FlatOut!
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Técnica

Guia para melhorar seus tempos no autódromo – parte 2

Na primeira parte desta pequena série de posts, apresentamos algumas dicas importantes para que você melhore o seu tempo no autódromo. Nada de equipamentos, nada de upgrades: aqui o assunto é o que você está fazendo atrás do volante, mesmo. Não está entrando rápido demais nas curvas? Fechando cedo demais? Não está cego pelo overdriving? Está na melhor marcha possível? Não dá mesmo para carregar mais velocidade nas entradas das curvas? Estas foram as reflexões do primeiro post. Agora é hora de darmos sequência à sessão de autocrítica!

 

6) Você está realmente usando toda a pista?

Este não é tanto um erro, mas mais um desperdício – e que é bastante comum em track days. Usar toda a extensão lateral da pista – na entrada, ponto de tangência e saída da curva – deixa a trajetória mais retilínea e permite maior velocidade de contorno e de saída e pode até poupar um pouco de pneus.

O primeiro desafio é buscar estes limites espaciais em todas as etapas da curva: o erro mais comum é justamente pegar uma coisa e largar outra. Alguns entram bem por fora, mas saem pelo meio. Outros entram bem por fora, perdem o ponto de tangência (frequentemente pelo overdriving) e saem da curva usando a borda externa. Outros entram mais pelo meio e acertam o resto, mas como o raio de entrada ficou mais apertado, a velocidade do passo de curva e de saída é menor. Em resumo: nestes três cenários, está se perdendo tempo.

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É importante usar todo o espaço possível – e isso inclui as zebras. Mas nem todas devem ser usadas: tudo depende de sua altura, textura, posição e disposição de seus degraus

O segundo desafio e que tende a deixar as calças mais marrons é explorar estes limites espaciais com o máximo de velocidade possível – em todas as etapas da curva. Frear no limite de distância e a um pixel da grama, mas ainda ter aderência lateral para apontar, trazer o carro para dentro e tocar o ponto de tangência, e depois buscar o acelerador e sentir o carro escorregando, pendurado nos pneus (com o mínimo de esterçamento), até o limite da borda externa da pista, é uma coisa bastante extrema, principalmente quando o carro é potente.

No vídeo acima, temos Batistinha e seu épico Maverick de subida de montanha apavorando na Capuava. Poucos de nós conseguem ter uma tocada assim – eu, por exemplo, estou bem distante. Mas é importante ter consciência do que é preciso ser feito para baixar seu tempo. E buscar o limite desta forma é muito mais seguro do que tentar impor um ritmo suicida, pautado pela coragem. Raramente isso traz resultados.

 

7) Seu traçado está inteligente?

Curvas em sequência são um jogo de xadrez. O exemplo mais famoso é o “S” do Senna: você sacrifica a primeira perna e se mantém à esquerda, para ficar bem posicionado para atacar a segunda perna, para a direita, que faz toda a ligação com o segundo trecho mais veloz da pista. Se você fizer a primeira perna babando, vai espalhar e ficar do lado errado da pista para atacar a segunda. E aí, meu caro, você vai perder muito, mas muito tempo no trecho veloz.

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Agora, um exemplo extremo disso está nos “esses do fundão”, no Circuito da Capuava. Na saída do longo bacião (1), você precisa ficar do lado de dentro (à esquerda) para atacar a (2) com o máximo de velocidade. Mas na (2) você também não pode espalhar demais na saída (dependendo do carro, no máximo até o meio da pista), pois a (3) é bem mais recortada e exige contorno carinhoso com trail braking na entrada. Novamente, na saída da (3) não se deve espalhar, porque a (4) forma sequência imediata com ela. Mesmo na saída da (4), se você estiver com um carro muito potente, não pode deixar espalhar tudo, pois a curva de 90º à esquerda é extremamente importante por causa da descida que a segue. Ufa!

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Em resumo, este trecho é um jogo de xadrez infernal – e pune severamente quem pilota só com as bolas. É preciso estar muito antenado no que está acontecendo no momento para buscar o seu limite, mas também planejar com antecipação o seu ritmo nas variantes seguintes. Sem raciocinar, você vai acabar com os seus pneus e virar tempos medíocres em pistas com trechos técnicos assim. Não deixe só a adrenalina fazer o seu ritmo: sempre se pergunte se o que está fazendo é realmente a melhor alternativa.

 

8) Já pensou em uma câmera onboard?

A adrenalina, o nervosismo, a coragem, a vontade de tirar sarro do seu amigo, tudo isso tira um pouco da nossa visão. Lembro-me de um amigo, preparador de carros de corrida, que sempre brigava com o seu orgulhoso piloto. Ou era o contrário? A gente ficava no estacionamento atrás da entrada dos boxes, olhando o cara entrar no Laranjinha. Toda vez era a mesma coisa: o piloto entrava rápido demais e pelo meio da pista e espalhava na saída. Na verdade, fazia isso em quase todas as curvas. Depois, voltava aos boxes e dizia que o carro estava saindo de frente.

