Certos carros são tão famosos e populares que deixam de ser apenas carros e passam a ser também ícones. Carros sobre os quais todo entusiasta tem sua opinião e nunca deixam de ser lembrados. Carros com milhões de fãs extremamente dedicados e apaixonados. Carros verdadeiramente clássicos, para definir em uma palavra.
Agora, até mesmo os carros clássicos passam por suas fases ruins. Traçando um paralelo com a música, pense no Metallica. Em sua fase de ouro, em meados da década de 1980, a banda foi um dos expoentes do thrash metal – uma vertente do heavy metal que elevou a agressividade e a velocidade a um novo nível, marcando a história da música pesada. No fim da década de 1990, o Metallica passou por um mudança radical no estilo, com músicas mais comerciais e visual mais comportado.
Os caras perderam muitos fãs com isto, mas voltaram a investir no peso no fim dos anos 2000, para a alegria dos headbangers da velha escola.
Com as bandas da velha guarda, há uma necessidade artística de se renovar – dificilmente um artista vai querer passar a vida fazendo o mesmo tipo de som, exatamente igual, por décadas a fio (mesmo Motörhead e AC/DC, conhecidos pela consistência de suas discografias, têm alguns álbuns que são menos adorados que outros).
Agora, com os carros, esta necessidade também existe. Ela não é artística, mas sim técnica: as tecnologias evoluem e, por mais que seu produto seja icônico e adorado exatamente da forma que é, é preciso, cedo ou tarde, seguir a tendência. Dançar conforme a música.
Claro, nem sempre este é o caso, mas isto é só um detalhe. O que queremos dizer é que existem carros clássicos que têm gerações rejeitadas pelos entusiastas, e isto inclui seus próprios fãs. Na maioria dos casos, a mudança foi uma necessidade e até compreendida na época. No entanto, com o passar do tempo, as características “não desejáveis” destes carros acabaram vindo à tona e, com isto, tanto seu valor quanto seu prestígio caíram.
Não é uma lista grande pois, se pararmos para pensar, não existem tantos carros icônicos realmente longevos, que duraram décadas. Mas você provavelmente vai concordar conosco.
Volkswagen Fusca
Já começamos com certa polêmica pois, na prática, a primeira geração do Fusca é a única geração do Fusca. Produzido na Europa até meados da década de 1970, no Brasil até 1996 e no México até 2003, o Fusca foi oficialmente substituído pelo Golf em 1974. No Brasil, seu substituto deveria ter sido a Brasilia, lançada em 1973, mas o Besouro resistiu. Em 1980, foi a vez de o Gol assumir este papel, e também não conseguiu. O Fusca morreu de velhice.
Sua mecânica simples, seu visual carismático e as excelentes campanhas publicitárias conquistaram milhões de pessoas, entusiastas ou não, ao redor do globo. O besouro é, indiscutivelmente, um ícone.
E é por isso que, por mais que o New Beetle lançado em 1998, fosse um carro completamente diferente do ponto de vista técnico, a Volkswagen o considera parte da cronologia do Fusca.
O New Beetle surgiu como conceito em 1994, trazendo boa parte das linhas que foram parar no modelo final (alguns detalhes se perderam, como as duas pequenas entradas de ar na dianteira, que remetiam às grades da buzina do Fusca da década de 1960). Ou seja: tal como o conceito, o carro de produção tinha proporções caricatas, com uma teto altíssimo, uma gigantesca área envidraçada e capô curto demais. Até mesmo a ergonomia do interior era afetada, pois a base do para-brisa ficava longe demais do motorista, dando a impressão de que se estava em uma minivan. É até difícil de acreditar que New Beetle foi projetado por J Mays, o cara que, em 2005, deu ao mundo o incrível Ford GT (este sim um carro retrô muito digno do nome que ostenta).
O hatchback feito sobre a plataforma do Golf de quarta geração não era um carro ruim, longe disso – afinal, herdou do Golf a boa dinâmica (para um tração-dianteira). Além disso, devemos levar em conta o fato de que ele é um carro de imagem, o que de certa forma justifica o fato de ter apenas quatro lugares e um porta-malas minúsculo.
Na época do lançamento, o New Beetle conseguiu causar impacto, tanto pelo aspecto nostálgico quanto por seu visual completamente diferente de tudo o que havia nas ruas. Por esta razão, ele até vendeu bem, sendo reestilizado em 2006 e sobrevivendo até 2011. Mas é completamente rejeitado como sucessor do Fusca.
A própria Volks percebeu isto e, para a geração seguinte, lançada em 2012, optou por um visual verdadeiramente evolutivo, atualizando a identidade visual do carro, feito sobre a nova plataforma (PQ35, a mesma do Golf Mk5/6), com linhas mais adultas e menos “cara de brinquedo”. O teto é mais baixo, as colunas “A” são retas e a postura do carro no geral é mais baixa e larga. Lá fora, o “New” saiu de cena, e no Brasil, ele recebeu o nome de seu ancestral de motor traseiro arrefecido a ar. Também não foi muito bem aceito pelos mais tradicionalistas, mas pelo menos ficou mais interessante visualmente.
Porsche 911
Não é difícil ficar convencido de que o Porsche 911 sempre foi uma unanimidade, mas não podemos esquecer da geração 996 nesta lista. A quarta versão do Porsche 911 poderia ser uma revolução muito bem vinda, não fosse um detalhe: os faróis.
