Um dia eu estava parado no sinal com o Tigrinha, recém saído de uma lavagem com cera. Do meu lado parou um cara num Vectra, olhou pra mim e disse: “carrinho bonitinho hein?” “Po, obrigado!” E aí, você ganhou ele na caixa de Sucrilhos ou num McLanche Feliz?” Nesse dia o Tigrinha ganhou o apelido de Hot Wheels.
Olha aí o alto relevo…
Antes de mais nada, quero pedir desculpas a vocês e ao pessoal do FlatOut por demorar tanto tempo pra enviar o segundo texto. O ano de 2015 foi de muito serviço e 2016 não está dando sinais de folga. Ás vezes parece que é mais fácil fazer os projetos que falar sobre eles… mas já que estou aqui, vou falar do Tigrinha, porque eu gosto!
Diarista
Durante um ano inteiro, o Tigra foi meu único carro. Ia trabalhar, voltava do trabalho, levava criança no médico, fazia mercado. No frio, no calor, na chuva, na seca… Tudo que eu havia pedido pra ele fazer, ele fazia sem reclamar. Aliás, uma das coisas que mais me fez ter carinho por esse carro foi ele nunca ter me deixado a pé na rua. Nem um engasgo, nada quebrado, nem pneu furado. A única vez que ele ficou parado na rua a culpa foi minha, e num post futuro eu vou contar essa história. Também curtia os encontros de carros da GM, uma cultura que estava começando no Brasil.
Quem disse que esportivo não vai no mercado?
Sendo o único carro, modificações extensas na mecânica estavam fora de cogitação. E ele vinha aguentando bem o batidão diário: amortecedores estavam com boa carga, as buchas de suspensão não rangiam, o motor não baixava água nem óleo. O que eu vinha fazendo nele eram restaurações cosméticas, de som e de acabamento. Inicialmente eu montei um bom Sony Xplod com mp3 e controle na coluna (lembrem-se: era 2006 e mp3 ainda era uma parada bem legal!) com um kit de duas vias Bravox Diamond na frente e um sub também da Sony atrás. Tudo empurrado por um amplificador (adivinhem?) Sony. A caixa selada para o Sub eu mesmo que fiz, só levei num tapeceiro pra cobrir com uma camurça igual à da mala. Na época eu gostava demais de Sony e o aparelho que eu coloquei era tão bom, com um som tão limpo, que continua no carro até hoje. Um dia minha namorada olhou aquele sub Sony vermelho e lascou: “mas esse alto falante mais parece um b*cetão!” Pronto, estava batizado o sub.
Com vocês… o b*cetão!
Outra coisa que fiz na época foi cobrir o interior com couro. O revestimento original estava muito queimado e o couro foi uma adição boa ao interior do carro, ficou mais gostoso andar nele.
Legenda: eu gosto desse interior até hoje!
Para o interior ainda faltava achar uma nova almofada de airbag, pois a almofada original dos Tigras ia se desgastando nas laterais e a minha o dono anterior já tinha recoberto com um curvim, algo que me preocupava caso o airbag fosse necessário (graças a Deus nunca foi necessário!). Uma coisa interessante que eu fiz e recomendo a todo mundo com um carro um pouco mias antigo e querido foi levar o bicho num tira grilo. Um monte de barulhinho e rangido chato acabou depois de um dia de trabalho do cara. Valeu muito a pena e volta e meia eu faço isso em algum carro que precisa. Também coloquei na época um par de faróis projetores que remoçaram o visual do carro em uns dez anos.
Visual atualizado!
Mas a melhor adição dessa época foi sem dúvida o jogo de Eibachs, e em seguida as rodas de 16 polegadas com PZeros 195/45R16. As Eibachs foram trazidas da Alemanha, numa das primeiras importações diretas que eu fiz na minha vida. Juntamente com elas eu comprei também um jogo de Bilstein de carga original (peça de reposição mesmo) e buchas novas. Já as rodas eu fazia questão de colocar OEM, pra não ter stress com rodas frágeis ou pesadas. Lembro que eu cheguei na concessionária pra escolher essas rodas com uma balança na mão. Como eu não tinha nenhuma preferência por modelo, pegaria a que fosse mais leve. Ganharam as rodas do Vectra Elegance. Coisa de um ano depois a GM lançava o Vectra GT com aquelas rodas de 16 polegadas de sete raios vazados que eu sempre pensei em pegar mas nunca concretizei. Sobre os PZero… nem precisa dizer que eram absolutamente fodas e tinham uma aderência absurda.
Além de tudo ficou lindo!
