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Car Culture

Os 35 anos do Mazda Miata

No dia 9 de fevereiro de 1989, a Mazda apresentou ao mundo um roadster inspirado nos esportivos ingleses da década de 1960 que se tornaria um ícone para os entusiastas no mundo inteiro: o MX-5, também conhecido como Miata – ou NA, para quem curte códigos de geração. E ele fez tudo isso sem um motor absurdamente potente, design revolucionário ou tecnologias inovadoras — apenas com tração traseira e foco no prazer de dirigir.

Em uma feliz exceção, o Miata atual tem quase as mesmas dimensões que o primeiro, quase o mesmo peso, e a mesma fórmula básica, com motor aspirado, tração traseira e a oferta de câmbio manual (que, convenhamos, e o câmbio correto para o Miata). Na verdade, o Miata pode ser encarado como um dos últimos esportivos verdadeiramente old school fabricados atualmente – e por um preço acessível, diga-se.

Fora do Brasil, a cultura do Miata é muito forte. Nos EUA e no Japão, principalmente, o roadster é sinônimo de diversão barata e confiável graças a sua concepção simples, mecânica robusta e ampla oferta de exemplares usados. Mas, antes de qualquer coisa, a maior razão de seu sucesso é o fato de ele ser um carro feito por entusiastas, para entusiastas, sem espaço para exageros, e sem nada além do necessário.

Por aqui, fomos meio que privados desta cultura: o Miata foi importado de forma oficial a partir de 1990, quando o governo reabriu as importações e várias fabricantes internacionais decidiram dar uma chance ao mercado nacional, que parecia promissor. De fato, o MX-5 e outros modelos da Mazda foram vendidos no Brasil até novembro de 2000. Como um modelo de nicho, porém, poucas unidades do Miata restaram por aqui.

Mas como foi que a Mazda descobriu que modernizar um conceito de três décadas antes seria a chave para criar um carro tão cultuado pelos entusiastas?

 

Quase não deu certo

Exagerando um pouco, dá para dizer que o Miata é um carro feito por um jornalista. Isso porque Bob Hall, que escrevia para a Motor Trend na época e falava japonês fluentemente, se encontrou com Kenichi Yamamoto e Gai Arai, chefes do setor de Pesquisa e Desenvolvimento da Mazda. Eles perguntaram a Hall que tipo de carro a Mazda deveria fazer no futuro.

A resposta foi típica de um entusiasta saudosista: algo inspirado nos roadsters britânicos da década de 60, com vento nos cabelos, insetos nos dentes e preço acessível. Ele até fez um rascunho e mostrou aos dois, mas como as fabricantes nunca ouvem os jornalistas, Yamamoto disse que não via futuro em um carro daqueles.

Lotus Elan, a grande inspiração do Mazda MX-5

Mas a semente já estava plantada. Anos mais tarde, Bob Hall passou a trabalhar com planejamento de produtos na Mazda. Era 1981, Yamamoto era o chairman da companhia, e Hall conseguiu falar com ele de novo. Yamamoto lembrou da conversa, e no ano seguinte deu permissão para que Hall levasse sua ideia adiante.

No recém-inaugurado estúdio de design da Mazda na Califórnia, Hall e o designer Mark Jordan criaram os primeiros esboços do esportivo, definindo a imagem inicial e as proporções do conceito. A ideia foi aprovada, mas antes de definir como seria o conceito que seria o ponto de partida para o futuro esportivo, a Mazda pediu para que suas duas equipes de design, na Califórnia e no Japão, apresentassem suas propostas.

A equipe chefiada por Bob Hall propôs um carro com motor dianteiro e tração traseira, enquanto os japoneses tinham em mente um carro com motor central-traseiro — o que não nos surpreende nem um pouco. Também houve um conceito com motor e tração dianteiros que, felizmente, foi ignorado. Em 1984 a Mazda revelou sua decisão: o carro projetado nos EUA seria a base para o novo projeto.

 

Nome e filosofia

Era preciso, agora, escolher um nome para o carro. O conceito inicial era chamado de Duo 101, e o projeto era conhecido apenas como P729. O braço americano queria batizar o carro como “1600S”, enquanto os japoneses propuseram “RX-5”. O primeiro era genérico demais, e já estava definido que o carro não teria um motor rotativo, o que não justificaria o “RX” do segundo nome. Então o “R” foi substituído por um “M”, de Miata, que significa recompensa ou prêmio. De fato, o Miata foi um presente para o mundo.

Ao melhor estilo japonês, a filosofia básica do projeto também tinha um nome: Jinba ittai, expressão que pode ser traduzida como “cavalo e cavaleiro em um só corpo”. Basicamente, é o que todo fabricante busca (ou deveria buscar) ao criar um bom esportivo — a capacidade de transformar o carro em uma extensão do corpo do motorista, criando uma relação quase orgânica entre homem e máquina.

