Admita: se você foi um jovem apreciador de música dos anos 2000, provavelmente você já esnobou alguma banda ou artista só porque todo mundo estava ouvindo. Este é um pecado que eu cometo ainda hoje, e isto me faz descobrir muita música bacana “tarde demais” – aspas porque, bem, nunca é realmente tarde demais.
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Isto me ocorreu com o The Black Keys, duo americano de garage rock formado por Dan Auerbach (guitarra e voz) e Patrick Carney (bateria). Mais especificamente com El Camino, álbum de 2011 que acabou se tornando seu maior sucesso. A primeira faixa, “Lonely Boy”, ficou absurdamente popular – foi o single mais bem sucedido da banda em vários países. E ganhou um dos clipes mais bizarramente divertidos já feitos.
Só fui dar a devida atenção a El Camino agora, dez anos depois. Foi o sétimo álbum do Black Keys, uma banda já veterana – foi formada em Akron, Ohio, no ano de 2001. O som sempre foi um rock de garagem feito à moda antiga, com raízes no blues, produção orgânica e canções construídas em volta dos riffs de guitarra. O fato de ser um duo é praticamente ilustrativo: Auerbach e Carney são os dois membros oficiais, mas em estúdio e nos palcos o The Black Keys contou com vários músicos de apoio ao longo dos anos.
No caso de El Camino, porém, a abordagem foi mais crua: apenas as guitarras e vocais de Auerbach, a bateria de Carney, e os teclados de Danger Mouse (nome artístico de Brian Burton, mais conhecido por formar o Gnarls Barkley ao lado de CeeLo Green no começo dos anos 2000), que também produziu o álbum. Apesar disto, a música é bastante densa, cheia de camadas e texturas, com uma boa dose de reverb, vozes “sujas”, interlúdios acústicos e seções instrumentais matadoras. Mesmo sem o baixo na cozinha.
Incidentalmente, El Camino também é um excelente álbum de estrada – especialmente nas faixas mais galopantes, como “Gold on the Ceiling” aí em cima. Não por acaso, também é muito lembrado nas listas de melhores álbuns com carros na capa e melhores capas de álbuns com carros que se costuma fazer por aí.
A capa, aliás, começa com um mindfuck para entusiastas: o nome do álbum é El Camino, mas o carro, evidentemente, não é um El Camino. Alguns acham graça, outros ficam incomodados, mas, afinal, por que esta divergência?
A inspiração para o título do álbum foi, de fato, o Chevrolet El Camino, que possivelmente é um dos carros mais rock and roll que existem no mundo – é uma picape com cara e motor de muscle car, cara!
Feito com base no Chevrolet Chevelle, o El Camino podia vir até com o V8 396 do Chevelle SS, um monstro de 6,5 litros e 380 cv (brutos) que garantia menos de 15 segundos no quarto-de-milha sem quaisquer modificações. Opcionalmente era possível ter bancos individuais de tecido ou vinil, tapetes macios e conta-giros, transformando o El Camino, de fato, em um muscle car para curtir a dois.
Acontece que, por mais que a ideia seja tentadora, não há nenhuma inspiração poética para o nome do álbum, segundo o próprio Black Keys. Em uma entrevista ao site americano Nashville Scene, Patrick Carney explicou que a banda simplesmente viu um El Camino na estrada em 2010, durante a turnê do álbum anterior, Brothers.
“Bom, eu e o Dan estávamos em turnê no Canadá, tentando achar um nome para o álbum. Tínhamos várias ideias. Então, quando a gente estava passando de carro pelas Montanhas Rochosas, passamos por um El Camino (risos). Então pensamos em chamar o álbum de El Camino só de brincadeira.”
Mais tarde, em outras entrevistas sobre o álbum, o duo chegou até a dizer que havia um significado mais profundo, já que o nome do Chevrolet El Camino quer dizer “o caminho” em português – dando ao título do álbum uma conotação mais profunda e filosófica. Mas, no fundo, era apenas uma piada.
Por que diabos, então, não há uma foto fodástica de um El Camino na capa? Esta ideia foi de Michael Carney, irmão do baterista e diretor de arte da banda.
“Eu contei ao meu irmão sobre a ideia e ele disse, ‘Sabe, se vocês chamarem o álbum de El Camino todo mundo vai pensar no carro’. E eu respondi: ‘Sim, exatamente. Essa é a ideia, c*ralho!’ E ele disse, ‘Beleza, mas então porque não colocar um carro na capa que não seja o El Camino?’ E eu disse ‘OK, mas que carro?’ E ele respondeu, ‘Sei lá, só coloquem o carro da primeira tour de vocês’. Então basicamente é isso. Uma bobeira.”
E então chegamos ao tal carro da capa: uma Chrysler Town & Country de primeira geração – modelo relativamente raro, fabricado apenas em 1989 e 1990, que deu lugar à segunda geração já em 1991. Obrigatoriamente, a minivan tinha as laterais revestidas com imitação de madeira. Não era exatamente a van na qual o duo fez sua primeira turnê – uma Plymouth Voyager 1994, versão rebatizada da Town & Country. Mas a estética era perfeita para um álbum de garage rock.
A banda sabia perfeitamente que o título do álbum causaria estranhamento, talvez até revolta, em qualquer um que soubesse que aquele carro não era um El Camino. E então, eles decidiram explorar um pouco mais a ideia. O encarte do álbum traz fotos de outras minivans antigas americanas – Ford, Chevrolet, Dodge – e rolou até um vídeo promocional com Bob Odenkirk (o Saul Goodman de Breaking Bad e Better Call Saul) interpretando um vendedor de carros usados que tenta convencer o público de que a minivan Chrysler da capa é um El Camino.
A ideia divertida foi bem recebida pelos fãs – mas a qualidade da música foi a verdadeira responsável pelo sucesso de El Camino, que chegou ao número 2 nas paradas da Billboard. E, com isto, a escolha do nome e da capa acabou mesmo ganhando um significado mais profundo: El Camino também pode ser traduzido como “a estrada” – e, quando o The Black Keys caiu na estrada pela primeira vez, foi em uma minivan velha “com o interior fedendo a urina”, segundo a própria banda já comentou em entrevistas.
Minha sugestão: agora, eles precisam fazer um álbum chamado Town & Country com um Chevrolet El Camino na capa. Vai ser um sucesso!