Olá novamente, galera do FlatOut! Escrevo aqui a terceira parte da história do meu carro comigo (ou seria o contrário?). Nessa terceira parte, vou relatar algumas histórias que passei com ele e detalhar alguns cuidados com o uso mais pesado de uma máquina “idosa”. Limpem os monitores/celulares e boa leitura!
A primeira quebra a gente nunca esquece
Em algum momento entre 2008 e 2009 eu resolvi fazer um curso de mergulho em Angra dos Reis, RJ. O Barão tinha acabado de sair da oficina Ratoeira e, portanto, já conseguia passar dos 90km/h. De Lorena a Angra existem várias opções de estradas para se seguir, mas como seria a primeira viagem com ele, eu decidi fazer uma volta irracionalmente longa, indo até o Rio, onde eu pernoitaria na casa de algum amigo para depois seguir para Angra. Só tinha um barulho que aparecia de vez em quando, durante as acelerações, mas não havia nada mais que apontasse o problema. Não havia fumaça e nem óleo vazando, por exemplo.
A primeira parte da viagem foi tranquila, até que o marcador de combustível me enganou (dessa vez ele não precisava ter feito isso) e fiquei sem combustível num elevado próximo ao Sambódromo. O mais incrível é que consegui levar o carro por mais alguns metros, usando o injetor de partida a frio. Minutos depois um carro do departamento de trânsito apareceu e me empurrou até a saída. Pedi ajuda a uma taxista para conseguir combustível, saí dali e completei o tanque no primeiro posto que encontrei. E o barulho do além seguia, aparecendo e sumindo.
No dia seguinte, já na estrada para Angra, aquele barulho aparecendo novamente, e eu cada vez mais preocupado. Até que, numa ultrapassagem, o motor “estourou”! O barulho que falei era causado por uma falha na retífica do cabeçote, que causou o rompimento da junta do cabeçote, e isso levou os cilindros 2 e 3 a perderem óleo e a vontade de viver. O óleo misturou com a água e virou aquela lambança branca que quem já passou por isso conhece bem. Como eu estava no início de uma descida, fui em ponto morto até um posto que existia no pé do morro, onde parei e tentei fazer o Barão voltar à vida. Foi em vão, e então eu fiquei realmente preocupado. O óleo havia baixado muito e colocar mais óleo não ajudava em nada. Além disso, o posto ficava em Mangaratiba/RJ, longe dos acessos asfaltados ao Vale do Paraíba.
Pra ajudar, o único guincho da cidade cobrava os olhos da cara pra ir somente até Lorena e não tinha a menor disposição em ajudar. Conversando então com a dona duma loja de conveniência do posto, ela me garantiu de que seria seguro deixar o carro pernoitar ali e me orientou sobre qual ônibus pegar para chegar à cidade. Naquela altura, já tinha conseguido um guincho de Lorena para fazer o transporte até MG pela metade do preço, mas eles só viriam no outro dia. Acho que tive que pegar umas três linhas de ônibus até conseguir chegar a Lorena, e depois enfrentei mais um dia inteiro num caminhão guincho que tinha uma tábua como banco pra ir até Mangaratiba, depois até Itajubá e então voltar a Lorena. A região compreendendo as duas Serras é linda e tem estradas para todos os gostos, mas recomendo conhecê-la em um veículo com no mínimo 200mm de espuma no assento.
O Barão teve o cabeçote refeito em garantia e o André (da Ratoeira) foi extremamente prestativo, cobrando o reparo da oficina que havia feito a retífica.
Foi uma tremenda lição, e eu não sei mergulhar até hoje.
Colocando o hodômetro pra trabalhar
A primeira viagem não foi muito feliz, mas nem por isso me intimidei. Meses depois, como mencionei na segunda parte, me mudei pra Brasília levando tudo o que era necessário no Barão. De início, pensei em fazer a viagem em uma só perna, mas atrasei a saída e então fui curtindo a estrada, afinal, tinha 1200km pela frente, sendo a maior parte em rodovias de pista dupla (Dutra/Dom Pedro/Anhanguera/BR-050).
