Sim: o Novo Honda Civic mudou muito, mas também não mudou nada. E ainda conseguiu ficar melhor que antes!
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Parece nonsense, uma afirmação que não faz sentido algum (até por que é isso o que significa “nonsense”, ora pois). Mas ela só carece de contexto. E esse contexto começa, sim, com um elogio ao Honda Civic. Que não é perfeito, claro, como nada nesse mundo é. Mas, como produto e como carro, já é maduro o bastante para ser absolutamente correto em tudo que se propõe a fazer.
No Brasil, ele não é o líder de vendas no segmento dos sedãs médios porque o Toyota Corolla também está nesse mesmo ponto da vida e o faz há mais tempo – o que se traduz em mais clientes, em um resumo grosseiro. Mas ele foi o primeiro carro de grande volume da Honda a fazer sucesso fora do Japão, e dificilmente alguém vai discordar se você disser que ele é o carro mais importante, e possivelmente o mais icônico, de toda a história da Honda.
Um carro tão emblemático, feito há tanto tempo – o primeiro Civic foi lançado em 1972, quase 50 anos atrás – e que sempre se manteve relevante, sem gerações consideradas abaixo da média ou mal-sucedidas, só pode estar fazendo algo muito bem-feito. E, de verdade, já aprendemos a esperar automaticamente um bom carro a cada novo Civic apresentado. Consistência é seu sobrenome, ainda que ele compartilhe essa característica com alguns rivais.
Portanto, já esperávamos que o este novo Civic — o décimo-primeiro da linhagem — seria um bom carro antes mesmo do lançamento. Restava saber como ele faria isso.
E a estratégia da Honda não é difícil de identificar só de olhar para ele e passar os olhos por sua ficha técnica. Eis o contexto: o Civic XI não mudou por baixo da carroceria — porque essa sim mudou bastante. E, fazendo um balanço do que mudou e do que não mudou, dá para perceber que o sedã ficou melhor em vários aspectos. Não sou eu que estou dizendo isso – é a imprensa dos Estados Unidos, que já andou no novo Civic e foi praticamente unânime nesse parecer.
Esse meta-review tem um peso especialmente maior, porque o futuro do Honda Civic no Brasil ainda não está totalmente garantido. As chances de ele ser lançado por aqui são grandes, claro, mas ele ainda não foi confirmado oficialmente e a Honda deve estar tomando uma decisão neste exato momento. A fabricante já declarou que está empenhada na renovação de seu portfólio no Brasil, que muito certamente passará pela troca do Honda Fit pelo inédito (ao menos por aqui) City hatchback. Fora isso, sabe-se muito pouco porque a Honda não é muito aberta ao diálogo quando o assunto é o futuro.
Então, é importante saber o que os americanos estão achando do Civic porque logo seremos nós — e é sempre interessante ver as mudanças feitas para o mercado local. Mas ainda existe uma pequena parte de todos nós, que acompanhamos as oscilações da indústria de perto, seja por profissão ou por entusiasmo, temerosa pela possibilidade de o Civic ter no Brasil o mesmo destino que teve no Japão.
Sim, o sedã deixou de ser vendido em sua terra natal em junho de 2020 porque as pessoas simplesmente não o compravam. No Brasil, por outro lado, ainda há demanda pelo Honda Civic: no ano passado ele foi o segundo sedã médio mais vendido, com 20.449 exemplares emplacados. Pouco mais da metade do quanto vendeu o Corolla, mas um número respeitável em uma era na qual os sedãs perdem espaço de forma quase exponencial. Além disso, nesta condição, ser o vice-líder do segmento não é um mau negócio.
Nos EUA o Civic foi o segundo carro mais vendido da Honda em 2020 – mais de 261.000 unidades, atrás apenas do CR-V, que vendeu mais de 333.000. O Civic, portanto, é claramente um produto importante no portfólio da Honda, e foi por isso que, novamente, a Honda soube exatamente o que fazer: mudar o que fosse preciso, conservar o que estava bom, e melhorar o que podia ser melhorado.
