Quando alguém perguntava a Carroll Shelby qual era seu Shelby favorito, ele sempre respondia “o próximo” – uma forma de dizer que sempre havia espaço para melhorias, como é o próprio espírito do automobilismo. Shelby nos deixou em 2012, mas a tradição continua. E hoje a Ford apresentou, no Salão de Detroit, o novo Mustang Shelby GT500 – o próximo Shelby, por assim dizer. O novo GT500 honra o passado da sigla ao trazer o conjunto mais extremo da linha. Se o Shelby GT500 de quinta geração já era um carro violento, a sexta geração leva isto a um novo patamar ao adotar um novo motor V8 supercharged de mais de 700 cv – potência similar aos carros da Nascar, ainda que estes sejam aspirados. E, pela primeira vez no segmento dos muscle cars, câmbio de dupla embreagem.
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Repetindo o que ocorreu nos anos 1960, o GT500 de sexta geração chegou alguns anos depois do GT350. O primeiro Shelby GT350 foi apresentado em 1965, enquanto o GT500 chegou em 1967, dois anos depois. Já o GT350 atual foi lançado em 2015, como modelo 2016, e o GT500 foi apresentado quase quatro anos depois, em janeiro de 2019. E, assim como ocorreu há cinco décadas, o GT500 serve como um passo além do GT350 que lhe serviu como ponto de partida.
Para começar, o GT500 é um carro claramente diferente do GT350 em abordagem. O GT350, com motor naturalmente aspirado e virabrequim de plano simples, é um pony car refinado, com certa inspiração europeia. O novo GT500 é um carro mais selvagem, bruto e potente. É mais ou menos o que separa, guardadas as devidas proporções, o Camaro ZL1 do Camaro Z28, por exemplo.
Por esta razão, em vez do motor Voodoo do GT350, o Shelby GT500 recebeu uma evolução diferente do motor Coyote (que ainda não tem nome), também com 5,2 litros de deslocamento e comando duplo nos cabeçotes, porém com virabrequim de plano cruzado e, mais importante, um supercharger do tipo Roots de 2,65 litros. O supercharger foi instalado entre as duas bancadas de cilindros e teve seu posicionamento invertido com o intercooler, ficando abaixo dele, o que ajuda a colocar o centro de gravidade mais perto do chão – uma tendência já vista em outros esportivos com supercharger, como o Dodge Challenger SRT Demon.
Havia quem esperasse por um V8 biturbo no GT500, mas a Ford decidiu seguir a cartilha mais tradicional e adotar o supercharger, mesmo que ele consuma mais energia do próprio motor, pela entrega de torque instantânea e pela reação mais fidedigna ao pedal do acelerador.
Assim como no Shelby GT350, o motor é todo feito de alumínio, com camisas de cilindro em aço-carbono, pulverizadas em plasma diretamente nas paredes dos cilindros (uma forma de reduzir seu peso e de ganhar um pouco mais de diâmetro nos cilindros, pois essa camada é extremamente fina). Também possui cabeçotes de alto fluxo, bielas forjadas mais robustas, e melhorias no sistema de arrefecimento. O sistema de lubrificação ganhou dutos redimensionados, e o cárter não é apenas um reservatório de óleo: ele também ajuda a estruturar a parte inferior do bloco, na área dos mancais. A peça possui, ainda um sistema de comportas ativas para manter o pescador de óleo sempre alimentado – seja para aplicação em track days, seja em provas de arrancada com VHT na pista.
A Ford limitou-se a dizer que o novo motor passou por um retrabalho para entregar “mais de 700 cv”, sem dar números exatos – existem, contudo, especulações que vão de 720 cv a mais de 750 cv. De todo modo, uma coisa é certa: a Ford diz que o Shelby GT500 é seu mais potente modelo produzido em série em toda a história.
De forma inédita, a Ford decidiu dar ao Shelby GT500 um câmbio de dupla embreagem de sete marchas, fornecido pela Tremec – é a primeira vez na história que um muscle/pony car utiliza este tipo de câmbio. A decisão mostra que a Ford busca aproximar o desempenho do Shelby GT500 de modelos mais exóticos – e não nos espantaremos caso, futuramente, as gerações seguintes do Chevrolet Camaro e do Dodge Challenger optem por soluções parecidas em suas versões mais nervosas.
