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Car Culture

Historic Trans Am: os motivos que fazem dela uma das categorias de clássicos mais fodásticas

O ano é 1966. O lugar é o autódromo de Sebring nos EUA, onde 44 carros estão alinhados para a primeira corrida da mais nova categoria do SCCA, a Trans Am. O regulamento é simples, e dividia os carros basicamente em duas classes: abaixo de dois litros e acima de dois litros — esta última, contudo, era composta por apenas sete carros. Não foi preciso mais do que isso para começar a era de ouro das corridas de turismo dos EUA.

Entre 1966 e 1972, a Trans Am reuniu o que havia de melhor na indústria automotiva americana da época, devidamente preparada para desafiar seus rivais nas pistas. Se tudo corresse bem, a vitória também viria em forma de aumento nas vendas — uma filosofia eternizada pelo slogan “win on Sunday, sell on Monday“, algo como “No domingo vença. Na segunda, venda.

Esse período foi conhecido como “Golden Era”, e não é para menos: ele coincidiu com o surgimento dos pony cars, que pareciam feitos sob medida para o regulamento da categoria — ela limitava o entre-eixos a 111 polegadas (2,82 m) e a cilindrada a 305 polegadas cúbicas (5 l). O que se viu nesse período portanto, foram grandes batalhas entre aqueles que se tornariam os maiores clássicos americanos: Ford Mustang, Chevrolet Camaro, Plymouth Barracuda, Dodge Challenger, Pontiac Firebird, Mercury Cougar, AMC Javelin, Dodge Dart e Ford Falcon.

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Depois deste início arrasador, a Trans Am teve uma série de altos e baixos, como a chegada de mais concorrentes (como Porsche e os fabricantes japoneses), a escalada da redução de custos, uma era turbo e a chegada de novos fabricantes europeus. Contudo, no começo da década passada, a categoria começou a entrar em declínio, até que foi cancelada entre 2006 e 2009.

Contudo, em 2002, antes mesmo da categoria perder a atratividade a ponto de ser suspensa, foi criada a Historic Trans Am, reservada a carros americanos daquela primeira e antológica era da Trans Am. O resultado não poderia ser diferente: uma das categorias de clássicos mais incríveis do mundo. E para provar a vocês que isso não é exagero, preparamos uma lista com os fatores que a tornam assim tão especial.

 

São permitidos apenas carros originais da época

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Muitas categorias de clássicos permitem modelos que passaram sua vida toda nas ruas do mundo e foram convertidos recentemente especialmente para participar dessas corridas nostálgicas. Na Historic Trans Am esse papo não cola: você só pode participar se o seu carro for um daqueles que correu originalmente entre 1966  1972. Isso também significa usar freios, direção e alimentação similares ao que era usado na época. Os carros campeões e/ou com apoios oficiais da fábrica valem verdadeira fábulas – muitos deles chegam perto de US$ 1,5 milhão!

Toda a limitação técnica e histórica faz sentido. A ideia não é recriar a categoria, apenas preservar sua história do melhor jeito possível: acelerando pra valer na pista. Para carros recriados ou modificados recentemente há várias outras categorias em todo o mundo.

 

As carrocerias são de aço — e aliviadas com banho ácido

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O regulamento da época exigia que os carros de corrida fossem baseados em veículos produzidos em série, ou seja: eles deveriam ser como os carros que você compra na loja, com monobloco original e tudo mais. A exceção eram apenas os motores, que poderiam ser modificados.

Proibidas de fabricar partes da carroceria em fibra, as equipes aplicavam ácido sobre os painéis da carroceria para afinar as chapas e assim aliviar o peso. O primeiro a usar a técnica, o Camaro Sunoco da equipe de Roger Penske, acabou 115 kg mais leve. A carroceria ficava tão fina que só de apoiar o corpo nas superfícies com um pouco mais de força elas já amassavam. Superleggera redneck style! A segurança ficava por conta da gaiola.

 

Motores V8 a mais de 7.500 rpm

Na época a filosofia de Shelby já pregava que não há nada melhor que aumentar o deslocamento para melhorar o desempenho dos carros. Naquele tempo isso era verdade, mas o deslocamento dos motores na Trans Am era limitado a cinco litros. Quer aumentar? Vai ficar querendo… ou então melhorar a eficiência volumétrica deles.

Como os turbos ainda não eram usados, a solução era o que chamamos hoje de “preparação aspro”. Os carros tinham todo o seu miolo modificado, recebiam cabeçotes especiais, comandos com maior graduação, molas de válvulas com cargas mais agressivas e coletores de escape para otimizar o fluxo de ar no motor, ou “respirar melhor”, como diria Lampredi. O resultado eram motores V8 girando 7.500 vezes por minuto para produzir até 500 cv brutos, potência próxima à da Fórmula 1 da época. É exatamente isso o que você encontra nas etapas da Historic Trans Am.

 

Os autódromos mais famosos e desafiadores dos EUA

Não pense que as casquinhas de metal leve impulsionadas pelos V8 de 500 cv giram em círculos fazendo apenas curvas para a esquerda. O negócio vira para todos os lados, especialmente em um certo saca-rolhas.

