A história da Fórmula 1 está cheia de irmãos. Os mais lembrados pelo público atualmente, sem dúvida, são os Schumacher — Ralf e Michael. Eles também são os irmãos mais bem-sucedidos na categoria, afinal, Michael é heptacampeão do mundo, e Ralf, embora não tenha sequer chegado perto de conquistar um título, venceu seis Grandes Prêmios e terminou duas temporadas em quarto lugar no campeonato.
Hove vários outros pares de irmãos: Jackie e Jimmy Stewart, Ian e Jody Scheckter, Pedro e Ricardo Rodríguez, Gilles e Jacques Villeneuve — sempre com um deles se destacando mais que o outro, como ocorreu com os Schumacher. Isso também aconteceu com os irmãos Fittipaldi — Emerson, afinal, é bicampeão do mundo, enquanto Wilsinho pontuou apenas duas vezes em suas três temporadas disputadas.
Só que… diferentemente dos outros irmãos da Fórmula 1, Wilsinho Fittipaldi escreveu seu nome na história de um jeito diferente: além de ter sido por 30 anos “o irmão mais bem-sucedido da F1”, ele também foi o mentor e a peça-chave na formação da equipe Fittipaldi — até hoje a única equipe de Fórmula 1 do “terceiro mundo” que competiu em igualdade com as poderosas equipes italianas e britânicas.
Essa história em si vale uma matéria à parte — e ela virá nos próximos dias. Mas ela foi o auge de uma trajetória que começou no fim dos anos 1950, quando os primeiros karts chegaram ao Brasil. Quando Wilson Fittipaldi Júnior começou sua carreira nas pistas brasileiras.
O começo de tudo
Envolvido com o automobilismo desde cedo por influência do pai, Wilson Fittipaldi, narrador, piloto e promotor de corridas, Wilsinho teve seu primeiro contato com os karts aos 14 anos. Ele pilotava e seu irmão Emerson, dois anos mais novo, o auxiliava na preparação do kart.
Assim foi até o início dos anos 1960, quando Wilsinho decidiu trocar os karts pelos carros de turismo e acabou na lendária equipe Willys — o que lhe rendeu uma oportunidade de competir de Fórmula 3 na Europa em 1966. Infelizmente, por questões políticas entre a Willys Overland do Brasil e a Renault francesa, ele acabou disputando apenas parte daquela temporada e retornou ao Brasil.
De volta, ele passou a fabricar os karts Mini, até então fabricados pela Mecânica Riomar. Juntamente do sócio Maneco Combacau, ele adquiriu a produção dos karts e começou a produção de um chassi que revolucionaria o kart no Brasil, o famoso “chassi deitado”, mais curto e mais baixo, que colocava o piloto, bem, quase deitado no banco reclinado — se você já viu uma foto do kartismo brasileiro dos anos 1960, certamente viu um kart destes.
Também naquele ano, ele voltou a competir nas provas de turismo, mas agora pela Equipe Dacon, a bordo daquele que se tornaria um dos carros de corrida mais icônicos do Brasil, o Karmann-Ghia Porsche. Obviamente, ele tinha esse nome pois era um Karmann-Ghia equipado com um motor Porsche — um 2.0 aspirado de 250 cv para ser mais exato.
E mais: o carro tinha a carroceria de metal substituída por uma “bolha” completamente feita de fibra de vidro por Anísio Campos, o que reduziu o peso do carro para 650 kg. Faça as contas – 250 cv para 650 kg. Com ele, Wilsinho venceu cinco corridas entre 1966 e 1967, dentre as quais a Mil Quilômetros da Guanabara, a Mil Quilômetros de Brasília e as 3 Horas de Interlagos.
Apesar de ter sido usado por apenas duas temporadas, o Karmann-Ghia Porsche (ou KG-Porsche) foi uma peça fundamental na história de Wilsinho Fittipaldi. Isso, porque em 1967, o proprietário da Dacon, Paulo Goulart, encerrou a equipe devido a restrições orçamentárias e Wilsinho acabou comprando um dos KG-Porsche para si. Começava ali a carreira de Wilsinho como construtor e chefe de equipe — ainda que sem uma equipe propriamente dita logo de cara.