Para não ter outra pane seca, adotei a estratégia de parar a cada 250km, e deu certo! Mesmo sem conhecer as estradas, estava certo de que teria muitas opções para abastecimento pelo caminho, uma vez que eram estradas que ligavam o interior de São Paulo, Triângulo Mineiro e a Capital Federal. A cada parada eu aproveitava para verificar os pneus, faróis, lanternas e também esticava as pernas e atendia aos chamados da natureza. O macete era ficar de olho no hodômetro parcial e sempre parar em postos cheios e/ou razoavelmente limpos. Só esses cuidados já te poupam um monte de surpresas.
Porém o atraso na saída trouxe a preocupação com o horário, e decidi parar para dormir em Uberlândia, cidade da qual eu só tinha ouvido falar e não conhecia absolutamente nada. Resultado disso foi que fiquei zanzando pela cidade até parar em uma pizzaria qualquer pra jantar e depois voltei pra estrada em busca de um motel com pernoite a módicos R$60,00. Ok, eu confesso que a escolha do motel foi pelo preço, mas não poderia ter feito melhor, pois existem duas vantagens nessa escolha. A primeira delas é de que em um motel a garagem é sua e você pode realizar alguns reparos no carro, caso sejam necessários. A segunda é que mesmo que você esteja sozinho, o café da manhã é servido em porções duplas. Gordice pura.
Até esse ponto eu tinha circulado por regiões e estradas conhecidas ou de boa fama, mas dali em diante eu não sabia nada além do que haviam me contado. Por isso a parada em Uberlândia foi muito estratégica, pois eu teria um dia inteiro pela frente para rodar pelo pedaço com potencialmente a menor estrutura disponível. De manhã, cumpri o ritual todo. Verifiquei óleo, água, luzes, pneus, acabamentos, rangidos, grilos, botei o motor pra funcionar e deixei esquentando por 5 minutos, pra só então sair do motel. Abasteci e caí na estrada.
Para a minha surpresa, do lado Goiano a estrada era de pista simples, mas muito bem pavimentada e sinalizada. Foi um alívio, pois o trecho Mineiro da BR-050 era só enganação. Obras inacabadas somadas a sinalizações inexistentes tornaram esse sim o pior trecho da estrada. Voltando ao trecho Goiano, outra coisa que mudou radicalmente naquele ponto foi a paisagem. Próximo à fronteira, o terreno e a vegetação se assemelham aos de uma Serra do sul de Minas, com subidas, descidas e curvas, tudo cercado por árvores de médio e grande porte. Mais à frente, a estrada se tornou plana, com retas longas, e a impressão era a que se estava em um platô, pois ali já começava a dar as caras a vegetação do Cerrado, mais baixa e esparsa, abrindo espaço para uma vista incrível. Eu parei uma ou duas vezes só pra fotografar o local.
Chegando à Cristalina/GO, as plantações de soja dominam a paisagem, e você se sente olhando para a abertura dos Teletubbies. O perigo é que há muito pouca cobertura de celular nesse trecho, então é bom garantir que tudo está em ordem e manter um ritmo constante e moderado até Cristalina, de onde se pode fazer uma última parada no posto JK antes de cumprir os últimos 150km da jornada.
Para a alegria de uns e tristeza de outros, a BR-050 e a BR-040 foram privatizadas e estão recebendo (se é que já não acabaram) obras de duplicação. O triste, a meu ver, é que a região de mata fechada próxima à fronteira vai sofrer danos extensos e perder o charme, o conforto e o silêncio que só uma estrada cercada de árvores pode oferecer.
Essa foi a primeira de muitas vezes em que cruzei essas estradas, e sempre consegui cumprir a cartilha de sair preparado pra um apocalipse zumbi e fazer a revisão do carro uma semana antes da viagem. Com um carro de uso diário isso já é primordial e no caso do Barão era imperativo. Talvez por isso nunca houve nada sério com ele, mesmo que eu tenha passado alguns apertos, como o que está relatado alguns parágrafos adiante.
