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Car Culture

O Suzuki que quase virou um Bugatti – para concorrer com o Miata!?

Romano Artioli é um nome conhecido para qualquer entusiasta que se preza. Ele foi o responsável por trazer a Bugatti de volta à vida nos anos 1990, e também salvou a Lotus depois que a GM perdeu o interesse na fabricante. Estas duas empreitadas escreveram seu nome na história do automóvel. Afinal, ele criou o Bugatti EB110, que, no fim das contas, é a origem da atual Bugatti. E ele ainda criou o Lotus Elise, o último esportivo da marca a seguir à risca a filosofia de Colin Chapman e foi o carro que sustentou a Lotus nos últimos 30 anos.

O que nem todo entusiasta sabe (ou lembra) é que Artioli já tinha experiência com esportivos quando decidiu refundar a Bugatti. Ele fez fortuna como revendedor da Ferrari para o norte da Itália e Alemanha, e também era o representante oficial da Suzuki na Itália — uma combinação um tanto inusitada, se considerarmos que cada nicho tem um público específico e exige uma operação própria para cada uma. Não é a mesma coisa que vender Lamborghini, Aston Martin e McLaren em um único showroom.

Essa excentricidade da operação, contudo, resultaria em um projeto ainda mais improvável: um Bugatti feito pela Suzuki para brigar com o Mazda MX-5 Miata. Faz tanto sentido quanto uma pizza de tofu, mas quase aconteceu.


A história começou em 1991, quando a Suzuki lançou no Japão o Cappuccino. Era um kei car com motor turbo de três cilindros e 660 cm³ montado em posição central-dianteira. Tinha só 64 cavalos, mas como era todo feito de alumínio, pesava 725 kg distribuídos igualmente entre os eixos — o que faria dele um dos esportivos mais divertidos de seu tempo.

Quando Artioli soube do Cappuccino, não pensou duas vezes em levá-lo para a Europa, especialmente naquele momento em que a Mazda havia reinaugurado o segmento dos roadsters com o MX-5 Miata dois anos antes. Ninguém tinha um carro para brigar com ele, e Artioli viu no Cappuccino um rival perfeito. O problema é que o Cappuccino não atendia os padrões de emissões europeus. Isso exigiria uma série de modificações que tornariam o carro mais caro e pouco competitivo.

Artioli, contudo, tinha à sua disposição uma equipe técnica altamente qualificada, capaz de fazer um dos supercarros mais avançados da época. Se ela conseguiu criar o EB110, ela certamente conseguiria fazer uma versão europeia do Suzuki Cappuccino. A Suzuki concordou com a proposta. O projeto começou a tomar forma em 1992, quando a Bugatti estava finalizando o EB110 Super Sport. Seu nome interno era Espresso, um claro trocadilho com Cappuccino.

O nome fazia sentido não só por também ser um tipo de café, mas por ser um tipo mais forte e encorpado. O roadster da Bugatti não seria apenas um Cappuccino modificado. Ele seria um carro completamente diferente. A equipe da Bugatti recebeu carta branca para redesenhar o carro completamente.

A equipe designada para o Espresso era a mesma que desenvolvia simultaneamente o EB110 SS e o EB112, o sedã de luxo que a Bugatti planejava lançar. Entre os engenheiros, estavam Simon Wood, que havia sido gerente de projetos da Lotus antes de ser contratado pela Bugatti, e Steve Bernhard Heyd, que mais tarde se tornaria responsável pelo design da Touring Superleggera.

O desafio era complexo e contraditório. O veículo resultante precisava atender a dois mercados completamente diferentes com expectativas distintas. No Japão, deveria encaixar-se na categoria kei car, com suas restrições rigorosas de tamanho e cilindrada. Na Europa, onde os consumidores não estavam acostumados com carros tão minúsculos, precisava ter apelo visual e desempenho suficientes para justificar sua existência em um mercado que já tinha o MX-5.

As dimensões foram baseadas nas regras japonesas: 3,20 m de comprimento por 1,20 metro de altura, mas a largura seria variável conforme o mercado — 1,55 m para a Europa e 1,395 m para o Japão.

Projeção criada por IA com base nos sketches

A decisão técnica mais significativa foi mover o motor da posição central-dianteira para a central-traseira. Uma mudança fundamental que alterava completamente a dinâmica do carro e também a construção do chassi. Enquanto o Cappuccino tinha seu pequeno motor entre o eixo dianteiro e o habitáculo, o Espresso seria um mini-esportivo de motor central-traseiro — uma configuração que prometia muitas vantagens em termos de dinâmica, mas trazia desafios de packaging e distribuição de massa.

O motor manteria as especificações do Cappuccino: três cilindros turbo, com a mesma cilindrada de 657 cm³ para produzir 64 cv a 6.500 rpm e 8,9 kgfm. Eram números modestos em valores absolutos, mas a equipe tinha uma meta ambiciosa de peso: apenas 650 kg — 75 a menos que o Cappuccino original. Um Bugatti de 650 kg. Dá para imaginar isso?

Uma conta rápida revelava o potencial do carro: com 650 kg e 64 cv, o Espresso teria uma relação peso/potência de 10,15 kg/cv — praticamente a mesma do Mazda MX-5 1.6, que já era considerado uma referência em comportamento dinâmico (10,35 kg/cv). E o Espresso teria ainda a vantagem dinâmica do motor central-traseiro.

