Apesar de termos carros montados no Brasil desde o início do século 20, foi somente a partir de 1956 que eles começaram a ser fabricados por aqui. Nos primeiros anos eles eram todos modelos estrangeiros produzidos sob licença por fabricantes nacionais como a FNM, a Romi e a Vemag, o que era perfeitamente normal para a época, vide a história da Lada, SEAT e Dacia. Mas nascida como modo de equilibrar nossa balança comercial, a indústria automobilística sempre foi mais voltada ao mercado interno — especialmente porque a verdadeira abertura aos importados só aconteceu em 1990; antes disso tivemos um período de sobretaxação e outro de proibição completa.
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As restrições comerciais com outros países mantiveram nosso mercado fechado e bastante limitado em termos de desenvolvimento de modelos. Nos anos 1960 e 1970, os modelos locais eram, em sua maioria, variações sutis de projetos estrangeiros. O Corcel, por exemplo, era um Renault 12 com visual próprio. O Opala era o Opel Rekord com inspiração americana. O Karmann-Ghia TC era baseado no TL que era nossa versão para o VW Typ 3. Chevette, Passat e Galaxie eram modelos estrangeiros quase sem alterações estéticas ou mecânicas, e o Fiat 147 era um Fiat 127 reestilizado. Nessa época apenas Brasilia e SP1/SP2 foram desenvolvidos localmente, embora usassem o mesmo conjunto mecânico da “plataforma” Typ 3 alemã.
Agora, meio século depois, já estamos acostumados com a ideia de carros desenvolvidos no Brasil e rodando no exterior. O exemplo mais recente é o Volkswagen Taigo – que nada mais é que o Nivus, crossover que a VW faz questão de lembrar que foi 100% desenvolvido no Brasil. Claro, a plataforma MQB sobre o qual ele é construído é global e deriva da versão encontrada sob o Polo, cujo principal mercado é a Europa. Mas o estilo do carro, seu interior e até mesmo o sistema de infotainment são fruto do esforço de engenheiros brasileiros.
A versão europeia do Taigo, apresentada por completo nessa semana, beneficia-se integralmente da modularidade da plataforma MQB – ele oferece motores, câmbios e equipamentos que não são vendidos no Brasil não por questões técnicas, mas sim econômicas. O motor 1.0 TSI de 95 cv é um exemplo: na Europa, onde o Taigo será o segundo ou terceiro carro de muitas famílias, menos de 100 cv darão conta do recado perfeitamente. No Brasil, seria pouco aceito. Já a versão R-Line, mais potente, usa o novo motor 1.5 TSI de 150 cv que ainda não foi adotado em nenhum modelo no nosso mercado, e que pode ser acoplado a um câmbio DSG de sete marchas – no Brasil, tal conjunto elevaria demais o preço do Nivus.
O Volkswagen Taigo também tem para-choques exclusivos e uma paleta de cores mais variada, com mais tons vibrantes – algo que também não daria muito certo no Brasil, onde cores discretas imperam e pinturas mais ousadas acabam relegadas a versões especiais.
Gol do Brasil
A Volkswagen do Brasil, aliás, é pioneira no desenvolvimento de projetos que acabam indo para fora.
O Gol foi um dos primeiros modelos desenvolvidos do zero para o mercado brasileiro. Embora usasse uma versão modificada da plataforma B1 da Volkswagen, o desenvolvimento desta variação, batizada BX, também foi feito no Brasil, bem como a estilização da carroceria, influenciada pelo Scirocco e a bizarra combinação da plataforma B com o motor boxer arrefecido a ar instalado na dianteira.
Em suas três gerações o Gol foi (e ainda é) exportado para toda a América Latina, e seus derivados Voyage e Parati ganharam o Green Card nos anos 1980 e foram para os EUA como Volkswagen Fox e Volkswagen Fox Wagon — e até ajudaram a encher as ruas de Gotham City em “Batman – O Retorno”. A partir dos aos 1990 e 2000 os argentinos e mexicanos também passaram a receber a Saveiro e a Parati de segunda geração. Na Argentina o Gol e a Parati mantiveram o mesmo nome, mas o Voyage foi chamado de Gacel nos anos 1980 e Senda nos anos 1990.
No México o Gol chegou como Pointer, a Parati como Pointer Wagon e a Saveiro como Pointer Pickup. Depois do fim da Parati, com a chegada da terceira geração do modelo, ele passou a se chamar Gol, o Voyage se tornou o Gol Sedan e a Pointer Pickup também adotou seu nome de batismo, Saveiro.
