A esta altura, a Renault Espace F1 já é um clássico: a maior parte dos entusiastas sabe o que aconteceu quando a Renault decidiu colocar as entranhas do Williams FW15C em sua minivan de mamãe. Com 820 cv à disposição do piloto, a Espace F1 provavelmente é a Espace mais veloz do mundo – e, com toda certeza, um dos carros conceitos mais estupidamente incríveis já feitos. Mais fabricantes deveriam dar forma a ideias absurdas como esta hoje em dia. Faz falta.
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Mas o assunto aqui é outra “superminivan” com motor de competição feita pelos franceses. E o melhor: ela não era um carro conceito, mas sim um automóvel de competição de verdade, que foi para a pista mesmo. Seu nome também era bem sugestivo: Peugeot 806 Procar.
Se você lê o FlatOut, certamente o nome “Procar” te lembra a BMW M1 Procar, categoria monomarca que colocava o supercarro alemão com design italiano para acelerar antes das corridas de Fórmula 1 na virada dos anos 1980. Acontece que a 806 Procar não tem nada a ver com aquela Procar. Trata-se de outra categoria de turismo – a ADAC Procar Series, que começou a ser disputada em 1995 e, nos anos mais recentes, passou a se chamar Deutsche Tourenwagen Cup (DTC).
A DTC era encarada como uma competição de entrada – o passo seguinte para os pilotos era entrar para a DTM. Disputada apenas na Alemanha e, ocasionalmente, países vizinhos, a DTC foi descontinuada ao fim da temporada de 2017 por conta da baixa popularidade. O que é uma pena.
De todo modo, na temporada inaugural da ADAC Procar Series/DTC, a Peugeot viu a oportunidade de fazer algo diferente e destacar-se mesmo se não vencesse. Na etapa da Bélgica, realizada em Spa-Francorchamps, a Peugeot deu a uma equipe local chamada Kronos Racing a oportunidade de desenvolver um carro de competição usando como base o modelo que quisessem.
Em vez de optar pelo óbvio, a Kronos Racing decidiu chutar o balde e apontou a Peugeot 806 como sua escolha.
Por si só a 806 é um veículo interessante. Ela foi fruto de uma parceria entre a PSA e a Fiat (25 anos antes da fusão das duas empresas, veja você!) para criar as chamadas Eurovans – Lancia Zeta, Fiat Ulysse, Citroën Evasion e o próprio Peugeot 806. O nome “Eurovans” foi cunhado pela imprensa automotiva na época, mas acabou adotado de forma semi-oficial pelas empresas. Todas usavam o mesmo monobloco – – mudava apenas a dianteira, que ganhava linhas condizentes com cada uma das marcas. E todas elas tinham motores PSA, independentemente do modelo.
É divertido imaginar que alguém na Kronos Racing tenha tido a ideia de usar a Peugeot 806 como base para um carro de corrida – e mais ainda que todos tenham aprovado a ideia. Não por ser algo ruim, longe disso, mas justamente pela ousadia.
A Peugeot não fez objeção alguma – na verdade, deu todo o suporte de que a Kronos Racing precisava para construir a minivan de competição. Afinal, a 806 havia acabado de ser lançada, e sua presença em uma corrida de verdade seria, no mínimo, boa publicidade.
O suporte incluiu todos os componentes mecânicos do Peugeot 406 Mi16 que venceu as temporadas de 1994 e 1995 do Championnat de France de Supertourisme (o Campeonato Francês de Superturismo) com Laurent Aïello ao volante.
O motor era um 2.0 16v, ligado a uma caixa sequencial de cinco marchas da XTrac. Preparado pela francesa OBIS, ele era capaz de entregar 300 cv quando calibrado no limite. Porém, para ficar de acordo com as regras da Procar 2, a potência foi limitada a 260 cv. Não parece muita coisa – ainda mais comparado aos mais de 800 cv da Espace F1 – mas a questão nem é essa. Você imagina a Peugeot de hoje em dia colocando um Partner, por exemplo, para disputar provas de turismo na Europa?
Naturalmente, a Peugeot 806 causou certo incômodo nos rivais ao ser aprovada pelos fiscais da Procar 2 – o que não deveria acontecer, já que a concorrência, formada por Honda Civic, Opel Astra, Toyota Corolla e outros modelos do mesmo porte, tinha vantagem aerodinâmica e em relação peso/potência. Talvez eles só estivessem irritados por pensarem que estavam sendo feitos de palhaços. De qualquer forma, a palavra dos oficiais era o que valia, e a Peugeot 806 Procar era uma realidade.
O campo de estreia foi a edição de 1995 das 24 Horas de Spa-Francorchamps – que fazia parte do campeonato na época. Embora tenha ficado na 12ª posição na classificação geral (entre 53 inscritos!), a Peugeot 806 Procar conseguiu largar na 3ª posição em sua própria categoria, com o trio de pilotos belgas Eric Bachelart, Philippe Verelleny e Pascal Witmeur revezando ao volante.
Não foi a melhor corrida possível – longe disso, na verdade: problemas nos freios obrigaram a minivan a parar nos boxes logo na primeira hora de prova. Dez horas depois, o diferencial traseiro simplesmente abriu o bico. Sem tempo para consertá-lo, a Kronos Racing não teve opção senão abandonar a corrida.
Por conta do fracasso, poucas pessoas conhecem a história da 806 Procar hoje em dia. Mas, apesar de tudo, o veículo foi preservado pela divisão belga da Peugeot – e hoje em dia está sob a posse de uma concessionária na Bélgica chamada Gipimotor. Sim, à venda.
O preço não é divulgado, mas a loja até disponibilizou um depoimento de um dos pilotos. Segundo Pascal Witmeur:
Sempre que passávamos pela curva Raidillon, o público aplaudia de pé. Eles gostavam porque, além de ser totalmente atípico, geralmente o carro estava sobre duas rodas.
Por vezes, ganhar a preferência do público pode ser mais difícil que vencer uma corrida. Então, a nosso ver, o Peugeot 806 Procar foi, de certa forma, um vencedor.