É errado que alguém admire e se sinta fascinado por alguns aspectos de algo condenável? Esta é uma questão filosófica que dá bastante pano para a manga, e nós temos um exemplo prático: os cartéis de drogas do México são famosos no mundo inteiro. Organizações criminosas equivalentes às facções dos grandes centros brasileiros, os cartéis têm como principal atividade o tráfico – mas isto acaba envolvendo também assassinatos, sequestros, extorsão, atentados, vandalismo, formação de milícias e inevitáveis confrontos com a polícia.
E é nos confrontos que os cartéis mexicanos usam alguns dos veículos mais impressionantes que já vimos: tanques de guerra improvisados, feitos sobre picapes, SUVs e caminhões, que parecem misturas de Mad Max e do “Caveirão” do Bope. Voltando à pergunta inicial: mesmo sabendo de seu uso criminoso, é errado admirá-los por sua engenhosidade e criatividade?
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Os chamados narco tanques formam a principal forma de locomoção das forças do narcotráfico ao enfrentar a polícia ou facções rivais nas ruas do México e, por vezes, do Texas, da Califórnia e no Novo México, além de países vizinhos como Nicarágua, El Salvador e Guatemala.
Não se sabe exatamente desde quando os narco tanques são utilizados pelos cartéis de drogas mexicanos, mas eles começaram a ser apreendidos pelas autoridades recentemente – especialmente depois da atual “encarnação” da Guerra contra o Narcotráfico Mexicano, declarada pelo governo em 2006. Através destas apreensões foi que tornaram-se conhecidas as “soluções de engenharia” utilizadas pelos traficantes para criar seus veículos blindados. De 2006 para cá já foram encontradas algumas dezenas de tanques completos foram encontrados, além de picapes e caminhões novos e antigos, inteiros ou parcialmente desmontados, aguardando a conversão.
A maior parte dos veículos foi feita pelo grupo conhecido como Los Zetas, um dos maiores e mais violentos cartéis mexicanos, ativo desde o fim da década de 1990. Seu território compreende boa parte da Costa Leste do México, bem como alguns países vizinhos e partes do sul dos EUA. Além de drogas, eles também atuam no tráfico de armas e no turismo sexual.
Os narco tanques maiores são feitos usando caminhões – geralmente apenas o cavalo, que tem a cabine original removida e substituída por uma carroceria blindada, feita com chapas de metal com espessura entre 25 e 50 mm. Os veículos têm espaço para os ocupantes, munição e até suprimentos. Nos mais resistentes – que chegam a pesar 30 toneladas – a blindagem é capaz de resistir até mesmo a granadas atiradas pelas tropas especiais, mas até mesmo os tanques menores são feitos para aguentar ao menos tiros de fuzil.
É possível ser mais específico, porém, e classificar os narco tanques em algumas categorias diferentes – algo que foi feito pelo jornalista e pesquisador Robert J. Bunker em um artigo publicado na revista online Small Wars Journal, especializada em conflitos civis. Segundo ele, os monstruos podem ser divididos em três níveis, sendo os dois primeiros defensivos e o último, ofensivo.
Os tanques de nível I são os mais simples entre todos – e sequer podem ser considerados tanques, visto que não há modificações na carroceria. Em uma picape, pode ser instalada uma caixa de metal na caçamba com espaço para até quatro atiradores, todos equipados com coletes a prova de balas. Se for uma van, é até mais interessante que o aspecto externo não seja alterado para não levantar (tantas) suspeitas.
Os tanques de nível II, por sua vez, já possuem blindagem profissional na carroceria, nos vidros e nos pneus, similares à blindagem disponível comercialmente – ainda que a instalação seja feita pelos próprios cartéis. Da mesma forma, não é possível perceber que eles são blindados olhando por fora, e é esta a intenção. É por conta disto os tanques de nível I e II são considerados tanques de defesa.
E a partir do nível III que as coisas começam a ficar interessantes: estes tanques possuem a já citada blindagem externa, e geralmente usam como base veículos maiores. Eles são mais lentos, mas compensam em resistência e capacidade de carga e passageiros – os mais avantajados podem carregar até 20 membros do tráfico.
Estamos falando de algo realmente sofisticado – em alguns casos, por exemplo, dispensa-se até mesmo o para-brisa – o condutor usa uma câmera instalada na frente e um monitor para enxergar o caminho. Revestimento à prova de chamas e ar-condicionado são comuns, assim como a adoção de armas estacionárias e até mesmo munição anti-tanque.
As modificações são realizadas em oficinas subterrâneas altamente protegidas – não estamos falando de galpões com uma aura meio suspeita, mas sim de workshops debaixo da terra, em locais ermos. É por esta razão que foram realizadas tão poucas apreensões de tanques nos últimos anos – a última de que se teve notícia aconteceu em 2015.
Como dissemos mais acima, por mais que estes veículos sejam utilizados em ações criminosas violentas, é impossível não ficar admirado com sua engenhosidade e eficácia.