O Fittipaldi construtor
No ano anterior, 1966, ele e Emerson já haviam criado o Fitti-Vê para a nova categoria de monopostos que havia se tornado o centro das atenções do automobilismo brasileiro. O carro foi o maior sucesso da categoria — tanto em vitórias, quanto em unidades produzidas (estima-se cerca de 50).
O modelo foi apresentado no Salão do Automóvel de 1966, e tinha como principal vantagem o design aerodinâmico, com carenagem mais estreita e mais baixa, com uma cobertura sobre o motor e bico elevado como veríamos nos Fórmula 1 dos anos 1990. Com esse carro, Emerson Fittipaldi venceu cinco das sete corridas do campeonato e faturou o título de 1967 — o que ajudou no sucesso comercial do monoposto.
Àquela altura, é importante mencionar, os irmãos Fittipaldi já tinham uma fábrica de volantes esportivos e de competição, a Fórmula 1. E eles também produziam rodas de magnésio com a marca Fittipaldi.
Depois, em 1967, Wilsinho comprou o chassi de um Porsche 550 RS que estava encostado na oficina de Chico Landi, e decidiu fazer sobre ele um protótipo inspirado no Porsche 906, usando o motor de dois litros do KG-Porsche. O carro estreou na Mil Milhas de 1967 e liderou boa parte da prova até abandonar por um princípio de incêndio. Ele ainda disputaria outras provas de longa duração como a Mil Quilômetros de Brasília, mas com problemas de confiabilidade e com a ida de Wilsinho para a equipe Jolly-Gancia, o carro tem seu motor trocado por um Volkswagen 1600 e acabou cedido à escola de pilotagem da Bardhal no final de 1969.
Antes disso, em 1968, Wilsinho e Emerson haviam feito outro carro de turismo: o Fittipaldi 1600. Era um Fusca com as partes móveis e destacáveis da carroceria substituídas por peças de fibra de vidro, e os vidros trocados por acrílico. O motor 1600 tinha carburação dupla e um câmbio de quatro marchas com relações intercambiáveis para cada circuito, além de suspensão dianteira ajustável. Mais tarde o carro ainda ganharia duas enormes tomadas de ar, que captavam ar fresco no teto do Fusca e ajudavam o motor 1600 a desenvolver 70 cv.
Naquele mesmo ano, Wilsinho construiu um de seus projetos mais famosos: o Fitti-Volks, um Fusca semi-tubular com um flat-8 de 4,4 litros. O ponto de partida foi um Fusca com o túnel central alargado e com a porção traseira do chassi substituída por um subchassi tubular, mais ou menos como os Fórmula 1 da época. A cabine era formada por uma gaiola também apoiada sobre a porção original do Fusca, enquanto a carroceria original foi toda substituída por outra de fibra feita pela Glaspac, com a parte traseira basculante para acessar o conjunto mecânico.
O carro usou pedaços de outros carros de Wilson: a suspensão dianteira era de Porsche (possivelmente do Porsche que Emerson batera anos antes), enquanto a suspensão traseira vinha dos Fitti-Vê. O câmbio tinha cinco marchas e também era de um Porsche, assim como a caixa de direção e os freios a tambor. O motor, contudo, não era Porsche como muitos poderiam pensar — afinal, a Porsche fazia um flat-8 na época, usado pelo 908. Em vez disso, o flat-8 do Fitti-Volks era formado por dois flat-4 1600 da Volkswagen com deslocamento ampliado para 2,2 litros e unidos pelas pontas do virabrequim por meio de uma junta elástica da Giubo, usada no cardã do FNM 2000. Simples assim.
