Uma tendência que vem ganhando popularidade nos últimos tempo são as “concessionárias virtuais”. No Salão do Automóvel de 2018, por exemplo, Fiat e VW estavam entre as fabricantes que anunciaram sistemas eletrônicos para comprar carros. No começo de 2019, a Ford anunciou seu plano para usar óculos de realidade aumentada em suas autorizadas – o mecânico colocará os óculos para examinar o carro do cliente e, com isto, um engenheiro na fábrica poderá ver exatamente o que o mecânico está vendo, e o ajudará a encontrar o problema e resolvê-lo. E isto é só um exemplo de como a tecnologia poderá ser utilizada. Isto sem falar na quantidade crescente de lançamentos online, feitos por streaming na internet.
Ainda não é assinante do FlatOut? Considere fazê-lo: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como conteúdos técnicos, histórias de carros e pilotos, avaliações e muito mais!
É natural que estes desenvolvimentos ocorram – os carros estão ficando cada vez mais avançados tecnologicamente, e a infraestrutura de vendas e atendimento deve mesmo acompanhá-los. Além disso, nos EUA, desde 2017 há planos para incorporar a realidade virtual nos test drives, indo um passo além no emprego de simuladores. A ideia é que o cliente possa experimentar o carro antes mesmo de pisar em uma concessionária, facilitando o trabalho do vendedor e evitando que todos percam tempo.
Estamos falando disto porque, recentemente, o pessoal do site The Drive trouxe à tona um curiosíssimo “simulador” que, começando em 1987, foi usado pela Ford exatamente com este intuito: ajudar o cliente a conhecer o portfólio da marca, carro por carro, e proporcionar um test drive virtual. Na medida do possível, claro – é impressionante o quanto os simuladores evoluíram nos últimos trinta anos.
Vamos dar um pouco de contexto: no final da década de 1980, boa parte dos computadores doméstico rodava o Microsoft DOS, o precursor do Windows. Eles estavam começando a ficar mais acessíveis e, com mais computadores nas casas das pessoas, a Ford decidiu aproveitar esta oportunidade e criar uma forma interativa de vender carros, usando o que havia de mais avançado na época em termos de simulação. Quer dizer… quase isto.
Alguns dos games de corrida clássicos daquela época são Super Monaco GP, de 1989; e Stunts, de 1990. Ambos estão entre os pioneiros no uso de gráficos poligonais, e eram dois bons exemplos de como explorar ao máximo a capacidade de processamento limitada da época. Isto não se aplicava, porém, ao simulador da Ford.
O “game”, chamado simplesmente Ford Simulator, era distribuído gratuitamente nas concessionárias – ou você podia encomendá-lo escrevendo ou telefonando para a Ford. A ideia era que o game fosse capaz de rodar em qualquer PC, e por isso os gráficos foram bastante simplificados, com uma paleta de cores limitada (porque muitos computadores tinham telas monocromáticas, mesmo) e uma engine física muito rudimentar.
No game, você só podia controlar um carro – que possivelmente era uma representação não muito fiel do Ford Thunderbird Super Coupe de 1989. O objetivo era ir de um ponto a outro no mapa, através de ruas e estradas dos EUA. Teoricamente era preciso desviar dos (vários) carros que apareciam no caminho e não bater em nada – mas não havia sistema de colisão, então era meio difícil perceber que você havia batido em alguma coisa.
Certamente era o maior chamariz do Ford Simulator era o simulator, mas ele não era a única coisa que vinha naqueles dois disquetes de 5″1/4.
O programa incluía uma “concessionária virtual”, onde se podia ver imagens pixeladas de todos os carros vendidos na época – incluindo as outras marcas do grupo, como Mercury e Lincoln. Todos os carros acompanhavam a ficha técnica completa, incluindo todas as especificações mecânicas e medidas – e até o preço na época.
Os outros dois itens inclusos eram uma mini-enciclopédia com alguns dos recursos e equipamentos oferecidos pela Ford na época – tudo com gráficos pixelados quase monocromáticos, bastante rudimentares; e um canal para “dar feedback”, que no caso era apenas uma caixa de texto. Você tinha de imprimir a mensagem e mandar para a Ford pelo correio. A internet moderna sequer havia sido inaugurada ainda.
O canal Lazy Game Reviews fez um tour bem abrangente pelo Ford Simulator 2.0 no vídeo abaixo – se você é do tipo que curte essas coisas nerds retrô obscuras e manja um pouco de inglês, vale a pena assistir na íntegra (como eu fiz). Mesmo que você nunca tenha conhecido esta pérola, a estética pré-anos 90 do game é nostálgica.
A Ford lançou, no total, sete versões de seu simulador entre 1987 – o último foi o Ford Simulator 7.0, de 1996, que já rodava no Windows 95. Único título da “franquia” a ser distribuído em um CD-Rom, o jogo vinha com vídeos em FMV para cada carro, narração, e um simulador em cores que tinha até colisões e cenários que simulavam 3D. A física, contudo, era péssima – apesar de a desenvolvedora Code to Go ter trabalhado no clássico Turbo OutRun, de 1989, cuja jogabilidade era bastante elogiada.
De lá para cá, obviamente os games evoluíram muito, e as fabricantes encontraram novas formas de utilizá-los para divulgar seus produtos – especialmente os games licenciados, como a série Ford Racing, que teve títulos lançados para várias plataformas entre 2000 e 2018; ou F355 Challenge, que foi lançado para arcade em 1999, e para Dreamcast e PS2 no começo dos anos 2000.
No entanto, os games licenciados são uma forma muito mais natural de demonstrar carros – o que não torna a série Ford Simulator menos interessante, por seu contexto histórico.
Houve, também, outras ações especiais envolvendo games. Em 2004, pouco antes do lançamento de Gran Turismo 4, a BMW presenteou os compradores do BMW Série 1 com uma demo do game, com o subtítulo “BMW Virtual Drive Dealership”. No game, era possível pilotar o 120d ou o 120i nos circuitos de Nürburgring, New York ou Amalfi. O vídeo também mostrava algumas filmagens do hatchback, e continha um texto promocional exaltando suas qualidades. Hoje em dia, o disco é um item de colecionador bastante raro.
Em 2007, a Toyota disponibilizou para download gratuito no XBOX 360 o game Yaris, que era uma espécie de Twisted Metal futurista, onde o único carro disponível era o Yaris com um tentáculo segurando uma arma a futurista saindo do capô (sim, era isto mesmo). Os gráficos eram ruins e a jogabilidade, extremamente confusa. Mas, bem, era um game grátis.
Por fim, o conceito de “concessionária virtual” nunca desapareceu – ao contrário: à medida em que a os computadores e a internet foram evoluindo, tornaram-se viáveis os populares configuradores online, que estão cada vez mais interativos mas, em essência, têm a mesma função que o catálogo interativo da Ford.