Quando se pensa no Porsche 911 e seus derivados em competições, o que vêm à mente são carros de corrida acelerando no asfalto, como o Porsche 930, o 911 GT3, o supercarro 959 e o clássico o 911 GT1. A imagem de um 911 arrepiando nos estágios de rali, porém, é mais exótica. É fácil entender o motivo: poucos sabem ou se dão conta de que a tradição da Porsche no automobilismo começou exatamente nos ralis, há exatos 50 anos.
Como você deve saber, o Porsche 911 foi lançado em 1963, quatro anos depois que Alexander “Butzi” Porsche, neto de Ferdinand Porsche, começou em 1959 a traçar os primeiros rascunhos daquele que seria um substituto maior e mais potente do 356, o primeiro modelo da companhia. Dois anos depois, a Porsche o levou para competir no famoso e desafiador Rali Monte Carlo, em Mônaco.
Não havia motivos para não fazê-lo: o esportivo tinha um excelente motor flat-6 refrigerado a ar e suspensão eficiente (McPherson com braços inferiores na dianteira e braços semi-arrastados na traseira) além de ser compacto e leve o bastante para garantir agilidade nos estágios de rali.
O boxer de dois litros e seis cilindros recebeu preparação leve, a suspensão foi retrabalhada e recebeu uma barra estabilizadora na traseira, e o carro ganhou um tanque de combustível de 83 litros. Foi o bastante para que, logo em sua estreia no Rali Monte Carlo, o 911 de Herbert Linge e Peter Falk, chegassem em quinto lugar.
A primeira vitória do 911 em Monte Carlo veio com Pauli Toivonen (sim: o pai de Henri Toivonen) e Vic Elford em 1968 — já com um carro mais potente, de 215 cv — e foi seguida por uma sequência de duas vitórias com o sueco Björn Waldegård ao volante do 911 S/T, com motor de 2,3 litros e 240 cv.
Foi um belo começo, e o suficiente para que a Porsche continuasse a competir com o 911 no circuito de rali europeu. Ainda não era uma competição de nível mundial, mas sem dúvida a três vitórias seguidas em Monte Carlo e o título no Campeonato Internacional de Rali em 1970 (o precursor do WRC) ajudaram a construir uma reputação forte.
Contudo, já em 1971 a Porsche cancelou seus esforços nos ralis — ao menos para a equipe de fábrica. Inúmeras equipes independentes viram potencial no esportivo de Weissach e continuaram correndo com ele ao longo da década de 1970, com o melhor resultado sendo conquistado pelo finlandês Leo Kinnunen, em casa, no Rali da Finlândia.
Enquanto isto, a Porsche voltava a se dedicar às corridas de endurance — foi nesta época que o monstruoso Porsche 917K e seu mais monstruoso ainda motor flat-12 conquistaram vitórias em Le Mans: com Hans Herrmann e Richard Attwood em 1970, e com Helmut Marko e Gijs van Lennep em 1971.
A Porsche só voltou ao WRC em 1978, e por uma boa razão: promover seu novo lançamento, o Porsche 911 SC. Foi a primeira grande atualização do 911 clássico que, além do novo visual (com para-choques na cor da carroceria e a clássica asa traseira “ducktail”), recebeu um novo motor — um flat-6 de três litros que, em essência, era uma versão naturalmente aspirada do motor do Porsche 911 Turbo (ou 930), que havia sido lançada cinco anos antes.
O novo motor era mais potente e receptivo a preparação. Alimentado por um sistema de injeção Bosch K-Jetronic, entregava originalmente 180 cv — potência que, em 1981, foi aumentada para 204 cv —, enquanto a versão de competição era preparada para entregar cerca de 250 cv.
Agora, um detalhe: o objetivo da Porsche não era conquistar o título no WRC, e sim vencer o Safari Rally, que era uma das provas mais difíceis do Mundial de Rali. Realizado no leste do continente africano, em um traçado que incluía territórios do Quênia, Uganda e a antiga Tanganica (hoje parte da Tanzânia), o Safari Rally era uma verdadeira corrida de obstáculos, que incluía dunas, rochas, ladeiras íngremes e estradas em péssimas condições.
Assim, mais importantes que as modificações no motor eram as modificações na estrutura e na suspensão: amortecedores de curso longo, altura elevada (eram 28 cm de distância livre do solo — mais que um Jeep Wrangler!), pneus off-road e reforços estruturais nos pontos mais críticos, além de tanques de combustível capazes de comportar 110 litros e diferencial blocante.
Não fosse por problemas na hora de atravessar um rio, os carros de Björn Waldegård e Vic Preston Jr. poderiam ter terminado a prova com uma dobradinha histórica. Contudo, acabaram chegando em segundo e quarto lugares, respectivamente — uma história que contamos em detalhes aqui. Os carros ainda competiram em outras cinco etapas da temporada de 1978 do WRC, e conquistaram pontos suficientes para um quarto lugar na classificação geral para a Porsche.
O resultado deu ânimo para que a Porsche continuasse no WRC nas mãos de equipes particulares, que competiram com o 911 eventos esporádicos — especialmente o Rali Monte Carlo e o Tour de Corse, na França, além de um segundo lugar com Walter Röhrl no Rali de Sanremo em 1981. Contudo, foi só em 1984 que uma equipe de fábrica da Porsche voltou a correr no WRC, exatamente no auge do Grupo B.
Em uma parceria que vinha diretamente das corridas de longa duração do Grupo C, a equipe Rothmans Porsche de Rali competiu com o 911 SC RS. Este era uma evolução do 911 SC, com motor preparado para render 300 cv — graças a um aumento na taxa de compressão (de 9,8 para 10,3:1), ao novo sistema de injeção mecânica Kugelfischer, e ao uso de novos cabeçotes e comandos. Os carros de rua produzidos para homologação — apenas 20 deles — eram mais mansos, com 255 cv.
A Porsche utilizou o 911 SC RS no WRC até 1986 e seu melhor resultado foi um terceiro lugar no Tour de Corse de 1985, com Bernard Béguin ao volante. Apesar disso, o carro ainda conquistou o segundo lugar no Campeonato Europeu de Rali em seu ano de estreia.
Depois de 1986, a Porsche voltou a dedicar-se às provas de endurance. Foi a coisa certa, visto que o Porsche 962C (também com a pintura da Rothmans) conseguiu vencer as 24 Horas de Le Mans em 1986 e 1987. Contudo, jamais esqueceremos que grande parte da fama que o 911 tem hoje se deve a suas origens nos ralis.