Que mundo é esse onde um carro de 1.500 kg é considerado leve? É o mundo moderno – recursos eletrônicos, baterias, motores elétricos e equipamentos de conforto e conveniência nunca estiveram tão presentes nos carros. E essas coisas pesam.
No Brasil, por exemplo, o carro novo mais leve que se pode comprar é o Renault Kwid. Ele não é o melhor exemplo de como os carros ficaram pesados nos últimos anos – a versão Zen, equipada com o mínimo para garantir dignidade (direção elétrica, ar-condicionado e vidros elétricos nas portas dianteiras) pesa 758 kg em ordem de marcha. A versão Outsider, em comparação – a mais completa de todas – passa dos 800 kg com a adição de ar-condicionado, central multimídia e outros itens. É claro que estamos falando de um dos menores e mais básicos automóveis que se pode ter no Brasil, mas dá para ficar ainda mais leve.
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Nas minhas pesquisas recentes para as matérias do FlatOut, topei com uma informação curiosíssima – certo carro clássico, adorado por entusiastas de todas as épocas e lugares, pesava o mesmo que uma Honda Gold Wing moderna. Estamos falando de pouco menos de 400 kg, que é quanto a versão mais equipada da moto estradeira japonesa tem na balança – com motor boxer de 1,8 litro, câmbio de dupla embreagem, transmissão por cardã e central multimídia, a Gold Wing tem 380 kg em ordem de marcha na versão Tour.
Foi com essa informação nas mãos que eu me dei conta de que ainda não fizemos aqui o ranking definitivo dos carros mais leves já fabricados. Conversando com meus colegas de equipe, chegamos à conclusão de que é hora de mudar essa situação. (E é claro que o carro mencionado mais acima está na lista.)
E também chegamos a algumas regras. Primeiro, esta lista se refere a carros de rua produzidos em série, mesmo que em pequena quantidade. Ou seja: nada de one-offs ou coisas do tipo, e nem de versões modificadas por preparadoras ou equipes de corrida.
Segundo, e talvez mais importante: estamos falando de carros de verdade – com quatro rodas, volante e mecânica própria. Ou seja, nada de microcarros com motor de moto, como o Isetta ou os Messerschmitz. Também não valem veículos que se parecem com carros, mas atendem nichos específicos e possuem limitações legais – como o Renault Twizy, que é considerado um quadriciclo e tem velocidade máxima limitada em 80 km/h (e, por isso, sequer pode trafegar em rodovias). Seguindo essa lógica, kei cars – que tem suas dimensões reguladas pela legislação – serão desconsiderados.
E é claro que o Peel P50, o minicarro de 50-e-poucos kg que ficou famoso naquele eposódio antológico de Top Gear, também está fora. Assim como estão fora os carros elétricos chineses que você pode comprar no Alibaba.
Vale a observação: o peso que consta aqui é aquele informado pela fabricante de forma oficial – sempre em ordem de marcha, ou seja, com fluidos e pronto para rodar. E, em todos os casos, o número listado é o menor peso possível para aquele determinado modelo, seja por ser uma versão mais antiga, ou por ser uma variante com menos recursos e equipamentos.
Por fim, tenha em mente que não existe um banco de dados com o peso exato de cada modelo de automóvel que existe no mundo – e que muitas vezes há dados divergentes. Para contornar parcialmente este problema, procurei fontes com credibilidade, incluindo testes de revistas antigas, livros e, claro, os dados oficiais das fabricantes, quando disponíveis.
Lotus Elan – 584 kg
O Lotus Elan não vai ser o último Lotus dessa lista. E, mesmo sendo o mais pesado dos carros mostrados aqui, definitivamente é um veículo leve. Em sua versão mais esbelta – a primeira, de 1962 – ele tinha só 584 kg. Tinha 3,69 metros de comprimento, 1,42 m de largura e entre-eixos de 2,13 m.
O Elan foi o primeiro veículo de rua da Lotus a usar o famoso método de construção com chassi do tipo backbone (“espinha-dorsal”) e carroceria de fibra de vidro. O segredo para a leveza do carro não é exatamente um segredo: ele simplesmente seguia à risca a filosofia de Colin Chapman: era o carro mais simples possível, sem nada que acrescentasse peso sem, de alguma forma, contribuir para a dinâmica ao volante.
O motor original era o Ford Kent de 1,5 litro, o mesmo usado pelo Ford Cortina, com 105 cv a 5.500 rpm e 14,9 kgfm de torque a 4.000 rpm, ligado a um câmbio manual de quatro marchas todo sincronizado (luxo nos anos 60). Ninguém em sã consciência pediria por mais.