Jinba ittai pode ser dividido em cinco exigências principais:

  • O carro teria que ser o mais compacto e leve possível, dentro dos padrões de segurança globais
  • O cockpit precisaria acomodar duas pessoas da forma mais confortável possível, sem desperdício de espaço
  • O carro precisaria ter motor dianteiro e tração traseira, mas o motor deveria ficar atrás do eixo dianteiro para ficar o mais perto possível da distribuição de peso ideal de 50-50
  • Todas as quatro rodas usariam suspensão independente para maximizar o desempenho dos pneus, a aderência e a estabilidade
  • O motor e o diferencial traseiro teriam que ter uma conexão sólida para garantir a melhor aceleração

Eram exigências bem específicas, que deixam claro que o Miata foi feito por entusiastas, para agradar a entusiastas. Some a isso o visual do conceito Duo 101, que tinha clara influência britânica, especialmente do Lotus Elan, e você entenderá por que eles conseguiram.

 

Estreia

Se, lá em 1976, Yamamoto tivesse previsto a recepção positiva que o Miata teria 13 anos mais tarde, ele teria dado ouvidos a Bob Hall desde o começo. Porque mesmo antes da apresentação oficial, uma clínica feita em 1988 com potenciais compradores revelou duas coisas: muito mais pessoas gostaram do carro do que era previsto pela Mazda, e elas ainda pagariam caro por ele. Quando questionadas sobre quanto achavam que o carro custaria, as pessoas respondiam em média US$ 20 mil, e a marca esperava algo em torno dos US$ 8 mil. Se isso não os deixasse otimistas, alguma coisa estaria muito errada.

No lançamento, durante o Salão de Chicago, em fevereiro de 1989, o sucesso foi estrondoso — a atenção só não foi maior porque o Acura NSX também foi apresentado naquele salão. Mas Bob Hall estava confiante: “A Honda vai ficar com a mídia, mas nós vamos ficar com as vendas”.

Tudo bem que os carros são de categorias diferentes, mas isso não deixa de ser verdade — além de vender muito bem, o Miata é um dos únicos esportivos japoneses do final dos anos 90 que continuam por aí, sem mudanças profundas no visual e no projeto. É porque o mundo nunca se cansa de diversão a céu aberto sem pagar uma fortuna.

 

O carro

Quando foi lançado, o Miata de primeira geração tinha um motor 1.6 16v, desenvolvido especificamente para o Miata usava injeção eletrônica, comando duplo no cabeçote, virabrequim e volante aliviados. Desenvolvia 116 cv a 6.800 rpm e 13,8 mkgf de torque a 5.500 rpm e, embora não fosse uma usina de força, era capaz de levar o Miata aos 100 km/h em 8,1 segundos, com máxima de 203 km/h — créditos aos econômicos 940 kg do conversível.

Acoplado ao motor estava o câmbio manual de cinco velocidades. Nos EUA havia a opção de transmissão automática, contudo, ao contrário do que se esperava, as vendas foram mínimas — mais uma razão para ter orgulho do Miata: ele conseguiu convencer os americanos a trocar suas próprias marchas.

Mas desempenho em linha reta não importa aqui: o grande atrativo do MX-5 era sua dinâmica bem acertada, graças à suspensão independente do tipo wishbone nas quarto rodas, com barras estabilizadoras na frente e atrás. É para deixar qualquer Jaguar, Triumph ou MG orgulhoso.

Detalhes estéticos bacanas são os faróis escamoteáveis que, somados à entrada de ar no para-choque, deixam o Miata com uma “cara” bem expressiva; e as rodas de 14 polegadas, que lembram muito as Minilites inglesas.

Em 1994 o Miata foi atualizado com um novo motor 1.8 de 133 cv, além de equipamentos de segurança como airbags, diferencial de deslizamento limitado, e reforços na estrutura para aumentar a resistência a impactos laterais. As mudanças acabaram aumentado o peso do carro para 990 kg, mas o aumento de potência compensou os quilinhos a mais.

 

Evolução

A segunda geração do Miata, lançada em 1997, perdeu os faróis escamoteáveis e era um pouco maior e mais pesada — agora com 1.000 kg. Contudo, o Miata NB adiantou que, ao longo dos anos, os princípios seriam apenas aperfeiçoados, e nunca modificados. Sendo assim, o carro continuava leve, bem acertado e divertido, mas também evoluiu: o motor 1.8 agora rendia 140 cv, as barras estabilizadoras eram mais grossas e os freios eram mais fortes com ABS opcional.

O motor recebeu uma taxa de compressão mais alta, passou de 9.0:1 para 9.5:1, e o coletor de admissão agora tinha geometria variável — ficava mais longo e estreito em rotações baixas, e mais curto e largo em rotações mais altas.

O MX-5 NB tinha um visual mais suave, considerado “feminino” na época – e as linhas eram, de fato, bastante delicadas, como era tendência naquela época. No entanto, a essência do primeiro carro manteve-se inalterada. A Mazda já sabia o que fazer, o público já sabia o que esperar, e sempre foi assim.