Dias de pista
Um belo dia, fiquei sabendo que o Autódromo Nelson Piquet sediaria um trackday, e eu obviamente fiquei louco pra colocar o Barão pra correr de verdade. Era Abril de 2010 e na época ele só estava equipado com as molas esportivas Aliperti e ainda usava amortecedores Cofap convencionais, a barra estabilizadora original, não tinha nenhuma das barras anti-torção e nem os relógios auxiliares. Nem me importei e fui mesmo assim, afinal, acelerar em um autódromo é diversão pura!
Antes de ir pra pista, verifiquei nível de óleo (que havia sido trocado uns 2 meses antes), completei a água do radiador, protegi a frente do carro com papel contact transparente, calibrei os pneus com 39psi (o limite indicado pelo fabricante é 44psi) e enchi o tanque. No painel só coloquei uma câmera Fuji Z1 apontada para o capô. Chegando ao autódromo, me lembrei de que não havia retirado o peso extra, mas já era tarde. Pensando bem, pela definição do que é um “track day”, a minha receita foi de raiz.
Eu não conhecia o autódromo Nelson Piquet, e só tinha experiência de pista em alguns kartódromos, com alguns tipos de karts (Parilla, F4, RD e os famigerados “indoor”), então era usar do que tinha de experiência pra ir conhecendo o terreno no menor tempo possível (leia-se: em uma volta). O carro eu conhecia bem, mas eu não estava lá pra passear, o que exigiria uma certa adaptação pois o equilíbrio do carro seria “apreciado” em condições extremas e em um piso que proporciona uma aderência lateral bem diferente das ruas e estradas.
O lay-out da pista é bem simples de se ler, mas nos detalhes é que a coisa pega. Saindo dos boxes, entra-se na reta “2”, que para um carro de passeio de 1985 com mecânica original é um tanto quanto longa. Não que se chegue a VDO, mas acumula-se velocidade suficiente para reduzir divertidamente de 5ª para 4ª e depois 3ª, na base do punta-tacco, para apontar o danado pra tangência da curva 2.
Aqui vale uma pausa para explicar que o motor AP montado na longitudinal torna a frente do Gol um tanto pesada e lenta. Quem duvida disso pode pegar um BX pra experimentar a leveza e esperteza que um CG mais baixo e a ausência da do peso extra (refrigeração a água) fazem pra frente de um carro. Imaginem se ele tivesse o motor transversal!
Voltando pra tangência da curva 2, pela característica descrita acima, eu pensava que iria arrastar a frente até a zebra na saída da curva, lixando a lateral do Goodyear dianteiro esquerdo no caminho. No momento em que engatei a 3ª, fui soltando o acelerador e então percebi o quanto ele é traseiro! Um sorriso de satisfação apareceu na minha cara e ali eu já tinha percebido que iria me divertir muito naquela tarde. E a curva 2 é um tesão! Saí dela que nem um foguete (guardadas as devidas proporções) e subi pelo Drive-In.
A seguir vem a curva da junção, e ela é um tanto estranha pra se acertar de cara. Com a pista ainda suja e sendo essa uma curva com uma saída para o anel externo e outra para o miolo do circuito, enxergar as marcas certas no asfalto é realmente algo complicado de se fazer, principalmente com o sol da tarde na cara. O lado bom é que há bastante pista para se errar sem ir pra grama ou pro muro. Na sequência, há e mergulho pra esquerda que precede a temida curva da bruxa e essa sim é animal! Não me lembro bem, mas acho que no meu caso eu comecei entrando nela em 2ª, com o motor a uns 4.000rpm, pois em 3ª eu ainda não conseguia ter tanto equilíbrio e passava me arrastando por ali. Depois eu peguei a mão e consegui contornar ela em 3ª, poupando o motor sem ser penalizado pelo cronômetro.