A sequência disso era sempre igual. O preparador falava que ele estava desenhando o traçado errado. Aí íamos todos ver os ponteiros contornando as curvas. E o piloto dizia “é! Tô fazendo igualzinho a estes caras.”. E daí a discussão se prolongava ao infinito. Para fazer a vontade do cliente, mexeram no carro infinitas vezes. Sem efeito algum, claro.

Depois que surgiu a GoPro, essa cena perdeu a graça. Não havia o que falar – todos os erros ficaram escancarados na nossa cara. Não lembro de tê-lo visto admitir o quanto que estava errando, mas ao menos, as reclamações cessaram. As câmeras onboard com lente grande-angular, como as GoPro, são uma ferramenta importantíssima no desenvolvimento de pilotos amadores como nós. Claro, não basta gravar só pra jogar no YouTube e no Facebook para arrecadar likes. O importante é você fazer o exercício analítico de onde você pode ganhar tempo: quase todos os tópicos deste e do post anterior desta série podem ser identificados com uma câmera onboard bem posicionada.

 

9) Já experimentou brincar com a pressão dos pneus?

Dispor de recursos (e conhecimento) para mexer na geometria da suspensão in loco ou usar amortecedores e barras estabilizadoras ajustáveis não é coisa para qualquer um. Aliás, alguns destes equipamentos aftermarket sequer existem para boa parte dos automóveis. No mundo real, a ferramenta mais usada pelos pilotos de track day é ajustar a pressão dos pneus – que, de qualquer forma, é uma das regulagens mais importantes e complexas.

Não existe receita pronta para saber qual a pressão ideal: temperatura da pista, modelo e dimensões dos pneus, peso do carro, projeto e geometria de suspensão, estilo de pilotagem, tudo isso influi. Contudo, existem alguns macetes gerais: pneus de rua possuem a carcaça bastante flexível (para oferecer mais conforto e proteção ao passar em buracos), e por isso necessitam de mais pressão – geralmente algo em torno de 45 psi (frio) é suficiente para estruturá-los sem que eles dobrem muito nas curvas. Pneus esportivos, um pouco menos. Pneus de track day, como os Toyo R888 e Yokohama A048, possuem carcaça extremamente rígida e tendem a trabalhar melhor com pressões na casa dos 30 psi (frio). Slicks, ainda menos. Normalmente, usa-se 10% a menos de pressão no eixo traseiro, que trabalha com menos carga (carros com motor dianteiro, claro). Considere uma variação de entre 10% e 15% nas pressões citadas neste parágrafo, de acordo com as variáveis que falamos anteriormente. Outra dica: se está começando do zero, é mais fácil começar com pressões mais altas e reduzi-las gradualmente até encontrar o ponto ideal.

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Fora isso, ajustes assimétricos entre a dianteira e a traseira podem servir como uma ferramenta de ajuste fino para se neutralizar a dinâmica. A dor de cabeça aqui é descobrir se aumentar ou reduzir a pressão dos pneus de determinado eixo vai induzir ou reduzir o subesterço ou sobreesterço, porque essa não é uma resposta linear: abaixo do ponto ideal, o pneu pode render menos aderência pelo excesso de flexão da carcaça, induzindo-o a ângulos de deriva altos demais, resultando no decaimento de desempenho. Neste caso, subir a pressão resulta em maior aderência lateral durante as curvas. Mas a partir de certo ponto, pressão demais irá reduzir a área de contato do solo com a banda de rodagem, além de aumentar a carga da roda (wheel rate) em excesso, comprometendo a capacidade de absorção de irregularidades no piso. Entrando neste cenário, o aumento de pressão resulta em menos aderência durante as curvas, e uma redução de pressão seria mais benéfica. Jogue neste caldo as diferentes características de construção de cada modelo de pneu e você tem uma zona completa.

Faremos um post falando sobre isso e sobre as temperaturas nas três zonas (ombros e centro da banda de rodagem) futuramente.

 

10) Não está quente demais?

Em dias muito ensolarados, os melhores tempos costumam surgir nas primeiras e nas últimas horas da sessão, quando a temperatura está mais amena. Isso acontece não só porque o ar frio e denso resulta em melhor rendimento para o motor pela maior quantidade de moléculas de ar admitida nas câmaras de combustão, como também pelos pneus. Lembre-se de que os pneus de rua possuem uma temperatura operacional bem baixa – qualquer coisa acima de 60º C (temperatura varia para cada modelo, obviamente) na banda de rodagem e você estará na zona de decaimento. Pneus de track day e slicks possuem uma temperatura operacional muito maior, mas como eles são muito mais aderentes, acabam ganhando temperatura demais e extrapolam os seus limites, também.

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Por isso, não tenha uma crise de autoestima se aquela sua volta depois do almoço parecia tão perfeita e o cronômetro te mostrou uma merda de número. Pode acontecer de a culpa não ser sua. Contudo, o importante mesmo é saber reconhecer o cenário contrário: é assim que se melhora.

 

[ Foto de abertura: Eduardo Santello ]