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Projetos

Focus RS8: quando a Ford transformou um hot hatch em um muscle car

O principal argumento dos admiradores dos hot hatches (grupo que inclui este humilde escriba) é que, apesar da tração dianteira, o motor mais potente, o baixo peso e o acerto da suspensão garantem diversão em doses cavalares. É um ponto de vista válido, sem dúvida, mas em 2003 a Ford virou deixou todo mundo confuso e maravilhado ao colocar no Focus RS (um dos melhors hot hatches do universo) um motor V8, com tração traseira e tudo o mais a que tinha direito.

Era apenas um conceito, feito para promover o novo motor V8 Cammer. Baseado no motor de 4,6 litros do Mustang SVT Cobra de quarta geração, o V8 Cammer teve o diâmetro dos cilindros ampliado (de 90,2 mm para 94 mm) para deslocar exatos 5.000 cm³, ou cinco litros. A taxa de compressão foi elevada para 11,0:1 e o motor recebeu cabeçotes com dutos polidos, um novo virabrequim e bloco de alumínio reforçado e bielas Manley H-Beam. Além disso, foram adotados um coletor de admissão variável, injetores de alta vazão e o reservatório de óleo e coletores de escape do Mustang SVT Cobra.

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O resultado foi um crate engine que, direto da caixa, era capaz de entregar 456 cv a 6.700 rpm e 51,4 mkgf de torque a 5.000 rpm. A ideia da Ford era dar aos fãs de muscle cars a oportunidade de comprar um motor zero quilômetro confiável, potente, moderno e com grande potencial de preparação. Normalmente os entusiastas americanos compram estes motores para seus projetos de engine swap e o destino usual é o cofre de algum muscle car clássico preparado ou monstro para as pistas. Contudo, por alguma razão, a Ford decidiu demonstrar o poderio do Cammer o colocando debaixo do cofre de um hot hatch e levando o resultado para o SEMA Show de 2003. O resultado foi o deliciosamente insano Focus RS8.

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O Focus RS, que lhe serviu de base, já tinha seus próprios méritos. Como contamos neste post, o hot hatch lançado em 2002 usava um quatro-cilindros Duratec turbo de 215 cv, que eram levados às rodas dianteiras por uma caixa manual de cinco marchas acoplada a um diferencial Quaife de deslizamento limitado, capaz de variar a distribuição da força entre as rodas. Era um excelente carro, mas o RS8 não tinha nada disso.

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Olhando por cima, o Focus RS8 parece um RS comum, mas basta uma olhada para a região abaixo do para-choque traseiro para notar que este, definitivamente, não é o caso. Porque, não satisfeita em dar mais de 400 cv a um Focus, a Ford fez questão de colocar a tração nas rodas “certas”, e a única coisa do lado de fora que denuncia a modificação é o diferencial Ford Racing de 8,8 polegadas entre as rodas traseiras.

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O cofre precisou ser adaptado para receber o motor, que é muito mais largo que o original, montado em posição longitudinal. O túnel de transmissão também foi refeito, enquanto o sistema de suspensão permanece independente nas quatro rodas — McPherson na dianteira e multilink na traseira —, com altura de rodagem ajustável.

O Focus RS8 fez um sucesso tremendo no SEMA Show de 2003 e, em agosto de 2004, foi testado pela revista Motor Trend em um comparativo contra o Lamborghini Gallardo — que, na época, usava um V10 de cinco litros e 500 cv. O resultado? O Focus superou o Gallardo no circuito de Willow Springs, na Califórnia, ao virar 1:32,43. O touro italiano virou 1:33,42.

Sabendo disso, ficamos tristes com o fato de a Ford não ter produzido o Focus RS8, mesmo em série limitada. Mas dá para entender o motivo: a conversão custou à fabricante mais de US$ 100 mil, custo impraticável mesmo para a produção em pequeno volume.

Contudo, a ideia da Ford inspirou outros entusiastas e companhias a realizarem suas próprias conversões. Desde a apresentação do Focus RS8, pequenas e grandes oficinas americanas começaram a desenvolver seus próprios kits. Como a americana Tee’s Customs, que aparentemente ainda oferece o serviço — ao menos é o que diz o site (que parece ter sido criado em 1995).

Outra companhia que se inspirou no conceito da Ford foi a ATI Motorsports, localizada no estado do Michigan. A ATI foi fundada em 2001 como a divisão de preparação da Accurate Technologies, companhia americana especializada em fornecer componentes eletrônicos para a indústria automotiva — especialmente a Ford. Isto explica muita coisa, não?

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O projeto, chamado ATI Terminator, foi criado para “demonstrar a experiência da companhia com componentes eletrônicos automotivos”, de acordo com a própria ATI. Mas o resultado é glorioso mesmo na mecânica: o carro recebeu toda o trem de força do Ford Mustang SVT Cobra — e isto inclui o V8 supercharged de 4,6 litros que serviu de base para o “Cammer”.

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Isto significa que as adaptações no monobloco fora basicamente as mesmas, incluindo a reconstrução do túnel central e o aumento de 45 na largura do cofre. A parede corta-fogo permaneceu intacta.

Mesmo menor que o original (por questões de espaço), o compressor mecânico agora trabalha a 0,8 bar de pressão contra 0s 0,5 bar originais. Assim, a potência subiu de 324 cv para 465 cv, que aparecem às 5.900 rpm enquanto o torque máximo de 64,4 mkgf aparece às 3.900 rpm. A potência é levada para as rodas traseiras pela transmissão manual de seis marchas e por um diferencial Torsen.

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O toque da ATI aparece na adaptação do motor do Mustang SVT Cobra à eletrônica do Ford Focus. Absolutamente nada entre os dois modelos era compatível, mas a companhia usou sua experiência para adaptar tudo perfeitamente, do velocímetro ao sistema anti-furto original do Focus.

Para suportar o novo conjunto mecânico, o Focus teve o monobloco reforçado com novos pontos de solda. Além disso, a suspensão foi modificada com componentes do Mustang SVT Cobra na dianteira (subchassi e braços de controle) e na traseira (todo o conjunto).

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As rodas de 18 polegadas da HRE calçavam pneus Michelin Pilot Sport Cup de medidas 295/30, e escondiam os freios do Mustang SVT Cobra – isto é, discos ventilados de 13 polegadas com pinças de dois pistões na dianteira, e discos de 11,65 polegadas com pinças de um pistão na traseira. Assim, além de chegar aos 100 km/h em 4,8 segundos e cumprir o quarto-de-milha em 12,7 segundos a mais de 185 km/h, o Terminator parava e fazia curvas como gente grande.

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Depois que o carro foi revelado, em 2004, a ATI Motorsport divulgou suas intenções de comercializar a conversão do Focus para V8. O preço? US$ 65 mil, ou cerca de R$ 204 mil – pouco mais da metade do custo divulgado pela Ford com o RS8.

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De qualquer forma, desde então vários entusiastas se aventuraram a colocar um motor V8 no Ford Focus, criando uma nova variedade de hot hatch com motor de muscle car. Curiosamente, hoje a própria Ford faz o contrário: a versão intermediária do novo Mustang é equipada com um quatro-cilindros turbo Ecoboost de 2,3 litros, de 314 cv – o mesmo do novo Focus RS, sobre o qual você pode ler tudo aqui. Os tempos mudam, não é mesmo?