Ao final da reta oposta, há uma curva de raio crescente, daquelas que dá vontade de despejar toda a potência no asfalto, e no meu caso, lixar os pneus dianteiros até encontrar a zebra de apoio, na saída da curva. Então vem três curvas para a direita. A primeira é a (um tanto chata) curva da torre, seguida de uma curva leve e longa, para então se encontrar novamente com o anel externo bem na última curva do circuito. Essa tem uma bela caixa de brita depois da zebra, onde uma vez estacionaram uma Ferrari 348 Targa rente aos pneus com um espelho e alguns milímetros de tinta vermelha a menos. É o preço que se paga ao sair afoito dessa curva e querer compensar os erros de todo o restante do circuito com uma bela e gorda acelerada pela reta principal, que é feita com a gravidade ajudando.
O Barão foi bem “pois é” nessa primeira experiência, mas o propósito de um trackday é se divertir e explorar os limites do seu brinquedo. No caso do meu brinquedo, os ombros dos pneus foram castigados pelo asfalto abrasivo de um circuito de corridas. Precisei também parar duas vezes para esperar ele esfriar um pouco, e foi quando percebi que deveria revisar profundamente o sistema de arrefecimento, como mencionei no texto 2.
Um tempo depois percebi que o carro estava com um lado mais baixo que o outro. Medindo com os dedos no para-lama, havia um dedo de diferença em ambos os eixos! Parece pouco, mas já se via no olho que algo não estava normal. Eu até hoje não sei se foi culpa só do uso em pista ou se a rampa do prédio em que eu morava também tinha culpa. Tanto a entrada quanto a saída dela eram feitas de forma oblíqua, que causa uma torção na carroceria do carro. Como o Barão já era um jovem senhor, ele torcia com mais vontade, a ponto de nem tirar um dos pneus do chão. Confesso que essa me assustou pra valer! Por melhor e mais viável que seja um alinhamento técnico de monobloco, você fica pensando no tamanho do estresse que o metal vai sofrer e que ainda assim ele pode não ficar bom se não for bem feito.
A grande recomendação para resolver a encrenca foi o Severo Suspensão, mas acabei optando pelo Pedro Desempenakar, ambos na mesma quadra do conhecido setor H Norte. Algumas horas depois e algumas centenas de Reais a menos e o Barão estava quase como novo. Não se sentia o carro mais baixo de um lado da pista e olhando de fora a diferença era imperceptível. Só com os dedos entre o pneu e o para-lama é que se percebe uma diferença mínima de altura, mas julguei ser melhor conviver com ela do que gastar dias tentando acertar o carro e correndo o risco de que algo mais saia errado. Os grandes culpados dessa história eram o agregado e o eixo traseiro, mas não sei dizer quanto de cada um estava empenado.
Lição dada é lição aprendida. Providenciei as barras anti-torção dianteira superior e a inferior, conforme mencionei no texto 2, seção “Faz curva?”. Em relação à barra superior, ela precisava de um acerto para poder ser usada definitivamente. Já discuti uma idéia com um amigo e ex-engenheiro de pista da Stock Car, Fabiano Archer, e só falta a execução. A idéia é abrir uma seção de uns 10 cm no meio da barra e depois unir as duas pontas usando uma ponte deslocada em relação a uma linha imaginária que segue paralelamente ao comprimento da barra. Com isso, teremos acesso ao reservatório de água do limpador de pára-brisa, poderemos desmontar facilmente a barra para realizar manutenção na bateria (sem precisar desmontar a suspensão dianteira) além de manter a rigidez axial da peça.
No eixo traseiro não foi feito nada até o momento, mas em alguns fórums eu já vi idéias para barras anti-torção e barras estabilizadoras. A anti-torção talvez seja a que providenciarei primeiro, já que ela vai adicionar mais um reforço à carroceria. Quem sabe seja até possível a aplicação de uma gaiola parcial para uso em trackdays. Já a barra estabilizadora vai exigir um pouco mais de fosfato, pois o único projeto que encontrei era pra aplicação em um VW qualquer que usa o mesmo sistema de eixo de torção na traseira, mas as semelhanças param por aí.
É muita vontade de ter dor de cabeça, né?
E foi no segundo TrackDay que eu consegui uma belíssima dor de cabeça. Fui um pouco melhor preparado pra curtir a pista no sentido de ter tirado até os carpetes do porta-malas pra aliviar o peso, mas me esqueci de ir de cuca fresca. De novo, calibrei os pneus, limpei tudo, verifiquei água e o nível do óleo, mas me irritei na pista e descontei no acelerador.
