Prowler, em inglês, define aquele que age de maneira furtiva antes de cometer um crime. Mas também é o nome de um dos carros mais interessantes das últimas décadas — o Plymouth Prowler, que impressionou como conceito e foi quase inalterado para as ruas. Infelizmente, sua aura retrô era tão ousada que, talvez, o tenha colocado à frente de seu tempo.
Ainda que a crise econômica do fim da década passada, que levou deste mundo algumas marcas icônicas de automóveis como a Pontiac, esteja fresca na memória, o fim da Plymouth aconteceu bem antes, em 2001.
A verdade é que desde o fim dos anos 1980, a Plymouth já era bem mais uma revendedora de Dodges rebatizados do que uma divisão propriamente dita — as vendas cada vez menores de seus modelos foram um fator chave para isto.
Ainda assim, em 1990, um grupo de designers e engenheiros da Plymouth começou a brincar com a ideia de um conceito retrô, inspirado nos hot rods dos anos 1930, 1940 e 1950. Diz a história que Bob Lutz, então executivo-chefe do grupo Chrysler (cargo ocupado de 1986 a 1998, período em que Lutz liderou virtualmente todas as atividades da companhia), viu um dos rascunhos na mesa de um designer. Suas únicas palavras teriam sido “mais atitude”.
Àquela altura, isto não queria a dizer muita coisa — mas significava que Lutz havia gostado do que viu. E Lutz é reconhecidamente um dos executivos com maior visão no setor automotivo. Ao longo de sua carreira, ele sempre foi o cara que as fabricantes de automóveis procuravam quando não sabiam mais o que fazer. Se Lutz havia gostado da ideia, algo precisava ser feito.
E foi: meio que por baixo dos panos, os envolvidos no projeto do hot rod retrô começam a dar corpo ao carro. Em junho de 1992, o primeiro modelo em clay (argila) ficou pronto e, no mês seguinte, o Prowler foi “promovido” e recebeu a luz verde para se transformar em um conceito.
O caso é que o carro apresentado no Salão de Detroit de 1993 foi a um dos destaques do evento — seu visual lembrava muito os carros feitos para quebrar recordes nas planícies de sal de Bonneville, mas atualizado para o século 21. Isto significa que ele tinha uma dianteira agressiva, com faróis afilados e uma grade que tomava toda sua área frontal, e uma carroceria ao estilo “bucket”, com linhas mais suaves e elegantes na traseira. O para-choque era dividido em duas seções que abrigavam as lanternas dianteiras, e as rodas eram cobertas por para-lamas destacados da carroceria — em um misto de hot rod com monoposto da Fórmula Indy.
A calorosa recepção pelo público de Detroit levou Bob Lutz a pedir um período de avaliação de 90 dias, durante os quais seria determinada a viabilidade de transformar aquele conceito em um carro de produção. Na visão de Lutz, aquela poderia ser a salvação da Plymouth — torná-la uma marca de nicho com apelo retrô. O Chrysler PT Cruiser, hatch que também tem formas inspiradas nos carros da década de 1930, porém com um aspecto mais convencional, também foi desenvolvido naquela época e, originalmente, seria vendido pela Plymouth.
Contudo, o apelo do Prowler era ousado demais, e foi preciso bem mais do que três meses para determinar se ele era um carro vendável, mesmo depois de aparecer em alguns eventos de carros antigos e receber muita atenção positiva. A decisão só é tomada quando o carro é levado novamente, inalterado, para o Salão de Detroit em 1994— e, mais uma vez, é o maior sucesso do grupo Chrysler no evento.
Com isso, finalmente conceito é aprovado para se transformar em um carro de rua.
O desenvolvimento começou imediatamente. No campos de provas da Chrysler em Chelsea começaram os primeiros testes com uma mula batizada de “Prangler” — as entranhas eram do futuro Prowler, mas a carroceria usava componentes do Jeep Wrangler. Era impossível saber o que havia lá embaixo. Hoje sabemos o que era: a Chrysler decidiu-se por usar uma plataforma nova, batizada de PR, mas os componentes mecânicos eram emprestados dos modelos da plataforma LH (como o Dodge Intrepid e os Chrysler Concorde, LHS e 300M).