Outra coisa que eu fiz também foi melhorar os freios do Tigra. Eu sou adepto de soluções de prateleira da fábrica sempre que possível . O Clube do Tigra descobriu que o sistema de freios do Vectra de quatro furos é plug and play nas canelas de amortecedores do Tigra (e de tabela nos Corsas e Celtas: fica a dica!), os discos são mais espessos, com mais dutos de ventilação, as pinças possuem êmbolos maiores e as pastilhas têm quase o dobro da área de contato. Freios pra um carro de 1.400 kg num carro de mil são bons, não são? São ótimos, ainda mais se vc tiver uma boa borracha pra segurar o carro com a força nova dos freios. Desde sempre usei pastilhas EBC Green nele e não me arrependo nem um minuto do desempenho delas e dessa adaptação, que foi cara mas ficou excelente. Atrás, mantive os tambores originais e sapatas Powerbrakes, pra melhorar um pouco a frenagem mas não arriscar ficar travando a traseira o tempo todo com a dianteira bem mais forte.
Porém, ah porém, naquele fim de 2006 o Tigrinha começou a fumar. O motor estava fumando em alta, e eu sabia que aquilo teria que ser resolvido. Sorte que eu já tinha uma solução para poder parar o Tigrinha…
Carro diarista, o melhor equipamento para seu projeto
Essa é a parte em que eu vou tentar convencer vocês de um conceito. A ideia de um carro diarista, que é tão combatida por muitos entusiastas. Pelo foco estritamente entusiasta, todos os recursos devem ser destinados ao projeto. Assim ele é terminado mais rapidamente e o entusiasta pode desfrutar antes do carro. Porém a vida não funciona assim. Inúmeros compromissos com o resto da vida (apartamento, filhos, trabalho, outros hobbies) fazem com que a necessidade de um carro como utensílio diário extrapole e muito a ideia de deixar o carro parado, realizando grandes intervenções mecânicas. A pressão externa pode inclusive resultar na desmontagem e até na venda do projeto inacabado, gerando uma série de frustrações, namoros terminados, filhos deserdados, cachorros mordendo os donos, etc.
Podem observar: a maioria dos Project Cars do FlatOut que são finalizados é a de gente que tem outro carro pra rodar. O carro diarista vai ser um utensílio, ao qual serão destinados menos recursos que ao projeto. Por outro lado, o diarista vai permitir que o projeto fique parado quando necessário, se algo quebrar, precisar de uma manutenção mais demorada, alguma preparação mais trabalhosa, ou mesmo se houver alguma coisa que tenha que ser consertada e vc simplesmente não quiser gastar aquela grana naquele momento… Vai te ajudar também ao carregar peças volumosas do seu projeto, como um bloco, um cabeçote, uma transmissão, um jogo de rodas ou pneus, enfim, coisas que vc não quer ou não pode transportar de outro jeito. O diarista especialmente vai permitir que não se ande com o projeto quando ele não está em perfeito estado, evitando assim uma quebra besta que vai custar mais recursos.
Dito isso, com o tempo (e as trocas de carro) eu acabei elencando alguns requisitos indispensáveis a um carro diarista. Características que vão atender ao uso diário e permitir ao entusiasta planejar as próximas etapas do projeto dele sem atrapalhar o resto da vida, e praticamente acabar com a pressão externa contra o projeto. Então sejam apresentados aos 10 Mandamentos do Carro Diarista:
- Um diarista deve ser antes de tudo confiável. O diarista é um carro que vai rodar debaixo de chuva, de sol, no seco, na poeira, vai pegar uma estrada inadvertidamente numa emergência, vai receber gasolina ou álcool ruim sem querer de vez em quando… Não dá pra ficar pajeando um carro que está ali pra te servir.
- Um diarista deve ser confortável. Mas atenção. Se conforto para você é ser tratado como uma pérola rara que merece ficar protegida em uma caixa de metal precioso ricamente decorada com joias e pedrarias e revestida com madeiras nobres e pênis de baleia enquanto escravos eunucos te carregam por aí usando sapatos de pelica ultra silenciosa você não entende a diferença entre conforto e luxo altíssimo e deve parar de ler esse site e começar a ler algum blog de moda e estilo pois combina mais com você. Conforto é você entrar no carro com sono de manhã, ligar e ele funcionar imediatamente. É você estar numa vaga apertada e uma direção assistida te ajudar a sair dela com menor esforço. É andar sem ser trepidado pelo asfalto, nem ter que passar a 2 km/h escalando cada lombada. É não morrer de calor num engarrafamento porque tem um bom ar condicionado. É você, no fim de um dia estressante de trabalho, entrar com enxaqueca no carro, ligar ele e não tomar um murro sonoro de um escape barulhento. É (sim, porque não?) ter um câmbio automático num engarrafamento. É ter travas e vidros elétricos pra sair e trancar o carro de uma vez só, sem perder tempo. É ter um bom som que possa ser ouvido em volume baixo ou alto quando vc quiser.