Lazaroni Brasiliano, Fiat Brasiliana
Nos anos 1980 a Fiat também resolveu exportar a Elba, a versão perua do Uno que só existiu no Brasil e Argentina. O modelo foi para a Europa em duas versões: um furgão de carga com dois lugares chamado Fiat Penny; e a Duna Weekend, a versão de quatro portas da perua que foi oferecida na Europa continental.
O Fiat Penny foi oferecido entre 1986 e 1991 na Europa, no Reino Unido, na Irlanda e na Nova Zelândia. As versões com o volante na direita eram chamadas de Citivan. Tanto na versão com o volante na direita, quanto nas versões com o volante no lado esquerdo, o motor era o Fiasa 1.1 de 56 cv.
Já a Duna Weekend foi oferecida nas versões 60 e 70 — a primeira com o motor 1.1 de 56 cv e a segunda com um 1.3 de 67 cv. Havia ainda o Duna Weekend DS equipado com um motor diesel 1.7 de 60 cv.
Em 1990 a Fiat assumiu o controle da Innocenti e passou a vender a Elba como Innocenti Elba até 1996, quando a perua deixou de ser produzida. Nesta fase a Elba passou a ser equipada com um motor 1.4 i.e. (monoponto) de 69 cv e com o nosso conhecido 1.6 MPI, porém com apenas 75 cv.
O Mille também embarcou para a Itália para se tornar o Innocenti Mille, e foi vendido até 1997, quando a marca finalmente foi descontinuada.
Vem ni mim, Fiat Ram
Diferentemente da primeira geração, o atual Fiat Uno foi desenvolvido no Brasil, bem como sua irmã trabalhadora, a Fiorino. Com a aquisição da Chrysler pela Fiat e a formação da Fiat Chrysler Automobiles, a marca Ram foi “promovida” a divisão de veículos comerciais e utilitários do grupo na América do Norte, onde o nome Fiat não quer dizer muita coisa. E foi assim que nossa pequena Fiorino foi parar no lado de cima do Equador, onde é vendida exatamente como a brasileira — com o motor 1.4 Evo, 650 kg de capacidade de carga — porém com um nome mais interessante: Ram Promaster Rapid.
Quem também foi desenvolvida aqui e migrou para os Estados Unidos Mexicanos foi a picape Strada, que lá é oferecida como Ram 700 — uma referência à sua capacidade de carga em quilos.
Já a Fiat Toro é vendida na Colômbia, no Chile, no Panamá e na Costa Rica desde 2019 como Ram 1000, nome que segue a mesma lógica. E ela até adota a nomenclatura tradicional da Ram: a versão básica se chama Big Horn, enquanto a variante de topo é a Laramie. O motor é sempre o 1.8 EtorQ de 130 cv.
Great News! The Dacia Sandero… is half Brazilian
Depois que a Renault emplacou o Dacia Logan no Brasil, apesar do design racional e suas linhas retas, a marca francesa decidiu usar a mesma plataforma para produzir um modelo mais inspirado, com mais apelo emocional, voltado aos mercados emergentes. Foi por isso que o pessoal do Technocentre de Paris atribuiu parte do desenvolvimento à engenharia da Renault no Brasil e na Romênia. O modelo, aliás, é tão brasileiro que foi o primeiro Renault da história a fazer sua estreia oficial fora da França — ele foi apresentado em dezembro de 2007 em Florianópolis.
Depois do Brasil o carro foi lançado no restante da América Latina e na Europa, incluindo o Reino Unido — para delírio de James May. No exterior a primeira geração teve motores 1.2 16v de 75 cv, 1.4 8v de 75 cv, 1.6 8v de 85 cv e 1.6 16v de 105 cv. Já a segunda geração usa um 0.9 turbo de 90 cv e 1.2 16v de 70 cv.
Logística reversa
Nos anos 1990 a linha brasileira da Chevrolet era toda composta por modelos Opel, mas isso começou a mudar com o lançamento do Celta em 2000, produzido sobre a plataforma do Corsa B. Foi nessa época que surgiu a Meriva, que fez o caminho inverso dos seus companheiros de showroom: em vez de vir da Europa e ser rebatizada como Chevrolet, ela saiu do Brasil e foi para a Europa ser rebatizada como Opel.
A primeira geração da Meriva (a única que tivemos por aqui) era baseada na plataforma do Corsa C, e foi desenvolvida pela GM do Brasil em parceria com o Centro de Desenvolvimento da Opel em Rüsselsheim, Enquanto nós brasileiros tivemos que nos contentar com os motores 1.4 8v e 1.8 com oito e 16 válvulas, na Europa ele foi lançado com motores 1.6 8v de 87 cv, 1.6 16v Ecotec de 101 cv e 1.8 Ecotec de 125 cv. Em 2005 ele passou por um facelift que trouxe o motor 1.4 Ecotec de 90 cv, o 1.6 Twinport de 105 cv e o 1.6 Ecotec turbo de 180 cv (sim, 180 cv) para a versão esportiva OPC. O 1.8 de 125 cv foi mantido até o fim de sua produção, em 2009.
