Olá, amigos! Na parte anterior contei um pouco da minha passagem por Frankfurt e pelo Salão Internacional do Automóvel sediado lá. No dia 29 bem cedo, minha missão era bem mais infernal! Meus objetivos basicamente eram chegar em Nürburg, largar as coisas no hotel, alugar o carro que me levaria para o Inferno Verde e partir para a ação!
Saindo de Frankfurt, toma-se a autobahn A3 em direção a Bonn e Colônia. As famosas auto-estradas alemãs sem limite de velocidade são uma atração à parte. Muito bem sinalizadas, pavimentação estilo “mesa de sinuca”, curvas de raio longo e gradiente correto. Um convite irresistível ao pé no porão. Eu ri sozinho dentro do carro quando, alguns quilômetros após o aeroporto, uma van da “polizei” me ultrapassou e eu estava à pouco menos de 140 km/h no GPS. Em qualquer outro lugar do mundo eu tomaria uma multa e aquele esbregue do policial. Lá eu era apenas mais um na multidão seguindo de acordo com o fluxo.
Quando fui chegando perto de Nürburg, comecei a avistar as placas indicando o caminho para lá. Foi só pegar a primeira “Ausfahrt” que indicava “Nürburgring” e seguir as placas. Não tem erro!
Já bem perto da cidade, começo a escutar um zumbido bem peculiar e agradável. ZUUUUMMMM….ROAAAARRRRRR…era a mítica pista que corria bem perto da estrada. Comecei a observar também algumas entradas para descampados. Vi um banheiro químico em uma delas, resolvi entrar para fazer um pit stop e ver se dava para assistir parte da pista por lá. Não só dava, como eu estava na Pflanzgarten, um dos poucos pontos no anel norte com alguma estrutura (mínima) para espectadores.
Como já eram mais de duas da tarde, estava com fome e queria chegar logo no hotel. Reservei um que fica em Nürburg mesmo, bem pertinho da rotatória com uma escultura do castelo. Quem viu o vídeo do FlatOut naquela postagem sobre o vilarejo, mostrando como se locomover lá sabe qual é essa rotatória. Ao chegar lá, uma surpresa. O hotel estava fechado, mas havia um cartaz em alemão pedindo para ligar para o número que os donos iriam para lá.
Como não tinha comprado linha de celular lá, voltei para o famoso posto ED onde costuma ter fila de carros incríveis para abastecer e pedi ajuda à senhorinha que estava no balcão. Ela ligou para o hotel e eu pedi para avisar que estaria lá em 20 minutos. Aproveitei esse tempo para comer um sanduíche com um refrigerante e aplacar minha fome.
Lanchei, fui para o hotel, fiz o check-in e fui para o ponto de entrada pra o circuito. Fiquei matando tempo lá até que por volta de 16 horas segui para a Ring Garage, em Kelberg.
Existem vários vilarejos e cidades pequenas que ficam perto de Nürburg e servem de apoio para os gearheads de todo o mundo que vão para lá. Esse era um deles, e ficava a 8 km do autódromo.
Aluguei o carro e o atendente, um russo que atende por “Boosted Boris”, me deu a lição #1 para quem vai guiar um carro alugado no ‘Ring: “don’t fucking crash”! E eu te dou 9.000 razões para ser um bom aluno. Esse era o preço, em euros, da franquia do seguro do Toyota GT 86 que eu aluguei. Quase R$ 40.000. E olha que era o carro mais barato da empresa!
Brincadeiras à parte, basicamente o que ele me passou foi:
- Frear na reta, pois a pista tem muitos bumps e variações abruptas de relevo que não é possível conhecer por nenhum jogo. Trail braking nos locais errados podem desequilibrar o carro e você desobedece à lição #1;
- Não frear nos vales das descidas, pois como a suspensão estará em compressão máxima, isso vai desequilibrar o carro, deixar a traseira solta e você desobedece à lição #1;
- Não tentar acompanhar alguém que está andando um pouco mais rápido que você. Uma hora você vai errar e desobedecer a lição #1;
- Não tentar bater o recorde do Steffan Bellof. Melhor extrair 70% do que o carro oferece e sair do inferno contando para todo mundo o quão incrível foi a experiência do que tentar buscar os 100% e desobedecer à lição #1.
Pois bem, carro alugado, tíquete para quatro voltas na mão, agora é hora de quebrar o pau! Ali, na hora que você está prestes a liberar seu acesso ao Green Hell, é impossível não ficar com as mãos suando frias, a boca seca e sentir os batimentos cardíacos subindo tão rápido quanto o giro daquele 911 GT3 RS que está na sua frente. Esse nervosismo atrapalha, até a hora que aquela bendita cancela se abre diante de você!
