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História Zero a 300

O dia em que Dan Gurney levou um muscle car americano à Inglaterra – e quase deu uma surra nos Jaguar

Dan Gurney, que morreu no início de 2018 aos 86 anos de idade, era um cara f*da. Desculpem o palavreado, mesmo com asterisco, mas não dá para não dizer menos de um homem que dedicou quase 70 anos de sua vida ao automobilismo, fez contribuições importantes para a história de todas as categorias em que competiu e, mesmo depois de aposentado, manteve-se como um dos nomes mais relevantes do esporte a motor. Você pode ler a respeito de tudo o que ele fez neste post que fizemos em sua homenagem, mas a história que vamos contar hoje é mais desconhecida, e tão incrível quanto todas as outras.

Em 1961, Dan Gurney levou um Chevrolet Impala SS quase todo original para disputar o Campeonato Britânico de Turismo (British Touring Car Championship, o BTCC). Ele não chegou a vencer a primeira corrida que disputou, mas feriu tanto o orgulho dos ingleses que acabou banido da categoria. É, o cara era mesmo f*da.

Vamos dar um pouco de contexto. Em janeiro de 1961, aos 29 anos de idade (ele completaria 30 em 13 de abril), Dan Gurney já havia participado de três edições das 24 Horas de Le Mans – duas pela Ferrari e uma pela Jaguar. Ele também já havia disputado 15 corridas em duas temporadas da Fórmula 1, apadrinhado por Enzo Ferrari. Ele ainda não tinha corrido na Nascar e nem na Indy – no início de sua carreira, talvez mais do que em qualquer momento dela, Gurney parecia obstinado em mostrar aos europeus do que era feito o automobilismo norte-americano.

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Dan Gurney também tinha a convicção de que um Chevrolet Impala SS minimamente modificado seria suficiente para derrotar os britânicos em casa, e estava disposto a provar. E ele tinha boas razões para pensar assim: enquanto o Chevrolet Impala SS era equipado com um V8 de 409 pol³ (6,7 litros) e 365 cv (nos EUA até existe quem o chame de “muscle car”, embora estes tenham surgido apenas depois de 1964, com o Pontiac GTO) os carros com motores mais potentes do grid na Inglaterra eram os Jaguar MkII, cujo seis-em-linha de 3,2 litros entregava originalmente 220 cv. O BTCC era disputado pelo carros do Grupo 2, divididos em quatro categorias: até 1.000 cm³, de 1.000 a 1.999 cm³, de 2.000 a 2.999 cm³ e acima de 3.000 cm³, na qual os Jaguar e o Impala se enquadravam.

O fato de ser o Campeonato Britânico de Turismo queria dizer que as corridas eram todas disputadas no Reino Unido, e não que apenas carros fabricados no Reino Unido podiam competir. Pelo regulamento, não havia qualquer impedimento para que uma banheira norte-americana participasse. Guarde esta informação, pois ela é importante.

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E assim Dan Gurney fez: encomendou um Impala SS zero-quilômetro à Chevrolet e o mandou para o Reino Unido para chutar alguns traseiros ingleses. E ele teria conseguido se não fosse por uma roda que decidiu seguir seu próprio caminho.

Podemos supor que parte do ponto de Gurney era que o Impala não precisaria de muita preparação para vencer os britânicos, e assim ele levou o carro a Bill Thomas, que era o engenheiro responsável pela preparação dos carros da Chevrolet para corridas nos Estados Unidos e amigo pessoal de Dan Gurney, para verificar o motor e garantir que tudo estava em ordem. Ele não mexeu em nada: apenas desmontou o V8, conferiu todas as peças e o montou novamente. Um detalhe importante: o carro foi encomendado com o kit de suspensão Taxicab & Police, que tinha molas mais firmes, amortecedores com mais carga, barra estabilizadora dianteira mais grossa e rodas de 15 polegadas (sem o kit as rodas eram de 14 polegadas).

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As modificações propriamente ditas foram mínimas: o carro recebeu uma barra estabilizadora de Corvette na traseira, uma caixa de direção de relação mais direta (sem assistência) e dutos de arrefecimento para os freios – Gurney era especialmente cuidadoso com os freios pois, como contamos no post em sua homenagem, em 1960 ele fritou os freios de seu BRM no GP da Holanda, em Zandvoort, e acabou sofrendo um dos piores acidentes de sua carreira por conta disto. O Impala também ganhou pneus mais largos. Fora isto, era completamente original. Gurney não removeu o rádio, não retirou bancos e sequer instalou uma gaiola de proteção, pelo que se pode ver nas (poucas) fotos da época.

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A corrida de estreia do Impala de Dan Gurney aconteceu em Silverstone, no dia 6 de maio – era a quarta prova do campeonato. Nos primeiros treinos de classificação, no dia 4, Gurney completou sua melhor volta no circuito em 2:07,6, ficando em sétimo no fim do dia – cerca de três segundos mais lento que o primeiro colocado. Na sessão do dia seguinte, porém, veio o sinal de que os ingleses deveriam se preocupar: Dan Gurney ficou com a pole position com 1,2 segundo de vantagem sobre o segundo colocado, que era ninguém menos que Graham Hill ao volante de um Jaguar.

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Como era de se esperar àquela altura, Gurney seguiu tranquilamente na liderança durante boa parte da corrida de 12 voltas, enquanto os Jaguar, Austin e Mini brigavam por posições atrás dele. No entanto, na oitava volta, uma das rodas traseiras do Impala se soltou e o norte-americano teve de abandonar a corrida.

Seu ponto já estava provado, mas Gurney queria mesmo uma vitória. Assim, seu plano era voltar a Silverstone para a corrida seguinte, com rodas e pneus usados na Nascar, e enfim vencer os ingleses. Mas ele não pode fazê-lo, porque os organizadores da competição o impediram de participar, citando “problemas com a homologação.” Na prática, ficou a desconfiança de que o então gerente do departamento de competição da Jaguar, Lofty England, havia mexido os pauzinhos para frear a entrada de Gurney na prova.

Décadas mais tarde, em 2003, Dan Gurney deu uma entrevista à Motor Sport Magazine e abordou o fato. “Foi mesmo Lofty England”, disse Gurney. “Eu não o culpo, isto é parte do automobilismo. Eu tinha dado um belo susto nos Jags, e ele estava protegendo os seus. Nunca me explicaram as discrepâncias que me impediram de usar o Chevrolet de novo, e eu também não fui atrás para descobrir. A troco de quê?”

De fato, Gurney simplesmente decidiu seguir com sua vida. Em 1961 ele ainda correu pela Porsche na Fórmula 1 e, no ano seguinte, conseguiu conciliar participações na F1, na Indy e em Le Mans.

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O que aconteceu com o Chevrolet Impala? Dan Gurney vendeu o carro para um entusiasta australiano, que o converteu para a mão inglesa e correu com ele em algumas provas. O Impala permaneceu na Austrália até 2017, quando o homem finalmente decidiu vendê-lo.

O atual dono do carro é Ed Foster, editor do site Goodwood Road and Racing, que comprou o carro semanas antes da morte de Dan Gurney e nos últimos meses restaurou o Impala, trazendo-o de volta à configuração deixada pelo lendário piloto norte-americano.

No início de setembro o Impala foi uma das estrelas do Goodwood Revival, enfrentando mais um vez os britânicos em uma corrida para carros históricos, com Dario Franchitti ao volante.