Com o fim da era Opel e a adoção de projetos de origem asiática, para países emergentes, a GM do Brasil exportou outros modelos desenvolvidos por aqui. O Chevrolet Cobalt, por exemplo: apesar de ter o nome de um cupê americano, ele foi desenvolvido no Brasil e lançado em 2011 como um sedã compacto de maior porte, posicionado entre o antigo Prisma e o Cruze.
Sua plataforma é uma versão simplificada da Gamma que, derivada do Corsa C e empregada no Chevrolet Sonic. O Cobalt chegou a ser produzido no Uzbequistão, onde abastecia o mercado local e países próximos (como a Rússia), e também na Colômbia. Ele foi vendido na Rússia até 2020, como Ravon R4.
O Chevrolet Onix de primeira geração, apresentado no Salão do Automóvel de 2012, seguiu um caminho parecido. Ele também é construído sobre a plataforma Gamma modificada para ficar mais simples e barata. Além de ser vendido no Paraguai, no Uruguai e na Argentina, ele foi exportado para a Colômbia e para o México, sendo que neste último foi batizado como Chevrolet Aveo. A atual geração, por outro lado, já nasceu global, com participação brasileira e chinesa em seu desenvolvimento. E foi apresentada na China em 2019 antes de ser revelada por aqui.
Fordlândia
A primeira geração do EcoSport foi desenvolvida no Brasil como uma versão local do Ford Fusion europeu, que era mais um MPV do que um SUV urbano compacto como o nosso. Quem tem boa memória sabe: o EcoSport se tornou um sucesso instantâneo, criou um segmento e o liderou mesmo após a chegada do Renault Duster.
Quando o EcoSport estava prestes a ganhar sua segunda geração, a Ford decidiu adotar como estratégia a oferta de todos os seus modelos em todos os mercados em que participa. Foi assim que o Mustang acabou anunciado oficialmente pela primeira vez no Brasil, e foi assim que nosso EcoSport de segunda geração foi parar nos EUA e na Europa, além da Índia, Tailândia, Japão, China e Austrália. Lá fora ele é oferecido com os motores 1.0 EcoBoost de 101 cv e 125 cv, bem como os Sigma 1.5 de 110 cv e 1.6 de 122 cv, e o Duratec 2.0 de 178 cv.
Quem também acabou entrando nessa volta ao mundo foi a terceira geração do Ka. O modelo também foi desenvolvido pela Ford do Brasil e atualmente é oferecido no México, na Europa e na Índia. Lá fora ele é equipado com um motor 1.2 de 70 cv ou 85 cv, bem como o 1.5 de 105 cv, além de um motor diesel 1.5 de 100 cv.
Fox on the run
Originalmente o modelo de entrada da Volkswagen na Europa é o Polo. Mas nos anos 1990 a marca precisou de uma resposta aos modelos subcompactos de seus rivais, e criou o Lupo como seu novo modelo de entrada. Nessa mesma época a Volkswagen estava desenvolvendo o projeto Tupi, um compacto brasileiro (daí o nome do projeto) que deveria substituir o Gol a partir de 2003. O problema é que por ser um projeto mais moderno, a Volkswagen não conseguiu torná-lo acessível o bastante para posicioná-lo como modelo de entrada, e foi assim que o Fox acabou lançado como compacto intermediário entre o Gol e o Polo.
E foi justamente por isso que ele acabou ganhando sua passagem de ida para a Europa. Quando o Lupo saiu de linha, em 2005, a Volkswagen exportou o Fox para substituí-lo. Os modelos vendidos na Europa eram basicamente os mesmos daqui, porém com motores 1.2 de 56 cv e 1.4 de 76 cv no lugar dos 1.0 e 1.6 oferecidos no Brasil. Ele também tinha um motor turbodiesel de 1,4 litro e 71 cv. Apesar das dimensões adequadas ao gosto europeu, sua qualidade de construção e acabamento foi criticada pela imprensa alemã, bem como seu desempenho. Em 2012 o Fox acabou substituído pelo Up!, que acabou fazendo o caminho reverso e veio para o Brasil com algumas modificações.
Sua versão perua também foi desenvolvida no Brasil e vendida fora daqui. O SpaceFox é vendido na Argentina, Chile e Uruguai como Suran, Peru como SpaceFox, México como SportVan e Argélia como Fox Plus.