Havia um Voyage turbinado na minha frente, com muito mais reta do que o Barão, mas que parecia uma vovózinha de 80 anos de idade nas curvas. Não sei se por imperícia do motorista ou por falta de carro mesmo, mas o cara estancava tanto nas curvas que eu conseguia alcançar ele a ponto de ter que reduzir ainda mais minha velocidade. Só que na saída da curva o cara apertava o pedal e sumia. Fui retardando a frenagem e tentando carregar mais nas curvas, pra passar o cara de surpresa ainda no final da reta e tudo o que consegui foi uma belíssima e retumbante quebra de motor. Se faltou pressão ou se o óleo ferveu eu não sei, mas o Barão foi pra casa de reboque e ganhou a segunda retífica da vida dele. Ótimo dono.
Foi esse incidente que me fez procurar pelos relógios extras que mencionei no texto 2, mas de lá pra cá eu nunca mais caí na besteira de forçar a barra sem pensar.
3000 km distante de uma corrida
Avançando alguns anos, em 2014 eu resolvi que queria fazer uma longa viagem para curtir melhor as cidades que eu só tinha como referência pelo caminho entre Brasília e Lorena. Aproveitei uns dias de férias, chamei um amigo pra dividir o volante e caímos na estrada. O planejamento era muito simples: percorrer as estradas entre as duas cidades, parar para curtir onde estivesse melhor e retornar até o Sábado seguinte, pois no Domingo haveria mais uma etapa do campeonato de kart indoor mais bem organizado que conheço, o CKT, ou Copa Kartólatras.
Planejar a viagem assim foi extremamente importante pra mim, pois o Barão não seria forçado a seguir caso não quisesse e nós teríamos tempo para turistar bastante, sem roteiros amarrados demais. Sendo assim, visitamos todos os amigos e parentes que encontramos no caminho, tomamos todos os cafés de posto de gasolina com toneladas de açúcar de que se tem notícia e nos surpreendemos com algumas cidades.
Apesar de ter atravessado um pedaço de Goiás, foram os estados de Minas e de São Paulo que dominaram o roteiro. Paramos em Uberlândia, Poços de Caldas, Lorena (óbvio) e Santo Antônio do Pinhal, além de São Paulo e Monte Verde. Não houve muito tempo para ecoturismo, mas algumas dessas localidades oferecem diversas opções devido às áreas de preservação ambiental ao redor delas. Tinha pensado até em ir a Ilhabela, mas como o roteiro era livre e usamos muito do tempo disponível em outras locações antes de chegar ao Vale do Paraíba, deixei esse paraíso do Litoral Norte Paulista para outra ocasião.
O que interessa mesmo é que as estradas no caminho provaram que tudo o que eu tinha pensado pro Barão, funcionou. Ele consegue ter agilidade suficiente para serpentear por curvas e ganhar velocidade para ultrapassar, mas ao contrário do GT do nome, ele não é um Gran Turismo, então não é muito confortável de se manter velocidades altas em rodovias. Já a uns 100km/h (velocidade compatível com a maioria, senão todas, das rodovias que conhecemos) o efeito é de uma calmaria incrível. O ronco invade a cabine e se mantém pesado e grave, sem ser muito elevado, ideal para se ouvir o rádio ou se manter acordado e conversando. Na verdade, ficar acordado com esse ronco por longas horas foi um desafio. Orfeu parecia tomar conta do carro inteiro.
Nessa situação é que se observa tudo de certo e de errado no carro, como balanceamento das rodas, temperatura de água e óleo, ar entrando pelo vão da porta, grilos residindo nos acabamentos, manchas na pintura do capô, etc. É um tremendo exercício de concentração o ato de não se distrair com tudo isso, exceto pela temperatura da água, que pode subir até níveis críticos apenas quando se está bem longe de qualquer posto. A temperatura do óleo vai subir se você abusar do pedal direito, mas é só não deixar ela passar dos 140°C que não tem problema.