O conceito ainda foi levado para o Salão de Detroit mais duas vezes — em 1995 e 1996. Nesta última ainda não foram anunciados os planos da Chrysler, mas aconteceu algo que deixou a todos os presentes uma ótima impressão: Bob Lutz e seu xará, Bob Eaton, CEO da Chrysler de 1993 a 1998, apresentaram o carro usando óculos escuros ao estilo “The Blues Brothers” e disseram “é real, e você entende ou não.”
Ao longo do ano de 1996 o Prowler passou pelas fases finais de desenvolvimento e as primeiras unidades de pré-produção começaram a sair da fábrica de Conner Avenue, em Detroit — a unidade responsável pelos projetos experimentais e esportivos, como o Dodge Viper. Alguns carros viajaram pelos EUA, outros foram enviados a veículos especializados para que eles dessem suas primeiras impressões. Cerca de 18 unidades foram feitas — e destruídas após cumprir seu papel.
Papel este que foi bem cumprido: em janeiro de 1997 o Prowler apareceu pela última vez em uma edição do Salão de Detroit — mas, desta vez, não era o conceito, e sim o real deal. Os fãs presentes mal podiam acreditar, mas era verdade: aquele hot hod dos novos tempos seria vendido pela rede de concessionárias da Plymouth.
Infelizmente, porém, nem sempre as expectativas correspondem à realidade, mesmo que o futuro de uma grande companhia esteja em jogo. E estamos falando das expectativas tanto de Bob Lutz quanto do público — ambos foram frustrados por uma decisão ruim por parte da empresa: a de dar ao Prowler apenas motores V6.
Não eram motores ruins — pelo contrário: os pouco mais de 45o carros produzidos em 1997 eram movidos por um V6 de 3,5 litros e saudáveis 217 cv a 5.850 rpm. O Prowler era um carro razoavelmente leve, empregando componentes de alumínio para manter o peso em cerca de 1.270 kg, e esta potência era suficiente para que ele acelerasse de 0 a 100 km/h em 7,2 segundos, com velocidade máxima limitada a 180 km/h — não era um carro lento.
Só que a questão era mais de princípios que de qualquer outra coisa. Com um visual daqueles, inspirado hot hods com motores V8 “flathead” que atingiam velocidades inimagináveis no deserto branco, o Prowler tinha a obrigação moral de ter oito cilindros em V. Se pudesse escolher, certamente o Prowler trocaria seu V6 por um V8 — mas carros são objetos inanimados, e tudo o que acontece com eles depende de escolhas de seres humanos. E os seres humanos haviam decidido que um V6 estava de bom tamanho.
Uma pausa na produção — certamente para reavaliar a estratégia — se deu durante quase todo o ano seguinte, e só no fim de 1998 a Plymouth retomou a produção, já como modelo 1999. Foi decidido que o motor continuaria sendo um V6, porém com bloco de alumínio e 257 cv a 6.400 rpm. O desempenho melhorou razoavelmente — o 0 a 100 km/h agora era feito em seis segundos, e o limite de velocidade passou a 190 km/h.
Ainda não foi o suficiente para que o carro fizesse o sucesso esperado e antecipado pela recepção do público no Salão de Detroit (todos os cinco anos em que esteve por lá). A Plymouth acabou extinta em 2001 e o Prowler, que era um dos quatro modelos da marca em seus últimos anos, ainda foi comercializado como Chrysler Prowler em 2002. Em cinco anos, 11.702 unidades do Prowler foram vendidas nos EUA e no Canadá — um número até que razoável, mas bem aquém do esperado.
Talvez dois cilindros a mais tivessem ajudado. A ideia foi explorada em 1999 com o conceito Plymouth Howler, uma versão picape do Prowler com um V8 de 4,7 litros. Contudo, ele foi um conceito exclusivo para o SEMA Show daquele ano, e a Plymouth não tinha planos para produzi-lo em série.
Mas você quer saber por que, lá no começo deste texto, dissemos que o Prowler estava à frente de seu tempo? Por que nos anos seguintes, os carros retrô vieram com tudo — e o mais bem sucedido deles foi o Ford Mustang, que inspirou as outras duas grandesd e Detroit a lançar seus muscle cars inspirados no passado. Para nós, é o suficiente para que o Plymouth Prowler seja, sim, um pequeno grande roadster.