- Um diarista deve ser prático. Os bancos rebatem? Tem bastante espaço num porta malas? Cabe em uma vaga apertada? Se precisar subir num meio fio, consegue? É fácil montar uma cadeirinha de criança nele? É espaçoso por dentro? Tem porta trecos? Detalhes frágeis, como alto falantes e difusores de ar, são bem protegidos ou possuem um formato resistente? Tem alarme, trancamento de portas automático (ou pelo menos um alarme com esses kits de automação de conforto)? É fácil trocar um estepe? É fácil colocar as malas nele pra uma viagem?
- Um diarista deve ser econômico. Sim, claro. O objetivo do carro diarista não é ser um sugador de dinheiro, e sim um economizador de dinheiro. Então ele não deve ser caro de abastecer nem de manter. Normalmente isso se traduz num motor pouco potente, apenas suficiente para o carro, mas isso não importa muito pois seu foguete com rodas está guardadinho em segurança na garagem, pronto para aterrorizar o vilarejo quando vc quiser. E normalmente isso se traduz em comprar um carro de uma marca conhecida pela solidez e robustez, e uma plataforma já conhecida e tradicional, com peças fáceis de encontrar, mas algumas ótimas surpresas podem acontecer se vc fizer seu dever de casa e pesquisar bastante antes de escolher seu diarista.
- Um diarista deve ser bom de revenda. Devo confessar que eu raramente segui essa regra e que meus diaristas ditos mais “comerciais” foram justamente os mais difíceis de vender. Mas é uma regra de bom senso, e convém atentar a ela pelo menos um pouco. Isso significa prestar atenção na cor do diarista, ou no fato de ele ser flex, ou de ter itens apreciados naquele modelo específico. Ou então façam como eu: eu compro carros pra mim, não para o próximo dono. Assim, eu fico muito satisfeito com eles e quando vou vender o dono seguinte vê que eu fui feliz com o carro e vê que pode ter isso também pra ele.
- Um diarista deve ser capaz de aguentar pequenos apocalipses urbanos ileso. Um barranco cedeu na estrada logo à frente e os carros só estão passando pela terra? A sua garagem alagou? Uma rua está com água até a calçada por causa de um bueiro entupido? Um muro caiu numa rua e os carros estão tendo que passar por cima? Um buraco (ou pior, uma boca de lobo) estava escondido debaixo dágua e vc acertou ele com uma roda a oitenta quilômetros por hora?(pessoal de São Paulo, vcs não precisam se preocupar com isso mais…) Pois bem, o ideal é que seu diarista consiga sobreviver a isso. Sabe o que isso significa? Seu diarista não poderá ter uma suspensão baixa, ou rodas de grande diâmetro com pneus de perfil baixo. Adivinhem como eu descobri isso.
- Um diarista deve ser barato. Hein?!? Como barato? E ainda ter tudo isso que vc falou? Sim. Ou pelo menos barato pra vc. Se o cara quiser, compra um zero quilômetro, isso é uma coisa pessoal. Eu, por outro lado, acredito profundamente em comprar um usado em bom estado, dar uma bela revisão nele e economizar a diferença para o mais novo. E um carro usado desvaloriza menos no absoluto na hora de vender.
- Um diarista deve ser um carro SEGURÁVEL. Sei que muita gente não concorda com seguro total, acha que é uma bobagem, um jeito de as seguradoras tomarem nosso dinheiro. Essas pessoas nunca tiveram um carro roubado. Bom, eu tive e recebi direitinho o valor do carro um mês depois. E não acreditem no cara que diz que o opala 78 dele tem seguro. Na melhor das hipóteses o dono faz seguro do carro desde novo e aí o seguro ficou barato com o tempo, mas na maioria das vezes o cara só está mentindo na sua cara. Como em tudo, vale o bom senso.
- Um diarista deve ser um carro bonito (ou pelo menos bonito para o dono… quem ama o feio bonito lhe parece). Porque ninguém merece chegar de manhã todo dia e ver um murumdum automobilístico na sua vaga esperando você. Faça o teste. Se você sai da garagem e, antes de subir, dá aquela olhadinha pra ele só pra ficar satisfeito com o que vê, você tem um carro bonito.