Já nas estradas de pista simples, mão dupla e caminhos sinuosos é que a diversão começa. O comando 49G, o câmbio curto, a suspensão firme e os freios bem acertados garantem a diversão. Ultrapassagens são realizadas em espaços curtos, aumentando a segurança e exigindo que o escapamento eleve o tom e o volume da música que sai por eles (que ruim!). Curvas são atacadas com sobras, sem comer pista ou sair para o acostamento, pois além de ágil e comunicativo, é um carro de dimensões semelhantes às de uma Puma GTE (exceto com relação à altura, é claro). Tudo a velocidades relativamente baixas e sem a pressa de se querer chegar logo ao destino.
Como mencionei antes, as árvores ao redor da estrada formam um corredor que faz o ronco dos carros ecoar. As folhas secas são espalhadas pelo ar deslocado turbulentamente pela carroceria de uma forma quase poética e você pensa que é uma pena não poder fotografar a cena. Punta-taccos são obrigatórios, mesmo que desnecessários, pois não é todo dia em que temos uma sucessão de curvas ao dispor. E eu mencionei que essas estradas secundárias geralmente são tranquilas? Você passa trechos longos sem ver ninguém e o silêncio é absurdo. Postos de gasolina também são raros e o sinal de celular geralmente é inexistente, então o melhor a se fazer é antecipar paradas antes de encarar 30km com assistência apenas de alguns Ave Maria e outros Pai Nosso.
No caminho, uma das estradas mais legais que se tem notícia é a que liga Vargem Grande Paulista a Poços de Caldas. Conhecida por SP-215, a Rodovia João Batista de Souza Andrade é uma alternativa com todos os elementos para se acordar e esticar os músculos. Ela tem todos os elementos que descrevi acima em quantidade, sendo uma opção muito mais gostosa do que ir por Águas da Prata. O único senão são os caminhões de batata, que seguem por 5km/h pela estrada. É bom lembrar que eles existem, ou se corre o risco de terminar com meio carro debaixo de um deles. Ainda bem que eles não carregam estrume e eu não me chamo Biff.
Em uma das paradas, em Poços de Caldas, notei que o alternador não estava dando conta do recado e os faróis tinham dificuldade em funcionar. A tensão da bateria estava num nível não muito normal, mas ainda seguia firme, então voltei minha atenção pro segundo problema. Os faróis baixos insistiam em não voltar de imediato, exigindo alguns lampejos a mais ou um pouco de paciência.
Era um típico caso de mal contato por oxidação. Como os faróis são controlados por um relé externo (relé de farol duplo, para os íntimos), decidi analisar o defeito a partir dele. Desmontei o dito cujo e realmente havia muita oxidação do lado de dentro, como se o isolamento houvesse se rompido, deixando a umidade entrar. A boa notícia é que esses relés de uso geral são fáceis de se encontrar e logo consegui um novinho, realizando o reparo na garagem do prédio do amigo que nos hospedou em Poços. Aproveitei também para trocar o logotipo da grade do radiador, que estava desgastado e opaco. Aliás, deveria ter comprado uns 3 de uma vez pra guardar de reserva. Vai saber até quando essas peças de acabamento vão existir?
Mas aquele problema da tensão da bateria acompanhou o carro por todo o restante da viagem, tornando o cluster do centro do painel a área com mais atenção no habitáculo. Eu observava a posição do ponteiro, observava os faróis, a luz do painel e tentava acelerar um pouco mais ou reduzia a velocidade para colocar a quarta marcha e manter o giro mais alto, como se fosse adiantar algo. O alternador parecia funcionar sem problemas e o regulador de tensão havia sido trocado em uma das revisões, então deveria haver outro culpado. E havia. E eu descobri que era um velho problema que havia se tornado um grande problema: corrosão do cabo que vai pro polo positivo da bateria. Esse cabo leva corrente elétrica para a bateria e é bem robusto, tão robusto que é duplo. Mas creio eu que essa talvez tenha sido uma forma de se evitar a falha imediata de um sistema, adicionando redundância. Traduzindo, quem quer que tenha pensado nisso, seguiu à risca o dito popular “O seguro morreu de velho” e então existem dois cabos para a mesma tarefa.
