No Brasil, as motos de baixa cilindrada – de 125cc a 160cc – são vistas por muitos como simples ferramentas de trabalho. Claro, dá para se divertir com elas, mas a robustez mecânica, a manutenção baixa e a economia de combustível são consideradas suas maiores qualidades. Quem busca uma moto mais sofisticada deve partir para as maiores (e mais caras).
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Em outros países, porém, existem as fun bikes – motocicletas de baixo custo, com motor pequeno, porém de projeto mais sofisticado e construção mais caprichada que não precisam ser polivalentes, capazes de fazer tudo. Até porque quem quer fazer tudo acaba não fazendo nada de forma perfeita. Como o pato, que sabe andar, voar e nadar, mas não é o melhor em nenhuma das três coisas.
Nos últimos anos, uma dessas fun bikes fez bastante barulho no mundo das duas rodas: a Honda Grom, que virou queridinha de motociclistas iniciantes nos Estados Unidos.
Apesar do jeitão de moto de brinquedo, a Honda Grom é uma motocicleta de verdade. Dizem que ela vai muito bem em uso urbano, é divertidíssima longe do asfalto, e pode até ser usada em viagens curtas. O motor é um monocilíndrico de 124,9 cm³ e 10 cv que, ligado a uma caixa de quatro marchas, é capaz de levar a Grom até os 90 km/h – ou seja, falar em “zero a 100” sequer faz sentido aqui.
A Grom é construída como uma underbone – ou seja, sua estrutura não é muito diferente do que se vê em uma Biz brasileira, ou nas antigas Honda Dream, com o motor monocilíndrico “deitado” e rodas menores. Porém, a disposição dos elementos como tanque, banco, farol e rabeta, é a mesma de uma motocicleta comum.
É isso que dá à Grom suas proporções de brinquedo, quase caricatas – ela é curta (só 1,76 metro de comprimento), parece mais alta do que realmente é (o topo do banco fica a apenas 75 cm do chão), e passa a impressão de ser uma moto musculosa por causa do tamanho do seu tanque (que, apesar de parecer grande, tem capacidade de apenas cinco litros). Um adulto montado nela, se for mais corpulento, fica parecendo um gorila montado em uma motoneta – por isso, a Grom e outros modelos que vieram antes dela são conhecidas como monkey bikes.
É incrível pensar, aliás, que um produto de nicho como a Honda Grom seja parte de uma linhagem tão antiga e tão icônica. As primeiras monkey bikes vêm de 1961, quando a Honda colocou no mercado a pequena Z100 – que, como o nome sugere, era movida por um pequeno monocilíndrico de 100cc. E quando falamos que ela parece uma moto de brinquedo, não estamos exagerando: a Honda criou a Z100 justamente para ser usada por adultos e crianças que visitavam o Tama Tech, parque temático da própria fabricante que ficava em Tóquio e fechou as portas em 2019.
A Honda Z100 era, sem surpresa, uma das atrações mais populares do parque, sempre com tanque branco e vermelho (esquema de cores já tradicionalmente associado à Honda), e não demorou mais que dois anos para que uma versão civil, para uso nas ruas e possibilidade de emplacamento, fosse criada: a CZ100, que foi exportada para a Europa em 1963.
No ano seguinte a Honda lançou no Japão a primeira Z50 – que era basicamente a mesma moto que a Z100, porém com metade do motor e trazia um detalhe muito bacana: guidão e banco eram dobráveis, o que permitia transformar a Z50 em um pacote bem compacto para levar no porta-malas de um carro (ideia que a própria Honda aproveitou décadas depois com o City Turbo).
Historicamente motos nunca foram sujeitas às mesmas regulamentações de segurança e emissão de poluentes que os carros – e, por isso, a Z50 teve uma vida longa e saudável: foi produzida até 2017 com pouquíssimas alterações, e ainda deu origem a uma família interessante de minimotos, todas com o mesmo motor quatro-tempos com comando no cabeçote, 50cc e 4,5 cv. O que podia mudar era o câmbio, com a opção entre um manual tradicional, com três ou quatro marchas; ou embreagem centrífuga (que dispensa o manete de embreagem) e três marchas.