- Um carro diarista NÃO DEVE SER OUTRO PROJETO. Ok, nessa confesso que pequei. De todos os meus diaristas, apenas os dois últimos não foram objetos de modificações mais ou menos extensas. O problema é que nós, entusiastas, olhamos para um carro e já pensamos no que podemos fazer pra modifica-lo ou deixa-lo mais ao nosso gosto. Não. Não e não. Para que seu projeto receba o esforço, os recursos e a dedicação que ele merece, não ceda a essa tentação. Ou então ceda só um pouquinho.
E foi isso que aconteceu. Na época, minha namorada queria trocar de carro. Eu comprei o carro dela (um Astra com menos de 50 mil km) para rodar diariamente enquanto poderia abrir o motor do Tigrinha e ver o que fazer. Depois do Astra (que tinha ganhado os aros 15 do Tigra quando esse ganhou os aros 16, pneus Continental 195/55r15., Eibachs e um tapa de leve no cabeçote), ainda tive um Vectra 2.0 manual com Eibachs, OZ Superturismo de 19 polegadas lindas e mais um tapinha legal no cabeçote. Depois desse Vectra (um carro bem comercial que eu tive dificuldade pra vender…) eu comprei um Citroen C4 VTR, instalei e molas Eibach com aros 18 opcionais da Citroën… lembram do 10º. Mandamento? Pois é, pequei nesses três. Mas dá pra refletir.
O Citroën ficou comigo por 3 anos e quase 100 mil km, e foi um dos carros mais confiáveis e econômicos que eu tive. E foi o carro que eu vendi mais fácil na minha vida toda. Literamente falei “achoq eu vou vender meu carro…” e arrumei um comprador. Esse Citroën foi o diarista que eu mais fiquei chateado pra vender. Pelo menos vendi para um amigo que tem o carro até hoje e ADORA ele. Ele foi um tapa na cara dos ditos “entendidos”, pois foi o carro que mais eu ouvi “é um mico, vc nunca vai vender, vai morrer na oficina de tanto gasto” e um tanto de outros “conselhos”. Foi o carro que mais me surpreendeu positivamente na vida.
Depois desse Citroën, eu tentei pensar em algo mais comercial sim, mas que tivesse ainda pelo menos um pouco da veia entusiasta que o VTR tinha tatuada na carroceria. Peguei um Peugeot 307 1.6, com a mesma plataforma do VTR. Mas com um acerto diferente, motor mais fraco e uma qualidade construtiva infinitamente inferior à europeia do VTR, o 307 não me conquistou. Ele pelo menos era bom de curva, muito confortável, completo e econômico. Veio completamente original pra minha mão e foi embora completamente original também. Nenhuma modificação foi feita nele. Então há coisa de um ano minha namorada, que tinha uma Ecosport desde zero km superconservada e pouco rodada, queria trocar de carro de novo.
Eu não entendia como ela queria dar linha num carro tão bom e confiável, um daqueles que nunca deixou nem ela nem minha filha na rua, e que tinha um consumo e um gasto de manutenção frugais (apesar de ser sempre tratada no pão de ló por mim, afinal de contas era o carro que minha família andava pra cima e pra baixo diariamente). Olhei meu 307 que ia envelhecendo e ficando mais difícil e vender a cada dia e pensei: vou vender o 307, ficar com a Eco e comprar um carro novo pra minha namorada.
Dito e feito. Hoje rodo com uma Ecosport que atende praticamente a todos os requisitos da minha lista: foi barata de comprar e de manter, é confiável (corrente de comando!), é econômica (faz quase 10km/l no álcool, pra mim isso é bem econômico), é confortável por ser completa e ter um rodar macio (apesar de ter um acabamento muito simples), nem liga para os constantes alagamentos localizados da cidade que eu moro (Brasília), sobe num meio fio se precisar, é fácil de estacionar, é muito espaçosa por dentro, cabendo aeromodelos grandes dentro dela (meu outro hobby…) e me levando a lugares onde eu voo com os bichinhos mas que carros baixos sofrem pra chegar, como alto de morros para planadores. O seguro total dela foi o mais barato que eu tive em um carro, e eu ainda gosto do estilo original das primeiras Ecosports. Eu sei que não é um jipe, é um carro urbano, espaçoso por dentro e realtivamente pequeno por fora, que me atende bem no dia-a-dia. E esse carrinho ainda cumpre sua missão entusiasta, carregando blocos e transmissões por aí sem reclamar!
Os diaristas, sempre prontos pra dar uma força…
Ah, vocês querem saber o que foi feito no motor do Tigrinha? Só no próximo post…
Por Bruno Angrisano, Project Cars #239