No caso do Barão, havia meio cabo. Um já havia se rompido devido à corrosão. Outro estava a meio passo da eternidade. E por onde que esses dois caras passam? Por trás da bateria, que estava bloqueada pela barra anti-torção superior. Por conta desse problema, quase fiquei na rua uma noite depois de ter concluído a viagem. Não foi legal, mas poderia ter sido pior. Os faróis foram ficando fracos, a tensão da bateria foi caindo e chegou um momento em que duas velas estariam produzindo mais energia do que a combustão dos quatro cilindros ao mesmo tempo! Sério, o carro quase se foi e já estava escuro. O pior é que eu não teria energia nem pra ligar o pisca-alerta. O jeito foi reconfigurar o carro “on-the-fly” para economizar ao máximo o que sobrou de carga na bateria. Parece até que tô falando de um Nissan Leaf, mas era o Barão mesmo. Fechei os vidros, reduzi as luzes do painel para o mínimo e até retirei a frente do rádio. Sorte que já estava perto de casa e consegui antecipar com certa calma as tretas do caminho.
Como eu não tinha uma solução rápida pra barra anti-torção, a solução foi montar um cabo novo com uma certa folga e deixar ele passando por cima da bateria. Funcionou, mas ficou tão feio que eu sempre tinha que explicar o que era aquilo. Motores VW são (ou eram) uma zona, e esses dois cabos vermelhos conseguiam se destacar no meio da bagunça de um jeito que parecia trote de algum amigo querendo me sacanear. Função 1, forma 0.
Voltando a falar da viagem, saindo de Itajubá em direção a Lorena está uma das minhas estradas preferidas. A BR-459 tem um trecho que leva o viajante por 35km, mais de 170 curvas, 500m de desnível, altitude máxima de 1485m, em uma das Serras mais bonitas que conheço. O trecho é o que segue por Wenceslau Braz, e não o de Delfim Moreira, e seria um belo palco para uma prova de veículos clássicos. Essa é uma estrada onde basicamente circulam alguns ônibus interestaduais, moradores locais, caminhões de lenha e vacas, cavalos, cachorros e galinhas. Até poucos anos atrás, ela ainda tinha um asfalto tão abrasivo que a aderência em dias de chuva era surpreendentemente excelente, mas o descaso deixou que buracos virassem crateras e, quando veio a reforma, foi aplicado um asfalto muito mais liso. Pra se ter uma idéia da diferença, em dias sem chuva quase não se consegue mais ouvir os pneus rolando. Ainda assim, vale o passeio.
Nela o Fiesta (Pikachu – texto 1) demonstrava o potencial do acerto de suspensão da Ford e só faltava motor (era 1.0). Com o Barão eu fui atrás do que faltava e consegui chegar perto. Numa tocada rápida, mas atenta, o tempo de conclusão do percurso baixou um pouco. Eu não me importei muito, pois em uma estrada de montanha você está sujeito a tudo, desde o tráfego de caminhões até bolas de futebol com crianças correndo atrás, então não se consegue fazer uma “flying lap”. Mas todo o restante do passeio valeu à pena.
E quando chegou a Sexta-feira, iniciamos o retorno a Brasília pela Rodovia Fernão Dias, depois pela BR-459 e Anhanguera. Foi um pouco apertado, pois paramos novamente em Poços para atormentar o Caconde antes de seguir viagem, comprometendo bastante o cronograma. Culpa do Caconde, é claro (piada interna). Seguimos noite adentro pelas estradas até chegar a Uberlândia para dormir antes de cumprir o último trecho até Brasília. Mesmo revezando o sono pegou pesado, e só concluímos essa parte pois tínhamos quase 16GB de MP3 pra ouvir e enganar o cansaço.
Foi uma viagem longa, bem aproveitada em todas as paradas, estradas, pessoas e lugares, mas que por pouco não virou mais uns 5 parágrafos e várias centenas de Reais a menos.