A caixa, ligada ao diferencial traseiro por um cardã de fibra de carbono, é capaz de fazer trocas ascendentes em menos de 100 milissegundos e possui diferentes modos de condução, entre eles normal, weather, sport, drag e track. Em alguns dos modos (os dois últimos, presumivelmente) é possível utilizar o sistema line lock e o controle de largada. O primeiro freia apenas as rodas dianteiras para facilitar os burnouts de aquecimento dos pneus; enquanto o segundo, como bem sabemos, controla a aceleração do motor de modo a aproveitar ao máximo torque, potência e tração na arrancada.
Vale observar que há forte possibilidade de que a transmissão utilizada pela Ford no GT500 – a Tremec TR-9007, que é capaz de suportar até 92 mkgf de torque – seja empregada também pelo novo Chevrolet Corvette 2020 (que também ficará mais próximo do que nunca dos superesportivos mais exóticos, adotando a configuração de motor central-traseiro). De acordo com a Road and Track, que conversou com engenheiros envolvidos no projeto, a Tremec encomendou em 2017 o ferramental para produzir a TR-9007 para a Ford e para a General Motors. A publicação norte-americana observa, ainda, que embora o GT500 inicialmente seja oferecido apenas com o câmbio de dupla embreagem, a Ford não descarta a possibilidade de dar ao super-Mustang uma caixa manual, com três pedais e tudo o mais. Para tal, porém, é preciso que haja demanda suficiente para justificar o investimento na linha de produção.
A Ford também se recusou a dar os dados de desempenho exatos do Shelby GT500, limitando-se a dizer que o carro será capaz de ir de zero a 100 km/h “na casa dos três segundos e meio”, e de cumprir o quarto-de-milha “abaixo dos 11 segundos”.
A Ford colocou no GT500 os maiores discos de freios utilizados em um cupê esportivo nos EUA, com 420 mm de diâmetro na dianteira, ventilados – e mordidos por pinças Brembo de seis pistões. Na traseira, são 370 mm e pinças de quatro pistões, também da Brembo. De acordo com a Ford, a área dos discos dianteiros é 20% maior do que no GT350 – o que dá aos freios do GT500 uma massa termal 30% maior, ou seja, mais capacidade de trocar calor.
Visualmente o Shelby GT500 também corresponde à expectativa, com um pacote estético bem mais agressivo. De acordo com a Ford, porém, todas as modificações em relação ao Shelby GT350 são funcionais, o que inclui uma abertura frontal 50% maior – o que permite que mais ar frio seja soprado sobre o sistema de arrefecimento, que conta com seis radiadores atrás da grade (que, por sua vez, é inspirada nos aviões de caça). O scoop no capô, com 78×71 cm, possui entradas de ar do tipo persiana e uma bandeja de alumínio removível que, quando instalada, melhora a extração de ar quente de dentro do cofre e ainda contribui par aumentar a downforce.
O Shelby GT500 ainda possui rodas de alumínio de 20×11 polegadas na frente e 20×11,5 polegadas atrás, calçadas com pneus de medidas 305/30 na dianteira e 315/30 na traseira. Com o pacote opcional Carbon Fiber Track Package, elas são substituídas por rodas de fibra de carbono com tala 0,5 polegada mais larga, fabricadas pela Carbon Revolution. O pacote inclui também uma asa traseira de fibra de carbono ajustável, feita nos moldes do Ford Mustang GT4 de competição, e um splitter frontal também de fibra de carbono – além de acompanhar a remoção do banco traseiro, para reduzir peso. Outro pacote, o Handling Package, oferece suportes ajustáveis para as torres dos amortecedores, camber plates e spoiler traseiro com um Gurney flap.
O Shelby GT500 vem equipado de fábrica com bancos Recaro firmes e de bom suporte, porém confortáveis para longos períodos dentro do carro; revestimento de suede nas portas, painel digital com tela de 12 polegadas e central multimídia com touchscreen de 8 polegadas, além de oferecer como opcional um sistema de som Bang & Olufsen com 12 alto-falantes de alta fidelidade. O GT500 também pode ser adquirido com bancos Recaro de competição.
Preços ainda não foram revelados, mas o Shelby GT500 já tem data para chegar às concessionárias dos States: o segundo semestre de 2019. Ainda não foram discutidos planos para o Brasil, e isto nem deve acontecer – tanto o GT500 quanto o GT350 são modelos de nicho mesmo em seu mercado de origem, e o investimento necessário para homologação do modelo, mais a capacitação da rede de concessionárias, já torna o custo inviável. Para que possamos acelerar o GT500 no Brasil, o jeito vai ser esperar pelas inevitáveis importações independentes.