Por fora, nova viola
Mais uma vez, sucedeu um Civic ousado um modelo mais conservador. Já é assim há anos, e o momento foi oportuno. A décima geração do Civic era um carro de visual agressivo que muitos consideravam atraente, mas parte do público achou o carro agressivo demais em proporções e formas – especialmente o número de vincos e recortes na carroceria. O formato das lanternas traseiras, apesar de complexo e bem trabalhado, também recebeu reações mistas.
O Civic tomou inspiração no Accord. O perfil trouxe de volta três volumes bem definidos, embora ainda tenha um caimento suave no teto. Os faróis ficaram mais retangulares, menos inclinados, e a grade parece inspirada no novo Fit – minimalista, com acabamento na cor da carroceria.
Atrás, as lanternas trapezoidais ficaram bem mais tradicionais e discretas, com assinatura de LED em forma de bumerangue e parte da lente com acabamento escurecido – o famoso “fumê”. Apesar de mais simples, o estilo não parece genérico ou pouco inspirado. A palavra certa é “maduro”. Conner Golden, da Motor Trend, definiu bem: “É como se o Civic tentasse imitar o irmão maior, o Accord, e usasse as roupas suas roupas de gente grande em vez da coleção de camisetas de anime.” Como quem diz que a estética agressiva e divertida da geração passada caía bem no Type R ou mesmo no Si, porém parecia deslocada no sedã de família.
Não sei se chegaríamos a tanto. E houve recepções mais frias, chamando o carro de “sem graça” e dizendo que o a inspiração no Accord foi longe demais. É fato, porém, que o novo Civic ganhou entre-eixos (3,5 cm) e que, para um carro que é construído sobre a mesma plataforma que a geração anterior, seu visual mudou consideravelmente. O que faz parte da estratégia – é mais fácil afastar um cliente de gostos mais conservadores com um design espalhafatoso demais, do que fazer o oposto. Mais discreto, sim, mas para atrair mais gente.
O interior, da mesma forma, perdeu volume no painel, adotando uma arquitetura mais horizontal e esguia – o que também contribui para aumentar a sensação de espaço interno, deixando o habitáculo mais arejado e elegante. O quadro de instrumentos é digital em todas as versões, e todas elas têm central multimídia fixa no topo do painel.
Mas o que realmente chama a atenção é um detalhe muito simples, porém bem pensado: o painel é dividido ao meio por uma tela metálica com padrão de colmeia que percorre toda a sua extensão. É atrás dessa tela, que lembra a de um alto-falante, que ficam ocultas permanentemente as saídas de ar. Apenas os controles delas, na forma de pequenas alavancas, ficam visíveis. É uma solução prática, inovadora, e que recebeu comentários positivos de toda a imprensa.
A ideia, na verdade, surgiu do Honda e — não falta texto aqui. “e” é o nome daquele hatchback elétrico que foi lançado recentemente — e adaptada no Civic com bons resultados. Mais modelos da Honda devem adotar o estilo no futuro, e não ficaremos surpresos se outras marcas também o fizerem.
Igual, mas diferente
Honestamente, o visual do Civic é difícil de comentar por muitas linhas. A maior parte dos veículos que tiveram contato com o carro concorda com as observações acima, e no fim das contas se resume a uma questão de gosto.
Da mesma forma, não há muito o que dizer da plataforma e dos powertrains — porque é tudo praticamente igual. Fora as evoluções na construção, com ajustes feitos para reduzir peso onde é possível (como a adoção de um subchassi de alumínio retrabalhado na dianteira), melhorar a resistência a impactos (com zonas de absorção de energia redesenhadas, especialmente nas laterais) e acomodar novos sistemas semi-autônomos, o Civic ainda é um sedã com motor dianteiro transversal, tração dianteira e um bom conjunto de suspensão independente nas quatro rodas (MacPherson na dianteira e multilink atrás, como é o padrão em 2021).