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A Historic Trans Am tem poucas etapas por ano, geralmente cinco ou seis, mas todas elas são disputadas em algum dos grandes circuitos americanos. Laguna Seca é o mais frequente deles, mas as corridas também acontecem em Sonoma, Circuito das Américas, Lime Rock Park, Watkins Glen, Road America, Infineon Raceway e, claro, Sebring.

 

Plymouth Barracuda AAR e Dodge Challenger T/A

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Um dos carros que disputam a Historic Trans Am é o Barracuda AAR — dois deles para ser mais exato. Eles foram os três primeiros ‘Cudas construídos pela equipe All American Racers (AAR) de Dan Gurney para a temporada de 1970. O próprio Gurney pilotou os carros, e eles também foram usados nas fotos promocionais das equipes.

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Como muitos outros, eles também passaram pelo processo de alívio de peso por banho de ácido e têm muitos componentes de titânio trazidos dos monopostos que Gurney fez para a Indy e F1. O motor é um 308 (5.0) feito a partir do 340( 5,6) além de carcaça de alumínio para o câmbio revestido com spray de limalha de ferro para passar na inspeção técnica, que usava um magneto para descobrir peças de alumínio.

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Na mesma AAR foi feito o único Dodge Challenger T/A que disputa a categoria atualmente. Ele ganhou esse sobrenome T/A justamente como identificação de seu destino, a Trans Am. O Challenger T/A era o primo de plataforma do Barracuda (ambos usavam a E-Body da Chrysler), mas ele usa um motor 303 (4.9) feito a partir de um 340 (5.6) — a cilindrada foi reduzida para se encaixar no regulamento — que produz cerca de 460 cv para empurrar seus 1.460 kg.

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Embora tenha sido construído por Gurney, esse exemplar foi um dos carros inscritos pela Dodge na categoria em 1970.

 

Mustang Boss 302

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Como vimos antes, os carros da Trans Am deveriam ser baseados em modelos produzidos em série, daqueles que qualquer espectador fascinado com as corridas poderia comprar igual nas lojas. Por isso, quando a Ford desenvolveu sua resposta ao Camaro, ela precisou criar a série Boss 302.

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Como ele foi desenvolvido para as pistas e transformado em carro de corridas, é natural que seu desempenho fosse superior e ele acabasse bem sucedido. Por isso ele é um dos carros mais populares na Historic Trans Am.

O motor 302 é uma espécie de híbrido, feito com o bloco Windsor reforçado, com quatro parafusos por mancal, e cabeçotes do motor Cleveland 351. Era um motor girador — podia chegar ao 8.500 rpm! —  com componentes forjados e, em configuração de corrida, entregava pelo menos 470 cv.

 

Camaro Sunoco-Penske

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É seguro dizer que ele é o carro mais icônico da Trans-Am — embora não pareça para nós, brasileiros. Para você ter uma ideia do que se trata o Camaro Z/28 Sunoco-Penske, ele foi o carro que fez a Ford desenvolver o Boss 302. Por quê? Pois em 1968, um dos Z/28 inscritos pela própria GM venceu nada menos que 10 das 13 corridas daquela temporada.

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Além disso, ele foi o primeiro a usar a técnica de imersão em ácido para alívio de peso, como alternativa de menor custo ao Camaro com chapas mais finas feito pela Chevrolet. A fabricante interrompeu a produção do Camaro especialmente para estampar chapas mais finas para o carro que disputou a temporada de 1967. Como isso representava um custo muito alto, Roger Penske e Mark Donohue descobriram que poderiam afinar as chapas removíveis da carroceria usando imersão em ácido. O carro ficou 115 kg mais leve, o que sem dúvida teve um papel importante para fazê-lo andar na frente dos rivais em tantas corridas.

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O motor era um 302 V8 feito a partir do 327, que produzia cerca de 420 cv. O peso, após a redução, ficou na casa dos 1.380 kg.

 

Pontiac Trans Am

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Como seu nome sugere, o Trans Am foi uma versão especial do Firebird desenvolvida especialmente para a categoria. A Pontia Dizem que por isso ele foi até um dos primeiros modelos produzidos em massa a ser desenvolvido em túnel de vento. Há controvérsias quanto a isso, mas é fato que ele usava saídas de ar quente nos para-lamas dianteiros, spoiler traseiro que gerava downforce e um duto de admissão voltado para trás — parte do ar que passava pelo para-brisa ficava ‘preso’ entre o capô e o vidro, e isso criava uma zona de baixa pressão que acelerava o ar em direção ao scoop.

Atualmente, apenas um deles disputa a Historic Trans Am, mas este único é mais do que especial.

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Ele foi simplesmente o primeiro Trans Am a sair da linha de produção da Pontiac em 1970, e usa um V8 de 400 polegadas cúbicas com deslocamento reduzido para 305.  A potência fica na casa dos 480 cv e o peso gira em torno de 1.400 kg, como a maioria dos carros da categoria.