expectativa de vida de qualquer país, algo que é impressionante com ou sem recorde oficial. Infelizmente, a senhorinha motorista morreu em maio do ano passado, pouco mais de um mês antes de completar 105 anos.
Mas Margaret está longe de ser a única: Grace Braeger, de 84 anos, tem uma história parecida: ela comprou um Chevrolet Bel Air 1957 novinho em folha e, desde então, nunca mais dirigiu outro carro. Ela diz que nunca pensou em conservar o carro — que, sinceramente, parece novo — por tanto tempo, “mas meio que acabou acontecendo”.
Em 1975, quando o carro completou 18 anos e ainda estava bonito, pouco rodado e confiável, ela entrou para o clube de proprietários de Chevrolet te Winsconsin, onde vive, porque “seria fácil achar peças”. Desde então ela desenvolveu um apego muito forte pelo carro — desde quando percebeu que as pessoas gostam de ver um clássico bem conservado nas ruas. Ela não planeja vender o carro tão cedo e quer dirigi-lo até morrer.
Aliás, foi esta a história do dono de Roll-Royce mais famoso do mundo: o americano Allen Swift, que morreu aos 102 anos e, desde os 25, era dono de um Rolls-Royce Piccadilly P1 Roadster, que foi seu carro de uso diário até sua morte. Ele gostava muito do carro e preferiu restaurá-lo totalmente a vendê-lo em 1988.
Em 1994 a Rolls-Royce reconheceu seu amor pela marca e deu a ele uma reprodução em cristal do famoso ornamento Spirit of Ecstasy que decora o capô de todo Rolls. Onze anos depois, o Sr. Swift foi reconhecido como a pessoa que por mais tempo manteve um carro comprado zero-quilômetro. Ao morrer, Allen Swift deixou a quantia de US$ 1 milhão para que o museu de Springfield, Massachussets, contunuasse cuidando do Rolls-Royce e pudesse mantê-lo em exposição permanente.
Um estudo realizado pela fundação de caridade do Royal Automobile Club do Reino Unido concluiu, em setembro de 2013, que na Grã-Bretanha existem 191 pessoas com mais de 100 anos que possuem carteiras de habilitação válidas — a mais velha delas, uma mulher de 107 anos. No Reino Unido, a partir dos 70 anos de idade é preciso declarar e provar por meio de exames que se está apto a encarar as ruas ao volante de um carro — e é importante lembrar que, embora estas quase 200 pessoas tenham carteiras de motorista válidas, nem todas elas dirigem.
O professor Stephen Glaister, que conduziu o estudo, diz que a decisão de abandonar o volante é complicada. “Em geral, motoristas mais velhos têm um registro impecável, mas é óbvio que quando precisam tomar esta decisão crítica, muitos não têm uma percepção real de sua capacidade de dirigir”, diz Glaister. “Para aqueles que dependem do carro, abandonar o volante terá um enorme impacto em sua capacidade de viver uma vida ativa, e por isso é importante que eles tenham toda a ajuda e apoio possíveis para poderem tomar a decisão certa na hora certa.”
Fazer burnouts com um Dodge Challenger parece uma bela decisão
É fato, porém, que as habilidades cognitivas podem sofrer com a ação do tempo e, por esta razão, o Código Brasileiro de Trânsito determina que, a partir dos 65 anos de idade, a carteira de habilitação seja renovada a cada três anos ou conforme determinação médica — antes disso a renovação é feita a cada cinco anos.
O que não impede que também tenhamos nossos motoristas centenários — como mostra esta reportagem do G1, que contou em 2013 a história de Dona Eliza, então com 103 anos, e do Sr. Agenor, o “Seu Uibi”, então com 100 anos — ambos ainda dirigem pelas ruas de São Paulo e dona Eliza até faz planos de trocar sua Variant azul por um Fusca zero-quilômetro.