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Car Culture

O Furia V8 Audi da Engmotors em Águas de Lindóia

Ainda ontem vi um post no Facebook dizendo algo com o efeito de “veja todos os carros do encontro de Águas de Lindóia sem ter que enfrentar a multidão e as aporrinhações!”. Tive que rir; claro que se pode ver qualquer carro do mundo hoje em dia sentado até no trono: basta digitar o nome dele na barrinha do Google. Dã. Nós vamos lá não para conhecer coisas; vamos para ver coisas ao vivo. Mesmo que tenhamos que enfrentar algumas dificuldades para isso.

E todos os perrengues e aporrinhações do evento existem mesmo. Muita gente já desistiu de ir por causa deles. São bem conhecidos: muita gente, pouco espaço, comida de pé com filas intermináveis, sem lugar para sentar-se, banheiros com fila e ruins, calor, sem sinal de celular, estacionamento caro, raro, longe, ou tudo isso junto.

Mas se você gosta de encontrar gente amiga, ou no mínimo de interesses parecidos, e mais importante, ver carros ao vivo de verdade, na perspectiva real do mundo lá fora e da altura dos seus próprios olhos, não há lugar melhor no mundo. Penso assim: em um shopping-center com a família no fim de semana, absolutamente nada me interessa. Passeio com a família para passar tempo com ela; as lojas me geram interesse nulo. Já em Lindóia, tudo é de meu interesse. TUDO! Posso achar caro, posso criticar, rir, brincar com amigos, mas absolutamente tudo coloca a cabeça para funcionar. Nada de ponto morto aqui: se está sempre atento.

Ver carros ao vivo muda absolutamente tudo; se tem a real ideia de proporção, de tamanho, de jeito de qualquer coisa. Coisas bonitas em fotos se mostram estranhas ao vivo, e vice-versa. Não é sem motivo que os fabricantes de automóveis têm grandes pátios protegidos em seus departamentos de estilo, onde outros carros podem ser trazidos para dar proporção e realidade a um novo projeto. E onde se pode ver o carro de longe e de perto, sob a luz real do sol e da lua. Simulações ainda são somente isso: simulações. Nos ajudam a chegar mais rápido à realidade durante um projeto, mas nunca substituem o mundo real.

É por isso que adoramos o evento. Onde mais ficaria cara a cara com um Alfa Romeo 6C 2500 Boneschi, para ter a noção exata de seu tamanho, porte e estilo? Onde mais perceberia como é pequena a cabine de um Cord 810 hoje em dia, ainda que o interior seja extremamente aconchegante e convidativo? Onde mais veria de perto a incrível altura da asa traseira de um Plymouth Superbird? Até na feirinha de peças se via coisas do mundo real extremamente esclarecedoras: em um evento no passado expliquei a um amigo a diferença de um Chevrolet V8 de bloco grande para um de pequeno só ao apontar para dois, lado a lado, no chão de uma loja.

Não, precisamos ver as coisas ao vivo de vez em quando. E o encontro anual naquela cidade é uma ótima oportunidade para fincar o pé no chão, ver o mundo real, e a temperatura do mundo do entusiasmo pelo automóvel no Brasil. E devo reportar que este ano, parece que este entusiasmo nunca esteve tão forte. Por incrível que pareça se julgando por trás de tela; a realidade é bem entusiasmante.

E foi em Águas de Lindóia, este ano, que vimos ao vivo pela primeira vez um carro sobre o qual fizemos uma extensa matéria e galeria de fotos no passado: o Bianco-Furia V8 da Engmotors, criado artesanalmente pelo Eng. Marcelo Camargo. O Marcelo dirigiu seu carro do Paraná até Águas de lindóia para o evento, e o expôs orgulhosamente na praça.

Ver o carro ao vivo imediatamente nos lembra dos Bianco, de como são pequenos, baixos, minúsculos. Mais impressionante ainda quando se pensa que este tem um V8 Audi atrás do habitáculo, em frente ao eixo traseiro, em posição central.

Impressiona também o bom gosto: o carro parece mesmo um restomod profissional, de nível mundial, e não algo feito por um dono nas horas vagas, o que efetivamente, ele é. O spoiler dianteiro, os cortes de paralamas e capô, os logotipos, o chassi, a suspensão, tudo parece algo feito por um especialista, a um custo inimaginável. O carro é simplesmente impressionante ao vivo.

 

O Furia-Audi da Engmotors ao vivo.

Vale a pena recapitular como nasceu este carro. Marcelo sempre gostou dos Bianco. O design foi o que lhe fisgou; aquela cara de protótipo de competição dos anos 1960, cheia de curvas e ancas; a cabine estreita e avançada, lá na frente do carro. A sua baixíssima altura, sua largura aparente, seu minúsculo tamanho total.