Lançado em 1997, o 911 996 foi uma quebra radical em uma tradição que já durava mais de três décadas: seu antecessor, o 993, ainda trazia um flat-six arrefecido a ar na traseira. E, por mais que tivesse visual atualizado com novos para-choques, para-lamas mais largos e interior bem mais moderno, ele ainda usava estrutura básica do primeiro 911, lá de 1963 – algo que se torna evidente quando você observa o formato do para-brisa e das portas.
Além de adotar, pela primeira vez, um motor arrefecido a água, o 996 também trouxe uma nova carroceria, bem mais moderna, além de alterações significativas na suspensão e na estrutura. Além disso, é possível dizer que o 993 foi uma despedida do nine-eleven mecânico, orgânico, e purista. Com o 996, a Porsche abriu caminho para os sistemas eletrônicos, a transmissão de dupla embreagem e outros recursos que transformaram o 911 na máquina refinada que é hoje.
Acontece que, naquela época, a Porsche também estava passando por problemas financeiros. O Cayenne (que se tornou o salvador da pátria ainda levaria alguns anos para ser lançado, mas a fabricante já estava se mexendo: em 1996, foi lançado o Boxster, um roadster de motor central-traseiro mais barato, feito para conquistar clientes que, futuramente, poderiam considerar a compra do carro-chefe da marca. Só que o Boxster era visto como um carro feminino demais por seu visual, por mais competente que fosse na hora de acelerar.
Para conter custos, na hora de projetar o 996, a Porsche achou que era uma boa ideia aproveitar componentes do Boxster. Não era.
Os fãs do 911 ficaram bem irritados com o fato de seu carro favorito ter a mesma cara de um modelo mais barato. Claro, o para-choque era diferente, mas o capô, os para-lamas e, principalmente, os faróis (que foram maldosamente apelidados de “ovo frito”) eram exatamente os mesmos do Boxster.
Em 1999, a Porsche percebeu a cag… o erro e promoveu uma ligeira reestilização, com novos faróis. Eles ainda não eram circulares como os entusiastas queriam, mas ao menos eram diferentes dos faróis do Boxster, o que já era alguma coisa.
Houve, ainda, um agravante: alguns exemplares do 996 apresentaram problemas na fundição do bloco, tornando o material poroso e prejudicando sua resistência. Isto também manchou a reputação do carro no mercado de usados.
A geração seguinte, lançada em 2005 e chamada de 997, é considerada uma das melhores de todos os tempos. E trouxe de volta os faróis redondos. Com isto, atualmente, o 996 é uma geração esquecida também por ficar entre duas gerações verdadeiramente aclamadas. Ao menos isto também a torna a geração mais acessível do 911.
Ford Mustang
Até mesmo a geração oitentista do Ford Mustang (a terceira, conhecida como Fox body), tem sua parcela de admiradores. Claro, os fãs demoraram um pouco para digerir o visual quadradão do esportivo, mas a partir de 1985 os motores V8 começaram a ficar mais potentes e versões esportivas bem interessantes – como o Mustang SVO, que tinha um quatro-cilindros de 2,3 litros com turbo e 206 cv. Nada mau para trinta anos atrás.
A geração realmente rejeitada do Mustang é a segunda. Porque, bem, a verdade é que o Mustang II sequer merece o nome que tem.
Feito para ser um carro mais econômico e civilizado, o Mustang II, lançado em 1974, era baseado no Ford Pinto, o compacto da marca. Seu visual era uma caricatura modernizada da versão anterior, perdendo boa parte do apelo antes mesmo que você descobrisse que o motor V8 de 302 pol³ era estrangulado para risíveis 140 cv.
O que proporcionou tal mudança? Dois fatores principais: os preços das apólices de seguro para esportivos, que tornavam sua contratação impraticável; e a crise do petróleo, que forçou a Ford a tornar o Mustang mais econômico e menos poluente. No fim, já em 1978 a terceira geração foi lançada.
Não dá para dizer que o Mustang II é uma completa porcaria, contudo: seu sistema de direção e suspensão dianteira é muito bom, e costuma ser utilizado em hot rods e muscle cars pro touring.
Chevrolet Camaro
O Chevrolet Camaro é o carro mais metamorfósico (sim, esta palavra existe) desta lista: cada uma de suas gerações teve sua própria identidade visual, sem muita conexão com a anterior ou a seguinte – foi só na quinta geração que ele assumiu o visual retrô, inspirado pelo Mustang.
E o Camaro também teve sua geração rejeitada: a quarta. A primeira e a segunda são verdadeiros clássicos. A terceira tinha o lendário IROC-Z, um verdadeiro herói dos anos 1980, com um motor bacana (um V8 de cinco litros e 215 cv, número bom para a época) e suspensão primorosamente acertada.
A quarta geração, lançada em 1993, trouxe um Camaro de visual diluído, com proporções estranhas, linhas pouco agressivas e quase nenhum carisma. Era um carro sem graça.
Além disso, também era diluído dinamicamente. Era como se, para a década de 1990, a Chevrolet tivesse decidido que o Camaro precisava ser mais confortável e luxuoso. E a carroceria era muito alta e estreita, o que só prejudicava a estabilidade nas curvas.
Uma reestilização de meia vida, promovida em 1998, tratou de injetar uma dose de maldade no visual do Camaro 4th gen, mas não foi suficiente para que ele caísse no gosto dos fãs.