Mesmo a estrutura de versões é igual: LX e Sport como versões de entrada, sendo que a segunda acrescenta um visual mais descolado, com acabamentos escurecidos; o intermediário EX, que na nova geração é o que melhor equilibra custo e benefício; e o de topo Touring. LX e Sport continuam com o motor 2.0 16V, agora com 158 cv e 19 kgfm de torque; e EX e Touring adotam uma versão de 180 cv e 24,5 kgfm (antes eram 173 cv e 22,4 kgfm). Para não dizer que nada mudou, agora nenhum Civic tem câmbio manual – apenas a transmissão CVT que simula trocas de marcha, em uma manobra que combina com o estilo mais contido.
Quem já andou no Civic não se diz surpreso com o resultado. “Tanto o 2.0 quanto o 1.5 turbo funcionam, aceleram e roncam exatamente como antes. Isso significa que a lacuna considerável entre os dois motores também retorna“, diz Conner Golden, da Motor Trend. “Os 30 minutos que passamos com o Sport revelaram que o motor é adequado, ainda que um pouco barulhento e áspero. A Honda fez um trabalho duro para isolar os dois motores do habitáculo usando pela primeira vez espuma de poliuretano no Civic, mas é simplesmente impossível contornar a combinação de uma caixa CVT com um motor pequeno. Melhorou na nova geração, mas pisar fundo com o motor em uma rampa ou durante uma ultrapassagem resulta em uma bela demonstração de ruídos mecânicos não muito agradáveis.”
As observações também deixam transparecer a diferença na percepção de qualidade e projeto que os americanos têm – afinal, por lá o Civic é o carro da Honda mais barato que se pode ter. O 1.5 foi considerado bem superior em desempenho, e na versão Touring foi percebido um cuidado a mais no isolamento acústico.
Vale lembrar que a Honda afirma que a 11ª geração é a mais rígida na história do Civic – 13% mais rigidez à torção que na geração anterior é o dado divulgado. A suspensão também teve a geometria revista, incluindo um aumento de 1,3 cm na bitola traseira. Parece pouco, mas é uma diferença considerável para essa dimensão.
John Snyder, do Autoblog, sumariza os benefícios: “Na prática, essas melhorias invisíveis de fato proporcionam uma experiência mais refinada e dão mais confiança ao volante. A direção é precisa e não demanda muito esforço, mas não é leve demais. Ela garante transições suaves entre as curvas em uma estrada sinuosa, e a carroceria permanece plantada enquanto as forças gravitacionais mudam de um lado para o outro. Conseguimos atirar o carro com bastante empolgação em algumas das nossas estradas favoritas e ele se manteve seguramente estável e neutro. Mal podemos esperar para ver como as versões mais entusiastas do Civic vão melhorar ainda mais seu comportamento dinâmico.”
A Honda já disse que os próximos Type R e Si terão a opção pelo câmbio manual, e tudo indica que elas seguirão o mesmo caminho evolutivo do sedã – com a possibilidade de um conjunto híbrido no Type R, mas é isso.
E a gente?
Pelas impressões de fora, dá para afirmar com alguma segurança que o novo Civic não vai decepcionar os donos do anterior aqui no Brasil – quando vier para cá, da forma que vier. Ele tem potencial para ser o último representante dos sedãs médios da Honda por aqui, e para fazê-lo da melhor forma possível: aproveitando o que o anterior já tinha de bom, com melhorias pontuais que fazem a diferença e têm potencial para agradar o mais exigente dos fãs. Não é novidade ouvir isso da gente – já falamos sobre o novo Civic até mesmo no podcast, e comentamos a mesma coisa.
Resta saber se o Civic será fabricado aqui, o que permitirá a ele manter um preço mais competitivo, ou se virá importado dos Estados Unidos — algo indesejável (e possivelmente inviável), porque, se viesse do México, ao menos haveria isenções fiscais. Uma possibilidade é que o novo HR-V, que promete ficar maior e mais sofisticado na próxima geração, seja o “Corolla Cross” da Honda no Brasil, o que em tese poderia, se feito da forma correta, convencer os ex-donos do sedã a migrar para um SUV e não mudar de marca. Mas, aí, perderemos a chance de ter aquele que, provavelmente, é o melhor Civic já feito.