Logo comprou um para si, e depois de muito tempo, concluiu sua restauração. Era azul, com um motor VW com uma preparação tradicional de sua região: aumento para 1.900 cm³, dois carburadores Solex 40, cabeçote trabalhado. O carro fica bonito e pronto, é dá muita alegria para seu dono; mas não era o suficiente. O passo seguinte, um V8. Mas não este carro perfeito das fotos, uma adaptação simples, mais um passo na curva de aprendizado do Marcelo. Agora também trabalhava em competições, como mecânico, outro passo importante na sua jornada de aprendizado.

Com um V8 Rover de alumínio, leve e com 3,9 litros, e um transeixo Porsche, monta seu primeiro Bianco V8. Era uma criação que ele mesmo chama de tosca, mas ainda assim muito divertida, e que, de novo, lhe ensinou muito. Paralelo a isso faz faculdade e se forma engenheiro; juntando a isso uma capacidade de pôr a mão na massa única, resolve na sua cabeça o próximo passo: este carro que vemos nas fotos, ali então apenas uma ideia em sua cabeça. Consegue um V8 Audi usado, e o trabalho começa.

O carro, inteiramente feito à mão pelo Marcelo, mantém as linhas básicas do Bianco, mas é algo muito diferente. Um chassi sob medida, spaceframe tubular; o motor está em em posição entre-eixos; as suspensões são de competição, duplo A sobreposto nas quatro rodas, com braços feitos a partir de tubos sem costura. Atrás, coilovers remotos acionados por pushrods. Algo totalmente profissional, obviamente feito por gente que conhece do assunto.

O motor é um 4,2 litros aspirado tirado de um A8, com 358 cv a 6600 rpm medidos em dinamômetro. Os freios dianteiros vieram de um Porsche Cayenne; os traseiros de um Aston Martin de corrida, que doou também os semi-eixos traseiros. As rodas são japonesas Rays, de 18 polegadas, 11 polegadas de tala atrás e 9 na frente. Calçando 255/35 R18 na frente, 305/30 R18 atrás. O carro pesa aproximadamente 950 kg no total.

Mas se era baseado no Bianco, de onde vem o nome Furia? Bem, o Bianco foi a maneira que o indefectível carrozzieri brasileiro Ottorino “Toni” Bianco encontrou de se tornar um fabricante de automóveis, depois do fracasso do Furia-FNM GT. Este carro único, que Toni pretendia fabricar, estava em posição de destaque na exposição também, a poucos metros no Furia do Marcelo; depois gente acha que não vale a pena uma visita: a história do automóvel, que pode ser revivida se andando um pouco.

Mas pois bem, com o fracasso do projeto, Toni faz algo bem mais pragmático: antes do Furia-FNM GT, tinha feito seis carros de corrida de motor central chamados Furia. Pega a belíssima carroceria deles, e a coloca num chassi de Brasília inalterado e pronto: nasce o Bianco. O Marcelo voltar o motor para a posição central-traseira provocou a volta do nome Furia, e não Bianco.

É uma verdadeira obra de arte de um artista individual, este carro: Mantendo o entre-eixos e carroceria do Bianco, e com motor/câmbio na mão, Marcelo fez todo o resto ele mesmo. O chassi spaceframe. As suspensões, os dois tanques de combustível interligados na frente. Chicote elétrico. Estofamento. Escapamento. Painéis internos e de instrumentos. Ar-condicionado, usando um radiador de Gol “Bola” modificado, atrás do carro, com ventoinha elétrica. O carro tem alarme, trava e vidros elétricos. Marcelo fez a pintura da carroceria ele mesmo! É quase inacreditável.

É um carro minúsculo ao vivo, baixíssimo e denso, no sentido de que há muita coisa empacotada debaixo de sua carroceria pequena. Eu já sabia que não cabia num Bianco, tento sofrido a humilhação de ter ficado meia hora experimentando posições que teriam conotações sexuais esquisitas se não fossem realizadas ao tentar entrar num carro. Sem sucesso; simplesmente não houve maneira de eu entrar nele. Mas o Juliano Barata, ao fazer as fotos, obviamente conseguiu se aboletar no posto do motorista: ele é só um pouco mais baixo que eu.

Mas não importa: é algo tão importante, belo e admirável, que mesmo parado, imóvel, chega a nos emocionar. E nos paralisar também imóveis ao seu lado, por horas a fio. No mundo real, onde ele existe, e não é apenas uma obra de photoshop. Agora eu tenho certeza: eu vi!