Após sair de-va-gar e contornar o zigue-zague formado pelos cones, a visão daquela reta faz com que seu pé direito imediatamente vá ao fundo. A maneira como as curvas se sucedem, as intermináveis subidas e descidas, as curvas cegas, os carros que te passam, os carros que você ultrapassa, o sol do fim do dia te ofuscando. Ao mesmo tempo em que é um baita teste para a concentração, no fim você acaba se acalmando e, se seguir as regras acima, tudo dá certo. No fim, você está suado, cansado, ofegante e inevitavelmente com um sorriso no rosto.
Imediatamente após completar minha 4ª volta, estacionei o carro, escutei um aviso em alemão pelos alto-falantes do circuito, vi uma ambulância saindo em disparada e imediatamente as entradas foram fechadas. Deu ruim! Alguém bateu o carro e a coisa poderia ter sido séria. O circuito ficou pouco mais de uma hora aberto, das duas horas previstas. E eu havia acabado de dar minha última volta lá! Mais uma coincidência.
Não fiquei lá para ver o que aconteceu. Fui embora, reabasteci e devolvi o carro. No dia seguinte tinha mais.
Aqui, ocorreu a segunda coincidência boa dessa viagem. Programei os dias 29 e 30 para Nürburg somente pela proximidade com Frankfurt. Porém, justamente no dia 30 de setembro o traçado GP estaria aberto para o “touristenfahrten”, e nesse mês isso só ocorreu em três dias. Ou seja, vendo isso, já me programei para fazer duas sessões de trackday, mas dessa vez, como a pista era bem mais larga e com amplas áreas de escape, resolvi me arriscar mais. Escolhi uma BMW M135i com caixa manual.
Antes, durante o dia, visitei o museu, torrei uma grana na loja de souvenires, andei de carro em um pedaço do Sudschleife, fui à Adenau e tirei um bocado de fotos disso tudo.
Novamente às 16h em ponto estava de volta ao Ring Garage para pegar a BMW. Trâmites burocráticos feitos, entrei no carro e fui para a entrada do traçado GP. Essa entrada fica à direita do hotel Dorint (aquele famoso que possui quartos com vista para o autódromo). Para chegar aos boxes você passa por um túnel embaixo da pista, valida seu tíquete em seguida e segue a fila até ficar na saída, pronto para atacar o traçado GP.
Dessa vez, apesar do carro bem mais potente, estava mais calmo. A ansiedade inicial eu matei na primeira volta do traçado norte. Pista liberada, nada de volta de aquecimento. É lenha desde a saída dos boxes. E todo mundo faz assim!
O traçado GP também é muito técnico e divertido. Ele também possui variações de relevo (não tão grandes quanto o anel norte) e curvas cegas, então não é tão fácil quanto parece virar tempo lá. Com um carro mais forte, não fui tão ultrapassado, consegui acompanhar bem uma Alpina B3 biturbo (ela abria um bocado nas retas mas eu conseguia buscar nas curvas) e passei muita gente, incluindo uma BMW Z3M – o que me deixou bastante orgulhoso.
Infelizmente não foi possível fazer as duas sessões de 15 minutos que havia planejado. Houve um atraso na abertura da pista e só tiveram três sessões: duas para motociclistas e uma para automobilistas. Mas tudo bem. Quando acabou a sessão novamente eu estava suado, cansado, ofegante e com um baita sorriso no rosto.
Devolvi a BMW para o Boosted Boris, completei o tanque do Opel Corsa que a locadora havia me entregue, comprei uns chocolates baratos, água e fui cumprir meu próximo objetivo: chegar em Stuttgart (aproximadamente 330 km dali) para dormir e começar uma nova etapa na viagem.
Já era noite quando peguei a estrada secundária que me conduziria à autobahn rumo à Stuttgart. Enquanto o Dave Brubeck se revezava com o Miles Davis, o Pearl Jam, o Metallica, o REM e o Jamiroquai no festival da minha playlist, eu degustava aquele chocolate barato e digeria tudo que eu vivera naquele dia e no anterior. Fiz todo o caminho sorrindo. Sozinho, de pé embaixo naquele carrinho, me senti a melhor pessoa do mundo. Quase não acreditava que eu, a horas atrás, estava no sul da Alemanha, no meio do nada, num vilarejo onde a única atração é um autódromo muito antigo que ninguém – a não ser pessoas como nós – adora e sonha em visitar. E realizei esse sonho com carros fantásticos, andando muito rápido e tinha mais um monte de gente fazendo o mesmo. Foi o chocolate mais saboroso que eu já comi!
Já passava das 23h quando cheguei no hostel. Só tive ânimo para dormir. O dia seguinte seria cansativo e o descanso era justo, merecido e necessário para encarar a próxima maratona. Mas isso fica para a próxima parte.