Mini – 580 kg
Britânicos são bons mesmo em fazer carros pequenos e leves. E é claro que o carro mais quintessencialmente britânico que existe só poderia ser assim. O Mini original de Sir Alec Issigonis, lançado em 1959, nasceu para ser um carro de verdade para as famílias inglesas do pós-Guerra – motorizando aquele país da mesma forma que o Fiat Nuova 500 fez na Europa e o Citroën 2CV fizeram na Itália e na França, respectivamente.
A diferença era que o Mini foi o único feito por um engenheiro verdadeiramente entusiasta, que conseguiu convencer a todo o mundo de que a dinâmica afiada do pequeno sedã dois-volumes (e não hatchback!) era mera consequência de suas boas qualidades – quando, na verdade, foi pensada desde o início. Veja os cones de borracha da suspensão, por exemplo: eles eram mais leves que molas tradicionais e ainda conferiam suspensão independente às quatro rodas.
O Mini original conseguia levar quatro pessoas, mais bagagem (talvez para uma noite apenas, mas ainda assim) em um carro com inacreditáveis 3,05 m de comprimento, 1,40 m de largura e 2,04 m de entre-eixos. O peso baixíssimo da primeira leva se deve ao acabamento extremamente espartano no interior. O motor de 848 cm³ e 33 cv também fazia sua parte. As versões posteriores, com acabamento mais caprichado, mais equipamentos e motores maiores, arranhavam os 700 kg.
Fiat 126 – 575 kg
Criado para ser o sucessor do Fiat 500, o Fiat 126 acabou não fazendo o mesmo sucesso que ele – embora tivesse praticamente a mesma base mecânica. Parte disso se deve à mudança no visual: a Fiat realmente acertou a mão no Nuova 500, tornando-o extremamente simpático e cheio de carisma. Os italianos não quiseram desapegar.
Bom para os poloneses, que receberam o Fiat 126 de braços abertos e fizeram dele o carro símbolo da indústria automobilística da Polônia. Ele até tem um apelido fofo: “Maluch”, que significa “criancinha” em polonês.
A versão original do Fiat 126 – e também a mais leve de todas – tinha um motor dois-cilindros de 594 cm³ e 23 cv. Era mais que o suficiente para os 575 kg do carro, que tinha 3,05 m de comprimento, 1,38 m de largura e entre-eixos de minúsculos 1,84 m.
Fiat 500 “Topolino” – 550 kg
Lançado em 1936, o Fiat 500 original pode ser considerado o primeiro carro popular da fabricante italiana. Ele era absurdamente pequeno – tinha 3,21 metros de comprimento, 1,28 m de largura e entre-eixos de exatos dois metros, e só levava duas pessoas.
Ele só não está mais à frente nesta lista, possivelmente, porque usava metais mais pesados em sua construção (afinal, é um carro de 85 anos atrás) e também porque tinha arrefecimento líquido, usando um radiador espertamente escondido sob a grade vertical. Além disso, tinha carroceria sobre chassi, o que por si só ajuda a acrescentar peso.
O motor em si era um quatro-cilindros de 594 cm³ instalado na dianteira e ligado a uma caixa de quatro marchas – o que também garantia que, aos olhos da lei, o Topolino fosse um carro de verdade, e não um ciclocarro como os que eram bastante comuns naquela época.
Citroën 2CV – 505 kg
Guarda-chuva sobre rodas. Só pelo apelido do Citroën 2CV já dá para sacar o nível da frugalidade. Bancos que pareciam cadeiras de praia, chapas de metal corrugadas para dar resistência sem aumentar peso e um sistema de suspensão inovador, com braços semi-arrastados e cilindros com molas instalados nas laterais do veículo (que conferiam um rodar extremamente macio e surpreendentemente estável) eram só alguns dos truques usados pela Citroën para garantir o menor peso e o menor custo possíveis.
O 2CV original era movido por um motor de 375 cm³ com dois cilindros opostos e arrefecimento a ar (o que também ajudava a economizar alguns quilos). Tinha só 9 cv, mas estes se provaram valentes o bastante para transformar o Deux-Chevaux em um sucesso absoluto.
O Citroën 2CV também tinha mais espaço que os automóveis que apareceram na lista até agora. Media 3,84 metros de comprimento, 1,48 m de largura e 2,40 m de entre-eixos.
Fiat 500 – 499 kg
O Fiat Nuova 500 era ainda mais leve que seu sucessor, o 126 – tinha apenas 499 kg na época do lançamento, em 1957. Feito para suceder o Topolino e usando uma construção mais moderna, do tipo monobloco, o 500 conseguia ser maior, mais espaçoso e mais leve que ele.