Regularidade
Carro antigo é um bicho surrado. Se você não é o primeiro dono, a chance de você não saber como ele foi tratado é próxima a 99%. E a chance de você descobrir isso anos depois da compra é de 99%. Um pouco do que já descrevi mostra o quanto isso é verdade, e, por mais que você tenha boas intenções, vez ou outra uma surpresa aparece. Ainda assim, recomendo sempre usar a máquina da forma que ela te fizer feliz. Isso não significa virar um “cupim de aço”, ok?
Uma das melhores formas que encontrei de utilizar o Barão em toda a sua glória foi em provas de regularidade para carros antigos. Elas são muito mais seguras do que um trackday, uma vez que todos prezam por seus brinquedos, e a diversidade de modelos e configurações mecânicas é um barato! Na mesma curva podem estar um DKW e um Landau, um Santa Matilde e um Alfa 2300 ou até mesmo um Gol GT e uma réplica de Shelby Cobra com 180° de defasagem (já explicarei).
A prova era organizada por faixas de tempo. Você tem algumas voltas para percorrer o circuito e entender o melhor ritmo para seu pimpolho, então você escolhe em qual dos 3 tempos de volta determinados pela organização você vai andar e está pronto para entrar na pista. O tempo escolhido deve ser o tempo atingido a cada volta, e a cada segundo adiantado ou atraso você perde pontos, vencendo aquele que perder menos pontos. Não é tão fácil quanto parece, e quem já fez o mesmo com jipes já sabe bem do que eu tô falando.
Como tudo gira em torno do relógio (e qual prova automobilística não é assim?), o mínimo que você tem que ter é um cronômetro ao seu alcance. De início eu usei um velho relógio Casio Illuminator, sem pulseira, colado no centro do volante com fita VHB da 3M. Os botões “Start/Stop” e “Split Time” ficam bem na frente e são bem grandes, quadrados e amarelos. Por culpa da minha irmã, eu sempre vou lembrar dele como o “relógio dos milhos”. Mais tarde eu passei a usar um celular Samsung Omnia aliado a um GPS QStarz BT-Q818xt de 10Hz para rodar com precisão o fantástico e gratuito app Race Chrono (www.racechrono.com).Prendi o Omnia no para-sol e marquei o tempo alvo. O Race Chrono ia então marcando a diferença do tempo de volta em cada ponto de referência, facilitando a navegação. Com o relógio o esquema era um pouco diferente, pois você mentaliza os pontos de referência e tempos associados a eles pra então seguir pelas voltas restantes praticamente com os ouvidos ligados no ronco do motor e um olho no relógio. O outro olho obrigatoriamente evita surpresas desagradáveis.
Falando em surpresas, choveu numa das provas. Mas choveu muito! Eu estava entrando um pouco mais apressado na curva 2, tirei muito o pé e a traseira descolou, colocando a frente do carro na direção da zebra interna. Sem perder a calma, imediatamente dei um pouco de pedal e contra estercei o volante, colocando o Barão de volta nos trilhos. O susto mesmo ficou por conta de uma réplica de Cobra que não teve a mesma sorte e girou até ficar de frente pro resto da turma que vinha atrás. Felizmente não estávamos tão rápidos por conta da chuva e havia bastante espaço entre todos, então não houveram choques.
Em outra prova de regularidade houve o caso de uma Puma GTE que rodou na entrada do miolo, no seco. Essa foi ainda mais rápida, pois foi no instante em que eu fui verificar onde outro carro que vinha atrás se encontrava. Ao voltar a atenção pela frente já havia o barulho e a fumaça dos pneus pra todo o lado. Essa curva é aquela que tem asfalto pra passar do limite do Deus Me Livre sem chegar na grama, então foi só fechar o raio um pouco e tudo ficou bem.
Foram provas bem legais e o clima nos boxes é muito interessante, onde todos compartilham experiências e se ajudam quando podem. E pra minha alegria, terminei numa grata segunda posição em uma dessas provas, perdendo para um piloto profissional. Eu diria que foi uma vitória.
Por Gustavo Moritz, Project Cars #371