Embora os primeiros exemplares fossem completamente duros, sem suspensão, não demorou mais que alguns meses para que a Honda começasse a fabricar a Z com garfo telescópico na dianteira – e, em 1974, foi introduzido um sistema de suspensão com dois amortecedores na traseira. Foi a partir daí que a Honda deicidiu criar a versão mini-trail, que nha pneus maiores e “garrudos”, garantindo que a pequenina fosse capaz de rodar por terrenos que normalmente você acharia impossíveis para uma minimoto. Isto ficou ainda mais visível quando a Honda trocou as rodas originais de cinco polegadas por peças maiores, de oito polegadas.
E a ideia foi se espalhando. Em 1969 a Honda apresentou a linha de minimotos ST, que podiam ter motor de 50cc (ST50) ou 70cc (ST60) e, pouco tempo depois, ganharam uma companheira de 90cc (ST90, como você deve ter deduzido). Elas tinham quadro de metal prensado e eram mais altas e robustas – e também ganharam versões trail que fizeram bastante sucesso nos Estados Unidos.
O grande barato destas motos era o fato de elas se assumirem como veículos de lazer e transporte prático e econômico para as cidades. E foi isto que manteve a linha Z viva ao longo das décadas – e permite que você pegue um exemplar da década de 1990 e outro da década de 1960, coloque lado a lado, e mal perceba qualquer diferença. Não era como se o público quisesse algo novo – e, por isso, apenas melhorias incrementais fora feitas, e muito esporadicamente. Para se ter ideia, foi só em 2008 que a linha Z ganhou injeção eletrônica no lugar do carburador. E, como muitos donos as usam como “laboratório” para aprender mecânica, há até quem prefira comprar um exemplar usado, carburado, pagando mais do que em um zero-quilômetro com injeção.
Descontinuada em 2017, depois que as autoridades japonesas anunciaram novas normas mais restritas para emissões de motores pequenos (que também afetaram os kei cars, outra instituição da car culture do Japão), a Z50 não deixou sucessor no Japão.
A Honda Grom acabou pegando seu bastão antecipadamente ao ser lançada em 2014 primeiro na Tailândia e seguindo os mesmos princípios, porém com diversos elementos mais modernos – como o garfo invertido na dianteira e a suspensão monochoque, que dão a ela um comportamento bem mais ágil e maior estabilidade.
Nos Estados Unidos a Grom é um fenômeno – e amplamente elogiada como a melhor primeira moto que se pode ter, especialmente por causa do preço (US$ 4.000, o que dá US$ 1.000 a menos que a CB300, a menor moto “normal” que a Honda vende por lá) e também pela facilidade de uso e manutenção, pois apesar da cara a Grom é uma moto bem simples.
Não foi à toa que a Honda decidiu trazer de volta a Z em 2018, com o mesmo motor da Grom e outro nome – Honda Monkey, oficializando o antigo apelido e com visual totalmente fiel à original. Ao contrário da Grom, que tem uma pegada mais esportiva, rodas de 12 polegadas com pneus de perfil mais baixo, a Monkey manteve até mesmo os pneus “balão” originais, embora não precise mais deles com a suspensão com 100 mm de curso na dianteira e 104 mm na traseira.
É uma pena que, no Brasil, este tipo de moto provavelmente não fosse encontrar espaço. Por aqui, as motos de 50cc foram uma febre passageira na década de 1990 – elas ficavam um degrau acima dos ciclomotores (como a famosa Mobylette da Caloi), e hoje em dia têm um alcance mais restrito às regiões Norte e Nordeste, onde as marchas chinesas reinam soberanas no segmento.