Como no Fitti 1600, ele não usava ventoinhas, mas dutos que levavam ar fresco para o cofre do motor. Como a carroceria foi toda feita do zero, a admissão de ar tinha soluções mais elegantes, como um duto embutido entre a cabine e o teto, com tomada de ar sobre o para-brisa (que era mais inclinado que o de um Fusca original). O para-choques, agora integrado à carroceria, tinha dois radiadores de óleo. Os motores, além do deslocamento aumentado, tinham também comandos de válvula especiais e quatro carburadores duplos. Algumas fontes citam que o carro usava metanol para desenvolver cerca de 400 cv.
O carro estreou nos treinos dos 1.000 Km da Guanabara e conseguiu o terceiro melhor tempo, atrás de um Alfa Romeo P-33 e um segundo atrás do Ford GT40 — um feito e tanto para um Fusca com dois motores unidos por um bolachão de cardã de Fenemê. Apesar do desempenho, na hora da prova a solução simples se mostrou simplória, porque a junta foi o ponto crítico da confiabilidade do carro, que não terminou nenhuma prova que disputou.
A Fórmula 1
A ida de Emerson para a Europa e o subsequente sucesso na Fórmula 1, acabaram impulsionando também a carreira de Wilsinho. Depois de pilotar os Alfa Romeo da equipe Jolly e os protótipos Lola e Binno em provas de longa duração, ele foi para a Europa disputar a Fórmula 3 na França, voltou para o Brasil no mesmo ano para disputar a Fórmula Ford e, ainda em 1970, foi para a Inglaterra disputar a Fórmula 3 local.
Começava ali uma rápida escalada que o colocaria na Fórmula 1 já em 1972, como piloto pagante na Brabham, que estava iniciando a era sob o comando de Bernie Ecclestone. Ali Wilsinho disputou 25 Grandes Prêmios em 1972 e 1973, pontuando nos GP da Argentina e da Alemanha de 1973. Contudo, ao perceber que os recursos de seus patrocinadores, que lhe garantiam um lugar na equipe eram usados mais para desenvolver os outros dois carros da Brabham, ele decidiu que faria sua própria equipe de Fórmula 1.
Entre indas e vindas da Europa para o Brasil, ele colocou no papel — e depois tirou em tempo recorde — o projeto do Fórmula 1 brasileiro, que foi desenvolvido e montado com o maior número possível de componentes e pessoal brasileiro. Até mesmo os testes aerodinâmicos foram feitos no Brasil, mais exatamente no túnel de vento do Centro Técnico da Aeronáutica em São José dos Campos/SP.
Wilsinho correria ainda apenas a temporada de 1975 na Fórmula 1. Foi ele o chefe da equipe e o único piloto na temporada inaugural da Copersucar Fittipaldi. Em 1975, Emerson Fittipaldi tomou a decisão de deixar a McLaren para apoiar o projeto do irmão, tornando-se o piloto da equipe a partir de 1976, enquanto Wilsinho cuidava do restante.
O sonho da equipe brasileira durou até 1982, quando o “bullying” da imprensa prejudicou a imagem da equipe, espantando os patrocinadores. Sem dinheiro e com muitas dívidas, a equipe foi encerrada. Emerson foi para os EUA correr na Indy, e Wilsinho ficou no Brasil, disputando as temporadas da Stock Car de 1982 e 1983, o campeonato brasileiro de marcas e pilotos de 1984, mais uma temporada da stock em 1987 e 1991, e depois entre 1993 e 1996.
Além disso, ele também disputou e venceu as Mil Milhas Brasileiras de 1994 e 1995. Sua última incursão no automobilismo profissional foi a temporada da GT3 Brasil de 2008, a qual terminou em 20º lugar.
Nos últimos anos, Wilsinho estava envolvido com o renascimento da Fórmula Vee Brasil, que marcou o retorno da categoria onde sua careira como construtor começou, 60 anos antes, e onde permaneceu até seus últimos dias, fazendo o que sempre fez: construindo mais um pedaço da história do automobilismo brasileiro.