Atualmente não temos nenhum piloto brasileiro na Fórmula 1. Não é uma afirmação confortável de se fazer ao falar de um País que já teve três campeões mundiais na maior categoria do automobilismo, mas podemos olhar para trás e mencionar não só os nomes de Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna, mas também de Rubens Barrichello, Felipe Massa, José Carlos Pace, Roberto Moreno e muitos outros – no total, quase 30 pilotos brasileiros estiveram na F1. O último deles foi um representante do clã Fittipaldi, Pietro, que disputou duas corridas pela Haas em 2020. Hoje, ele permanece como piloto reserva na Haas e, se tudo correr bem, logo teremos boas notícias.
Ainda não é assinante do FlatOut? Considere fazê-lo: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como conteúdos técnicos, histórias de carros e pilotos, avaliações e muito mais!
Da mesma forma, tivemos brasileiros se destacando na Indy, no WSC (o campeonato de protótipos da FIA) e em outras categorias do automobilismo. Helio Castroneves escreveu mais um capítulo na história da Indy há pouco mais de um mês.
Nas motos, porém, não temos a mesma tradição. Nunca tivemos muitos pilotos (até hoje foram só quatro) e desde 2007 um brasileiro não disputa a MotoGP, que é considerada “a Fórmula 1 das duas rodas”. Foi no fim daquele ano que Alex Barros deixou a categoria sem um sucessor.
Não são poucos os que acreditam que Alex Barros também foi o primeiro piloto brasileiro a vencer uma corrida da Moto GP – o GP da Espanha de 1993. Mas ele foi precedido por outro brasileiro, que também venceu na Esṕanha vinte anos antes: Eduardo Celso Santos, que ficou mais conhecido como Adu Celso.
Sua carreira no motociclismo vem antes mesmo de a categoria se chamar Moto GP. Sua fama, diferentemente do que aconteceu com Ayrton Senna ou Emerson Fittipaldi (de quem, aliás, Adu Celso era amigo de infância), não transcendeu as barreiras do esporte para o grande público. Mas quem o viu pilotar ou ao menos se interessa pela história do motociclismo sabe de sua importância.
Adu Celso era um garoto de família abastada. Vivia nos Jardins, em São Paulo, perto da casa dos Fittipaldi. Ambos eram apaixonados por motociclismo – Adu chegou a emprestar a moto com a qual Emerson disputou sua primeira competição, antes de debandar para as quatro rodas – e com estilos de pilotagem parecidos: rápidos como flechas e precisos como relógios, capazes de tangências perfeitas e idênticas dezenas de vezes, sem erros.
Nos anos 1960, Adu Celso começou a se destacar pela seriedade em um tempo em que ser piloto de moto era sinônimo de suicídio a curto prazo. Cuidava da preparação de seu equipamento com profissionalismo, e adquiriu um enorme conhecimento técnico na hora dos ajustes e acertos. Além disso, desenvolveu uma técnica de largada-relâmpago fundamental nas provas em que era preciso ligar as motos e largar.
Mas as competições de moto eram poucas no Brasil. E, para piorar, Adu não era visto com muita simpatia pelos colegas – relatos da época dizem que o motivo era simplesmente sua condição financeira. Diziam que ele só vencia porque tinha a melhor moto, os melhores patrocinadores, e não por seu talento. De saco cheio, junto com o amigo Luiz Celso Giannini, tomou uma atitude inédita e radical em 1970: decidiu aos 24 anos enfrentar tudo e todos (incluindo sua família) e foi tentar a sorte na Europa.
Radical, porque além do total desconhecimento do que lhe esperava, uma velha confusão entre as confederações não permitia que pilotos brasileiros competissem nos eventos da Federação Internacional — a CBM não era filiada a FIM. Junto com Luiz Celso Giannini, Adu acabou indo para a Holanda — onde ficava a sede europeia da Yamaha e da Valvoline, seu principal patrocinador. Lá ele se filiou à federação local para disputar o campeonato holandês de motociclismo.
Sem o apoio do dinheiro dos pais, Adu teve de se virar. Chegou a morar numa barraca, dentro do autódromo de Zandvoort, onde treinava todos os dias. A partir daí, suas qualidades o fizeram subir degrau por degrau: disputou o campeonato europeu em 1971, e chegou ao Mundial em 1972, nas categorias 250 e 350 cc, competindo contra nomes históricos como Mike Hailwood (futuro piloto de F1), Jarno Saarinen (campeão daquele ano) e o lendário Giacomo Agostini.
Nessa época, já contava com o apoio semi-oficial da Yamaha. Além dos bons resultados, como um terceiro lugar no GP da Suécia, ganhou o apelido de “Índio Brasileiro” por causa de seus cabelos longos, negros e lisos. No ano seguinte, 1973, pontuou na maioria das corridas (embora não tenha participado de todas) até chegar na última etapa do campeonato, no autódromo de Jarama, na Espanha.