 

Terceira geração

A terceira geração do Miata foi lançada em 2005. O visual ficou mais robusto, com molduras nos para-lamas, mas os faróis mais estreitos traziam à mente a primeira geração. Diferentemente do Miata NB, que dividia muitos componentes com o modelo anterior, tudo no NC era novo. O carro ficou inevitavelmente maior e mais pesado (agora com pouco mais de 1.100 kg), mas o motor agora era um 2.0 de 172 cv. No ano seguinte, um 1.8 menos potente, de 126 cv, ficou disponível.

O interior ficava mais moderno, e a suspensão recebia uma atualização importante: enquanto o sistema wishbone na dianteira era mantido, a traseira ganhava suspensão multilink, que tornou o comportamento dinâmico mais refinado.

Em 2008, um facelift deu faróis de formato mais alongado e uma enorme e sorridente grade dianteira, em dia com a identidade visual da Mazda na época. O motor 2.0 teve a potência levemente reduzida, de 172 cv para 169 cv, e alguns ajustes finos foram realizados na suspensão e na transmissão.

No ano seguinte, um conceito de concepção semelhante ao Mono Posto era apresentado no Salão de Frankfurt: o Mazda MX-5 Superlight, uma barchetta (sem para-brisa ou capota) para duas pessoas, com motor 1.8 de 126 cv e materiais leves empregados em sua construção, reduzindo o peso para 1.000 kg cravados — 100 kg a menos do que o modelo 1.8 de produção.

O ano de 2012 viu outra atualização estética, mais discreta, para o ano-modelo seguinte. A dianteira ficava mais agressiva, o interior ganhou novas opções de revestimento e acabamento.

 

Mais do mesmo

Podemos notar que, ao longo 30 anos, o Miata perdeu um pouco de sua aura clássica. Assim como todos os carros nos últimos vinte anos, ele tem formas mais “infladas” a fim de abrigar elementos estruturais que garantem a segurança dos ocupantes. Mas os engenheiros japoneses se esforçaram e conseguiram conservar da melhor forma possível as melhores características do original: baixo peso, tração traseira, potência na medida, dinâmica bem acertada e diversão ao ar livre.

O fato de o carro ter apenas três gerações em 30 anos ilustra bem a competência do projeto: as duas primeiras gerações duraram oito anos cada uma, e a terceira durou dez.

A quarta geração trouxe a mais drástica mudança de estilo, e a carinha feliz pela qual o modelo era conhecido deu lugar a um sorriso maléfico. O carro também ficou mais potente — na época do lançamento, a versão vendida na Europa e na Ásia vinha com um motor 1.5 de 130 cv, enquanto o modelo dos EUA era equipado com um 2.0 de 155 cv.

Com o leve facelift promovido em 2018, o motor 2.0 passou a entregar 184 cv. O zero a 100 km/h é cumprido em mais ou menos oito segundos, marca que acompanhou o MX-5 ao longo de toda a sua carreira – ninguém precisa de mais do que isso para se divertir, até porque o apelo do Miata nunca foi acelerar em linha reta.

Vale lembrar que, graças a uma parceria da Mazda com a Fiat, o atual MX-5 serviu de base para a volta do Fiat 124 Spider, clássico italiano da década de 1960. Com dianteira e traseira exclusivas no mesmo monobloco que o Miata, ele tinha como maior diferença um motor 1.4 turbo MultiAir – o mesmo do Fiat 500 Abarth, calibrado para entregar 140 cv na versão comum, e 170 cv nos 124 Abarth. Com acerto ligeiramente mais voltado ao conforto e mais torque em baixa, o 124 Spider certamente tem seu apelo.

Por outro lado, se o ciclo de vida das gerações anteriores for um sinal, podemos esperar que o Miata ND acabe substituído por um “NE” entre 2025 e 2026 — a Mazda já confirmou que a nova geração já está em desenvolvimento e que ela virá eletrificada.

É um desafio e tanto, pois o Miata sempre foi reconhecido por seu baixo peso e a hibridização de um powertrain costuma aumentar a massa dos carros e em uma entrevista não muito distante, Nobuhiro Yamamoto, responsável pelo programa do MX-5 disse que a quinta geração seria “ainda mais leve que a atual, e manterá intacta a personalidade do clássico”. Como eles vão conseguir isso? Bem… aparentemente eles têm a tecnologia para isso, e ela inclui o uso de baterias leves, em um sistema já apresentado em um passado muito recente.

Wankel e baterias leves: como a Mazda pode revolucionar os esportivos híbridos

O que sabemos é que, nestes tempos de tanta incerteza quanto ao futuro dos carros entusiastas, é reconfortante ler algo assim — especialmente se, com a inevitável hibridização, vier um sistema tão interessante. Vida longa ao Mazda MX-5 Miata — e que seja eterno enquanto dure.


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