Por mais que não tenhamos todos os carros bacanas lançados lá fora, o Brasil já não é um país fechado ao comércio automotivo há quase trinta anos e, com isto, a quantidade de importados rodando em nossas ruas é bem maior do que qualquer um poderia imaginar em 1990 – ano em que as importações foram abertas.
Antes disto, só projetos abrasileirados e devidamente adaptados a nosso mercado ou, mais raros, carros criados no Brasil para brasileiros. Se você não quisesse rodar por aí de Fusca, Gol, Corcel, Monza ou Uno e buscasse algo mais caro e exclusivo, teria de apelar para os fora-de-série.
O Puma, mais famoso deles, era um esportivo de visual próprio que, em sua versão mais famosa (internacionalmente, inclusive) era feito sobre a base mecânica do Fusca – e foi o fora-de-série mais bem-sucedido do Brasil. Outros, menos conhecidos, pegaram mais do que uma leve inspiração em modelos estrangeiros…
É deles que vamos falar neste post: carros fora-de-série feitos no Brasil para tentar satisfazer quem até compraria um importado, se importados fossem oferecidos aqui. Falando português, clones. Não estamos caçoando, não – a questão é que, olhando para carros como estes hoje em dia, a maioria deles é quase pitoresca, com visual que nem sempre consegue reproduzir as linhas dos carros que lhes servem de inspiração. De qualquer forma, qualquer um deles é uma peça interessantíssima da história da indústria automotiva brasileira.
Não consegue visualizar o que estamos dizendo? Então nos acompanhe!
Passat “Audi Quattro” da Sulam
Se você nos lê já há algum tempo, certamente conhece a história do VW Passat e sabe que ele compartilhava sua plataforma com o Audi 80, cuja segunda geração deu origem ao Audi Quattro exatamente em 1980. O carro de rali é um dos mais lendários da categoria, sendo responsável por introduzir a tração nas quatro rodas ao WRC e mudar o padrão da competição.
Sendo assim, fazia sentido que alguém tentasse explorar este parentesco quando a conversão de automóveis estava em alta no Brasil. Em 1984, no Salão do Automóvel, foi apresentado o Passat “Quattro”, feito pela Sulam. A empresa foi fundada em 1973 como fabricante de karts e, em 1978, começou a realizar suas primeiras conversões, transformando o Ford Corcel em um targa, e o Fiat 147 em um conversível.
O Passat tinha a traseira modificada com fibra de vidro para reproduzir as linhas do Audi Quattro, usando as lanternas do Fiat Uno, cujo formato lembrava bastante as originais. As linhas gerais do Passat até que recebiam bem a transformação, até mesmo por causa dos quatro faróis na dianteira. As proporções, contudo, ficavam um pouco estranhas, especialmente por causa do tamanho avantajado da área envidraçada.
O motor podia ser mantido original,ou seja, um AP de 1,8 litro com carburação simples e 92 cv, ou receber um kit que incluía um novo virabrequim e novos pistões que ampliavam o deslocamento para dois litros, elevando a potência para 122 cv. A tração, evidentemente, continuava na dianteira, pois a conversão se resumia a um kit com alargadores nos para-lamas, novos para-choques e rodas phone dial parecidas com as do Porsche 928. O Passat sairia de linha quatro anos depois e, com ele, a versão “Quattro” da Sulam, também. Mas, falando em Porsche 928…
Gol “Porsche 928” da Dacon
Era 1977 quando a Porsche apresentou o 928. O esportivo era uma verdadeira quebra com os padrões da Porsche, adotando um V8 na dianteira, visual ousado, quase avant-garde, e a proposta de substituir o icônico 911. Não rolou, e a Porsche ainda conseguiu transformá-lo em um grand tourer mais caro e luxuoso que o nine-eleven, oferecendo-o em sua linha até 1995.
A Dacon, famosa concessionária paulistana da Volkswagen que apostava na exclusividade para conquistar um público seleto, também realizava conversões radicais em automóveis da Volkswagen, usando a marca PAG, de Projects d’Avant Gard O Porsche 928 feito com base no VW Gol era uma das conversões mais radicais. Feito com fibra de vidro, emulava as formas da carroceria do 928 sobre uma base de dimensões bem menores, tornando o resultado estético bastante curioso. As lanternas eram as mesmas da Kombi e os faróis escamoteáveis, por questões técnicas, foram suprimidos. O conjunto óptico todo ficava no bico do carro, sendo que no 928 o local ficava reservado aos piscas e às luzes auxiliares.
Fusca “Porsche 959” da Cintra
Os críticos mais maldosos costumam comparar toda geração do Porsche 911, mesmo o atual 911, ao Volkswagen Fusca. A piada é um exagero, mas faz sentido, visto que o Porsche 911 foi projetado por Alexander “Butzi” Porsche seguindo os princípios básicos do Carro do Povo, cujo projeto é de autoria de seu avô, o Dr. Ferdinand Porsche. É claro que diversos aspectos importantes do primeiro 911 são muito mais evoluídos do que no Fusca, mas a ideia básica de um carro com motor traseiro arrefecido a ar existe em ambos.
Sendo assim, com um pouco de imaginação, dá até para entender porque alguém escolheria o Fusca como base para um clone do Porsche 959, o supercarro levemente baseado no 911 que a Porsche lançou em 1986. Na real, bastante imaginação.