Uma série de variantes do Fiat 500 foi lançada ao longo dos anos, incluindo versões esportivas feitas pela Abarth. Mas o original, com motor bicilíndrico de 479 cm³, arrefecido a ar, capaz de produzir apenas 13 cv, era o mais leve de todos – tinha só 499 kg. As demais dimensões refletiam o baixo peso: 2,97 metros de comprimento, 1,32 m de lagura e 1,84 de entre-eixos.
As versões posteriores, como aconteceu com o Mini no Reino Unido, ganharam alguns kg graças a motores mais potentes (e, consequentemente, fisicamente maiores e mais pesados) e interior melhor equipado.
Ariel Atom 2 – 456 kg
Primeiro carro moderno a aparecer nesta lista, o Ariel Atom é um carro inegavelmente leve. Mas ele já existe há bons 20 anos e teve uma série de versões – incluindo o monstruoso Ariel Atom V8, com 500 cv em seu motor de três litros (que sim, é um motor derivado das motos, mas trata-se de um projeto próprio feito para automóveis).
Construído sobre uma estrutura tubular semelhante ao quadro de uma motocicleta, o Ariel Atom foi criado para ser o mais leve e ágil quanto fosse possível, a fim de oferecer uma experiência orgânica e sem filtros a quem dirige. E mesmo a versão V8 (que já não é mais fabricada) era extremamente leve: tinha 550 kg.
Porém, com um motor menos potente e ainda menos peso, o Ariel Atom 2 de 2004 chegava a ser ridículo de tão leve: pesava 456 kg. O motor era um Honda K20, de dois litros, com supercharger e 304 cv. Sabe o que isso siginifica? Que o Atom 2 tinha apenas 1,5 cv/kg. Para se ter ideia, o atual Porsche 911 GT3 tem 2,78 kg/cv.
Mini Moke – 406 kg
Trapaça? Não é um carro de verdade? Pense bem: o Mini Moke usava exatamente a mesma mecânica do Mini e também tinha suspensão com cones de borracha. Ele até lembrava um Mini olhando de frente. Contudo, criado como uma espécie de jipe militar de tração dianteira, ele era muito mais básico. Não tinha teto e nem portas – apenas bancos, volante, rodas, mecânica e o para-brisa. Não se entrava nele: se montava.
Como jipe militar, ele não deu certo – afinal, tinha rodas de 10 polegadas como o Mini e sua capacidade off-road era praticamente nula. Mas como veículo de lazer, para locomoção em propriedades rurais ou passeios descontraídos aos fins de semana, ele acertava na mosca.
Novamente, os primeiros modelos eram os mais leves. Quando foi lançado, em 1964, o Mini Moke tinha apenas 406 kg. Modificações no projeto, como a adoção de rodas de 13 polegadas e suspensão mais robusta, faziam com que as versões posteriores passassem (pouco) dos 500 kg.
Lotus Super Seven – 387 kg
Eis o cara que inspirou esta matéria – e poderia muito encerrar a lista se não pesasse 2 kg a mais que o carro mais leve de todos. O Super Seven, de 1957, foi o primeiro carro produzido pela Lotus, e era tão icônico que continua fabricado até hoje pela Caterham.
Com carroceria de alumínio (que estava mais para uma capa para os componentes mecânicos), um motor Ford de 1,2 litro e 40 cv e absurdos 387 kg, o Lotus Super Seven era capaz de ir de zero a 100 km/h em 16 segundos (mais rápido que muitos populares 1.0 brasileiros, aliás) e tinha velocidade máxima de 128 km/h. Parece pouco, não é? Mas pense no Super Seven como uma legítima moto de quatro rodas com dinâmica acertada por Colin Chapman, que não duraria mais de seis décadas praticamente sem modificações se não fosse bom de verdade.
O Caterham Seven atual, saiba, não é tão mais pesado assim. A versão mais leve de todas, o Seven 160, tem 490 kg – e um motor de 80 cv vindo de um kei car da Suzuki, com turbo e 660 cm³.
Light Car Company Rocket – 385 kg
Quem fez o carro mais leve de todos os tempos? A resposta: Gordon Murray. Inspirado pelos monopostos do passado, Murray teve a ideia de criar um carro pequeno, com estrutura tubular, de visual retrô, que tivesse o baixo peso como principal atrativo. Por isso o nome da empresa, fundada em 1991: Light Car Company.
O Rocket foi seu único modelo, e realmente era leve: tinha só 385 kg. O motor era um Yamaha de 1.070 cm³, com duas opções de acerto – 143 cv ou 165 cv – e câmbio sequencial de cinco ou seis marchas. Sim, dissemos que microcarros com motor de moto estavam eliminados, mas você há de perdoar esta exceção. Até porque o Rocket era considerado um carro de verdade, podia rodar em rodovias, e definitivamente não tinha velocidade limitada: podia chegar aos 230 km/h.