Os esboços e desenhos que sobreviveram do projeto Espresso mostram um carro com proporções surpreendentemente elegantes para um kei car (tentei pedir uma ajuda à Inteligência Artificial, só por curiosidade) — afinal, ele seria um Bugatti, e não um mero kei car. O carro precisava ser atraente e desejável.

O design era orgânico e fluido, típico do início dos anos 1990, com painéis de carroceria desenhados em curvas suaves e praticamente sem arestas vivas. A dianteira era baixa, com faróis retráteis como as Ferrari e Lamborghini e o próprio Miata, dando ao minúsculo carro uma cara agressiva. As proporções com os balanços curtos criavam uma silhueta que parecia muito mais coesa e proporcional que rivais como o próprio Cappuccino ou o Autozam AZ-1.

Projeção criada com ajuda de IA com base nos sketches

E ele teria um teto engenhoso, inspirado no Cappuccino mas expandido. Desde os primeiros desenhos, era previsto sistema removível em múltiplas configurações: cupê, targa com painéis removíveis ou roadster, com toda a seção traseira do teto removida.

Projeção criada com ajuda de IA com base nos sketches

Por dentro, o design preliminar do painel mostrava uma abordagem limpa e esportiva, com instrumentação voltada para o motorista e controles essenciais. Não havia espaço para luxos supérfluos; este era um carro focado puramente na experiência de dirigir — curiosamente um conceito mais ligado à Lotus do que à Bugatti. O resultado visual era notavelmente atemporal e mais moderno que seus concorrentes. Enquanto o MX-5 tinha seu charme retrô e redondo, o Espresso apresentava uma estética mais fluida e contemporânea que parecia avançada para aquele momento dos anos 1990.

Projeção criada com ajuda de IA com base nos sketches – esse deu errado pq ele mudou a coluna C…

O verdadeiro problema do Bugatti Espresso era torná-lo economicamente viável. Desde o início, os custos foram uma prioridade absoluta — afinal, este seria um carro de entrada, competindo em um segmento muito sensível aos preços. O Miata custava, na época, cerca de US$ 15.000 na Europa.

A equipe explorou várias abordagens para manter o custo baixo — pensaram em um assoalho de fibra de vidro, um chassi tubular mais simples, e até mesmo a adaptação da suspensão da Suzuki Every — que certamente não seria a melhor opção, considerando que ele era um esportivo e a Every uma mini-minivan com eixo rígido traseiro. Outra diferença é que os painéis da carroceria seriam de fibra de vidro em vez de aço ou metal.

O projeto avançou ao longo de 1993. O design final foi concluído, foram feitos desenhos técnicos em escala real que chegaram a ser pendurados nas paredes da famosa sala circular da antiga fábrica da Bugatti em Campogalliano. Até mesmo os primeiros teste de colisão foram realizados com o chassi, mas no primeiro semestre de 1994, com quase dois anos de projeto, o Espresso foi cancelado.

O próprio Romano Artioli afirmou ao site Motor.es, de onde vieram as imagens de época, que o projeto era financeiramente inviável. Ele nunca entrou em detalhes sobre o preço-alvo do carro, nem custos específicos que inviabilizaram o projeto, mas deixou claro que a conta não fechou.

Havia uma ironia cruel na situação. Enquanto a Bugatti cancelava o Espresso, a própria Suzuki estava resolvendo o problema original de outra maneira. Em 1992, a subsidiária britânica da Suzuki iniciou discussões com a matriz japonesa para tentar homologar o Cappuccino no Reino Unido. Após 18 meses de negociações e cooperação técnica, o Cappuccino foi aprovado com 23 modificações necessárias para conformidade com as normas britânicas.

O Bugatti/Suzuki na sala circular

Em outubro de 1992, o Cappuccino fez sua primeira aparição pública fora do Japão, no Salão de Londres, onde ganhou dois prêmios de design: Melhor Esportivo abaixo de 20 mil libras e Melhor Carro do Salão. Em outubro de 1993, foi oficialmente lançado no Reino Unido pelo preço de 11.995 libras. Devido ao sucesso inicial no Japão e às cotas de importação apertadas de produtos japoneses para o Reino Unido, a alocação original de 1.500 carros foi cortada para 1.182 unidades. Todas foram vendidas em prata ou vermelho.

Mas há ainda uma outra ironia na história — desta vez uma grata ironia. Após a falência da Bugatti, Romano Artioli comprou a Lotus da GM. E o primeiro projeto que ele encomendou na sua nova empresa foi um pequeno roadster de motor central-traseiro, leve e focado em diversão pura. Era exatamente o mesmo conceito do Espresso. Desta vez, o negócio funcionou: em 1996 o projeto foi concluído e chegou ao mercado: era Lotus Elise, que foi batizado com o nome de sua própria neta e salvou a Lotus, sendo produzido pelos 25 anos seguintes, em mais de 35.000 unidades.

Hoje, passados quase 35 anos, o projeto Espresso permanece como um dos segredos mais fascinantes da era Bugatti Automobili. As imagens do projeto foram reveladas pela primeira vez somente em 2016 pelo próprio Romano Artioli.

Teria o Espresso funcionado? Nunca saberemos. Mas é provável que não. E talvez tenha sido melhor assim. Melhor para a Bugatti, que nunca foi vulgarizada em um carro tão modesto, e melhor para a Lotus, que graças ao fracasso do Espresso teve o Elise. E certamente melhor para os entusiastas, que convivem com uma Bugatti luxuosa e esportiva, e com os Lotus puros e ágeis. Além disso, o Espresso nos deu mais uma daquelas histórias para sonhar com uma realidade alternativa. Como teria sido o mundo com um Bugatti kei?