Na verdade, não dá para criticar muito a execução em si: o Fusca transformado em um clone do Porsche 959 não ficou mal feito, e o acabamento parece acima da média para um fora de série brasileiro. Os para-choques são bem acabados e detalhados, os faróis encaixam bem nos para-lamas alargados e até as lanternas traseiras eram originais Porsche (com direito ao letreiro “CINTRA” na régua refletora entre as lanternas).
O criador do Fusca 959 foi André Cintra, que em 1988 começou a estudar na escola de design do famoso projetista Anísio Campos. O Cintra 959 foi um projeto criado por André para um concurso cuja premissa era desenvolver alterações no desenho do Besouro. André comprou um Fusca 1985 para executar seu projeto, e desenvolveu uma carroceria com três peças de fibra de vidro colocadas sobre a estrutura do Volkswagen.
As proporções do Fusca fizeram com que o clone ficasse parecendo um filhote de 959 e, para justificar o visual mais invocado, o motor do carro era um quatro-cilindros turbo de 1,8 litro. O interior permaneceu original, apenas com a adição de bancos de couro Recaro. Outros três exemplares foram feitos.
Monza “Mercedes-Benz 190E” da Agromotor
Foto: MonzaClube.com
A paulista Agromotor foi, na verdade, uma das empresas que transformavam o Chevrolet Monza em um clone do Mercedes-Benz 190E, um dos automóveis mais famosos a carregar a estrela de três pontas. O 190E W201 foi extremamente bem-sucedido entre 1982 e 1993, sendo o precursor do Mercedes-Benz Classe C. Seu visual elegante e sua mecânica extremamente confiável tornaram o 190E um ícone, enquanto versões como o 190E 2.3-16 (ou 2.5-16) Cosworth, especial de homologação para o Campeonato Alemão de Carros de Turismo (DTM) o tornaram querido também pelos entusiastas.
Lançado no Brasil também em 1982, o Chevrolet Monza estabeleceu um novo padrão de conforto e desempenho a preço acessível, tanto que foi o automóvel mais vendido do País entre 1984 e 1986 – primeira e última vez em que um automóvel de tamanho médio conseguiu tal feito. Suas linhas retas e alemãs (afinal, é um projeto da Opel) o tornaram a base perfeita para ser convertido em um clone do 190E.
A transformação era feita com capricho, incluindo a utilização de componentes originais do 190E, como lanternas dianteiras e traseiras, para-choques, grades e faróis, devidamente adaptados para manter 100% de sua funcionalidade. Até mesmo o formato da área envidraçada do Monza favorecia esteticamente a conversão. A Agromotor podia fornecer o veículo base ou contar com o exemplar do cliente, que também pagava pelos componentes da Mercedes. Tanto as peças novas quanto a carroceria do Monza passavam por adaptações para se encaixar perfeitamente, e o resultado impressionava.
Monza “Pontiac” da Envemo
Eis uma transformação que fazia sentido: o Chevrolet Monza “Pontiac” da Envemo. O Pontiac Sunbird J2000, lançado em 1982, era a interpretação americana para a plataforma J da General Motors, que rendeu diferentes modelos espalhados pelo planeta – Isuzu Aska no Japão, Opel/Vauxhall Ascona na Europa, e outros modelos que dealhamos neste post. O Monza com a dianteira típica da Pontiac, criado pela Envemo na década de 1980.
Diferentemente dos clones desta lista, o kit Envemo para transformar o Monza em um Pontiac Sunbird era puramente estético, e incluía uma nova dianteira, com três pares de faróis e o “bico” característico da extinta fabricante americana e para-choques envolventes, além de saias esportivas. Opcional era a transformação em conversível promovida pela Envemo. Estes Monza são extremamente raros, difíceis de encontrar em qualquer estado de conservação.
Grancar Futura, aka “Renault Espace” brasileira
Até a década de 1970 a Ford e a Renault mantinham uma parceria no Brasil que tinha como elo em comum a Willys. Mas outro carro, este fora de série, uniu as duas fabricantes no Brasil anos depois: a minivan Grancar Futura. Lançada em 1990, a minivan foi criada pelo designer Toni Bianco em parceria com o dono da concessionária Ford Grancar, Armando George Neto.
O projeto era um clone descarado da Renault Espace de primeira geração, minivan lançada na Europa em 1984 que teve uma unidade importada de forma independente pela Grancar a fim de tirar as medidas da carroceria. O trabalho de criação do chassi tubular e da carroceria de fibra de vidro (material também usado na Espace) foi executado por Bianco, enquanto George Neto ficou com a parte logística.
O conjunto mecânico era o mesmo da linha Corcel/Del Rey/Belina, com um motor AP de 1,8 litro e 92 cv. Com lanternas da Fiat Elba, instrumentos do Del Rey Ghia, volante do Chevrolet Monza e tanque de combustível do Escort, a Futura pesava 1.300 kg e sofria um pouco com o primeiro motor, adotando a versão de dois litros e 116 cv para 1991. Durou pouco, porém, com 159 unidades fabricadas e produção encerrada naquele mesmo ano. Segundo Bianco, o ritmo de produção era de 15 a 20 unidades por mês.