Largou em décimo sexto, mas logo já estava na quinta posição. Na volta nº 26, assumiu a liderança, e manteve a ponta até sua Yamaha TZ 350 receber a bandeirada, com direito a um novo recorde para motos na pista. Foi a primeira vitória de um brasileiro no Mundial e, mesmo com a precariedade dos meios de comunicação, virou notícia no país. Ao final da temporada, era o sétimo melhor piloto do mundo na classificação.
Só não foi mais saboroso porque, como Adu Celso, Giacomo Agostini também não disputou todas as provas naquele ano, e não estava presente no grid da Espanha. Superar aquele que, para muitos, é o maior motociclista de todos os tempos, teria sido realmente especial.
As expectativas eram excelentes para 1974, mas a sorte não ajudou. Voltando da Bélgica para a Holanda de carro, ao tentar desviar de um coelho na pista, uma das rodas saiu do asfalto e fez Adu perder o controle de seu Mercedes 280S. Na batida contra as árvores, as peças da suspensão dianteira entraram por baixo dos pedais e quebraram suas duas pernas, e Adu Celso ainda sofreu um corte na testa e uma fratura no nariz. Por sorte, o amigo e fotógrafo Sergio Iasi vinha logo atrás, em outro carro, e socorreu Adu, levando-o ao hospital na cidade de Zwole. Lá, Adu Celso foi operado e recebeu placas e pinos nas pernas.
A recuperação levou quase um ano. Na volta, em 1975, disputou o Mundial das 500 cc, sem muito sucesso. Voltaria ao Brasil na condição de ídolo, arrastando grandes públicos para provas que ficariam na memória do motociclismo nacional, como a Taça Centauro e o campeonato latino-americano.
Na Taça Centauro, Adu Celso correu a convite da Honda, que na época estava prestes a lançar no Brasil a CG 125 e buscava vitórias nas pistas para ganhar projeção no mercado. Vencer a Yamaha e sua TZ 350 era crucial, e por isso a fabricante japonesa não mediu esforços: cedeu um motor de 550 cm³ com comando acionado por engrenagens – dizem que indomável –, chamou ex-engenheiros da Yamaha (que até haviam trabalhado no projeto da TZ) para construir o quadro, e colocou nela o que havia de melhor: freios Lockheed (mesma fornecedora da Fórmula 1 na época), suspensão dianteira Ceriani e traseira Koni, balança de cromo-molibdênio e rodas de magnésio. A carenagem Toya recebeu uma pintura especial pela artista plástica Susan Zepellini – a mesma que pintou o carros da Copersucar.
A Taça Centauro foi a última grande conquista de Adu Celso. Ele superou a Yamaha, que levou uma TZ 750 para a pista, e a missão estava cumprida. A Honda pegou o motor de volta e sumiu com ele, e Adu Celso decidiu que era hora de parar com as duas rodas. Mas, apesar de abandonar as competições de moto em 1979, ele continuaria correndo sobre quatro rodas. Na Fórmula 2, uma evolução da Super Vê, chegou a conquistar duas vitórias antes de abandonar de vez as pistas, no início da década de 80.
Para quem viveu sua época, Adu Celso era uma figura quase mística. Frio e calmo, com uma expressão facial misteriosa, vestia um macacão preto, e ostentava no capacete uma Cruz de Lorena em vermelho, bem na altura da testa. Tal como Ayrton Senna, sempre procurou garantir para si o melhor equipamento e a melhor estrutura – o que causava ciúmes e críticas por parte de seus concorrentes menos favorecidos. Também evitava andar de moto no trânsito, ao contrário da maioria dos pilotos da época, que costumavam pagar com a vida o prazer de disputar rachas pelas ruas da cidade. De comportamento reservado, era no entanto muito querido pelos amigos e admirado pelos fãs, que sempre tratou com bastante atenção.
Depois que abandonou as corridas, Adú seguiu a vida com empreendimentos imobiliários. Viveu muito bem, mas sumiu do notíciário, tanto que sua morte em fevereiro de 2005, aos 59 anos, passou praticamente em branco pelas revistas, jornais e televisões. Um ídolo esquecido. Mas lá fora, onde atingiu o ápice da carreira, continuou bastante respeitado. Foi homenageado na Holanda em 1998, quando o Centenial Tourist Trophy reuniu todos os vencedores de GPs, e chegou a virar selo comemorativo em 2002, também na Holanda.
Uma de suas TZ 350 foi encontrada pelo empresário Roberto Keller e restaurada em seus mínimos detalhes. Um ano antes de morrer, em 2004, Adú encontrou o exemplar, subiu em cima e ligou o motor, como fazia em seus velhos tempos. A moto, de valor incalculável para a história do motociclismo brasileiro, hoje repousa na sala de estar de Keller.
Os feitos de Adú Celso só seriam igualados vinte anos depois por Alexandre Barros, que veio a se tornar o último brasileiro a competir na Moto GP. Que ambos sejam inspiração para jovens pilotos retornarem ao topo do motociclismo mundial.
Esta matéria foi publicada originalmente por Leo Nishihata no Jalopnik Brasil, e editada pelo FlatOut em 08/07/2021.